sábado, 28 de maio de 2016

Vítima, seu destino é ser culpada


Marcus Vinicius Batista

Sejam 30, 33, 36 ou apenas um agressor sexual, matemática e estatística confirmam o que qualquer pessoa, com o mínimo de decência, tem que saber:

a) estupro é epidemia social em todo o mundo. Esqueça dinheiro, desenvolvimento social ou religião;

b) o machismo não é apenas a única causa, vem acompanhado de impunidade e conivência, inclusive feminina. Há toneladas de pesquisas que indicam o fator impunidade como estímulo à prática do estupro;

c) o sistema de segurança pública, no Brasil (e só para falar daqui, porque o tal primeiro mundo também patina no tema), é falho e estimula seus profissionais a diminuir a importância de um crime que devasta física e sexualmente a vítima, independentemente de seu gênero. Os homens se calam e não vão às delegacias; as mulheres enfrentam mais um degrau na escada da humilhação, de hospitais a postos policiais.

O Rio de Janeiro simboliza o despreparo dos agentes policiais e políticos para combater a violência sexual. Já passou da hora de se perceber que cartazes em ônibus ou em padarias, que telefone para denúncias são esparadrapos para conter a sangria de um ferimento de fuzil.

É claro que um número para ligações tem que existir, mas de que adianta se delegacias especializadas para mulheres fecham em finais de semana em muitos lugares. Muitas cidades sequer possuem essas unidades.

Mais grave é o despreparo de policiais para lidar com o crime sexual. Insensibilidade, proteção ao agressor, redução da vítima à culpada são características de policiais em diversos países. E policiais não são exclusivos. Você se lembra da adolescente que passou 15 dias com duas dúzias de homens numa cela no Piauí? Então, a juíza responsável pela medida acabou promovida depois das denúncias.

Não entendi por que, até o momento, o caso da adolescente estuprada no Rio de Janeiro segue sob investigação da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, e não da Delegacia da Criança e Adolescente Vítima. As evidências apontam para a desumanização dos policiais e para as humilhações em torno da vítima.

Se a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática precisava de réu confesso, já tem pelo menos um deles, que veiculou um dos vídeos na Internet. Por que, até o momento, celulares e outros equipamentos envolvendo os depoentes não foram apreendidos para averiguação? A função desta delegacia acaba aí.

Por que os políticos cariocas - leia-se Governo do Estado - tão presentes diante das câmeras para falar de combate ao tráfico, UPPs e de segurança nas Olimpíadas sumiram por encanto? Nenhum deles vai bater na mesa, tomar as rédeas e colocar o problema no topo da lista? Ou os engravatados preferem esperar que a história entre para a História com o devido esvaziamento de importância?

O estupro psicológico se agrava na forma que os policiais conduzem o processo. Três acusados foram ouvidos, obviamente negaram e foram liberados. Não apontaram outras pessoas? Não explicaram em detalhes o que fizeram naquele período de dois dias? Não houve contradição alguma entre os depoentes? Nada?

Impressiona também a velocidade com o delegado responsável pelo caso colocou em dúvida a versão da vítima. O que houve ali, então? O que as imagens mostraram, uma pegadinha do Malandro? Como acreditar assim tão rapidamente em uma das versões, todas masculinas, e descartar, por tabela, a história da vítima?

O depoimento da adolescente de 16 anos é outra aberração jurídica. Como um garota, vítima de estupro - e mesmo que não o fosse -, é ouvida numa sala com quatro policiais homens presentes. De que adianta uma psicóloga e uma delegada perante um constrangimento desta ordem?

O delegado Alessandro Thiers declarou à imprensa que a adolescente precisa passar pelo exame de corpo de delito. Agora, uma semana depois? O que ele pretende encontrar, que tipo de vestígios, fora as imagens e depoimentos?

O delegado e seus superiores se arrastam para fingir que cumprem a legislação. Em 2009, o Código Penal foi alterado, e atos libidinosos - além da conjunção carnal - passaram a ser considerados crimes de estupro. A lei é semelhante a dos Estados Unidos que, diferentemente, chama de relação sexual não consentida.

O caso do Rio de Janeiro engordou a lista de histórias que percorrem o mundo. E, em todas elas, prevalece o espírito masculino de dominação, manifestado no constrangimento criado pelas autoridades policiais, simpáticos com os agressores e desconfiados da vítima.

Afinal, ela pode ter inventado tudo. No Brasil, não existem dados sobre isso. Sabemos que apenas 35% dos casos são reportados às delegacias. Mas os Estados Unidos têm: somente 1,8% das acusações de crime sexual foram inventados pelas supostas vítimas, quase sempre para esconder traições.

Eu me pergunto: esconder traição com 30 homens? Só a falta de humanidade para crer nesta hipótese.

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