sábado, 14 de maio de 2016

Decepção e medo


Marcus Vinicius Batista

Este texto, aviso logo, não é uma análise política, que busca racionalizar e ponderar sobre o momento do país. Este texto é um depoimento, uma forma de colocar para fora angústias e ansiedades da única forma que sei fazer. O motivo para escrevê-lo é perceber, por todos os lados, que estamos diante de um cenário cinzento com poucas chances de mudança. O cerco é de gente com roupas e cabeças velhas, praguejando mais do mesmo.

Um vizinho, há poucos dias, perdeu o emprego. Sujeito competente, com 20 anos de experiência em grandes empresas. Havia perdido outra vaga no começo do ano e se recolocado menos de 15 dias depois. Julgava-se com certa proteção, olhando a instabilidade do lá de cá do muro. Agora, a esposa dele se pergunta como pagarão as contas, quanto tempo ele levará para conseguir trabalhar novamente.

Esta manhã, soube que outro amigo também perdeu o emprego. Mais de 50 anos, uma filha adolescente. A família não tem reservas financeiras para dois meses. Outro amigo, bem mais próximo, está em vias de perder um de seus três trabalhos. Trabalha todos os finais de semana para amenizar o impacto do dinheiro que se espreme mensalmente. As contas vão bater na porta com mais força. Dois filhos adolescentes.

Eu tenho dois empregos, fora um terceiro trabalho eventual. Compreendo claramente que são os caminhos que a classe média encontrou para dar conta do tranco, vivendo em uma cidade-fantasia como Santos. É a saída para sofrer menos. Aqui, muitos fingem sorrir nos jardins da praia, pregam estabilidade financeira no shopping, enquanto passam de segunda à sexta negociando com credores, chorando crédito bancário ou saltitando de um cartão para outro.

Vejo a crise dormindo ao lado da cama, mas não no debate insosso de quem grita mais alto. Vejo a crise na padaria da esquina, na feira livre aos sábados, no supermercado para as compras do mês que duram 15 dias. Vejo a crise na permanência maior dentro de casa - sair resulta quase sempre em gastos. Vejo a crise nos olhos da minha mulher, Beth, e nas contas feitas e refeitas quase que diariamente.

A crise não se alimenta somente da baboseira política. Ela mora no preço do limão que custa R$ 2 hoje, R$ 4 amanhã e R$ 6 depois de amanhã, para depois voltar a R$ 3 como se fosse promoção. A crise está no preço da dúzia de ovos - um dia comer pão com ovo foi sinal de má condição financeira -, que pula de R$ 3 para R$ 6 em uma semana. A promoção fala em R$ 5.

A crise se esconde no fedor do cheiro do peixe, que pagamos R$ 24 o quilo para levar seis filés para casa. Na cebola que faz chorar no mercado, do tomate que frequenta minha cozinha se revezando com a cenoura. No frango e na linguiça, amigos de duas, três vezes por semana, porque a carne bovina viajou sem dizer quando retorna.

Estou cansado desses sujeitos que ficam se alimentando de um debate estéril, daquelas conversinhas em ambiente de trabalho cujo exercício matinal é falar mal do PT como a origem, o fim e o meio de todos os males. Cansa a má fé de quem pouco se interessa com o mundo além do umbigo e acha que política se resume a ganhar a conversa. O PT, caros amigos, é culpado sim, mas tem muitos cúmplices, muitos deles que vocês passam a mão na cabeça como heróis da semana.

Minha cidade está cara demais. Meu bairro ficou caro demais. Sinto que, enquanto todos reclamam das abstrações de Brasília, poucos realmente se movem para que nossos microcosmos fiquem melhores. A receita é entupir o ouvido do vizinho com panelas batendo e, ao mesmo tempo, ligar o foda-se para ele. Prevalece a gritaria real ou virtual, na qual se defende o novo governo para, no fundo, reforçar a desgastada batalha mental sobre o PT. Chato, chato!

A cada vez que tento analisar este novo (velho) governo, fico ainda mais temeroso - foda-se o trocadilho ruim. Meus três trabalhos resultam em quase 50% da minha renda com impostos, e ouço o novo ministro da Fazenda falar em mais tributação. A ressurreição da CPMF. A Receita Federal, sentada na autoimagem de santa, toma cada vez mais dinheiro para cobrir as vistas grossas dos vagabundos que abrem mais empresas de fachada, colocam bens roubados de mim e de outros em nome da mulher, da amante, do filho, do cachorro.

Sinto decepção quando vejo muitos amigos de classe média, felizinhos com o novo governo, sem perceber que a conta ficará mais cara. Que é a mesma turma que fortaleceu a carga de impostos que quase torna a vida impossível no Brasil. Só para vencer a discussão na pelada de final de semana.

A decepção se cristaliza quando noto a justificativa dessa nova gangue no poder porque a gangue anterior saiu pelos fundos. Só que a nova gangue dará continuidade a relação amorosa com o sistema bancário, de juros extorsivos, que impedem qualquer pessoa de avançar ou de empreender (para usar uma palavra modinha). Meus amigos empreendedores de verdade têm permanente expressão de preocupação porque poderiam estar melhor depois de tanta energia e dedicação investidas.

Não tenho empréstimos e pouco sofro com o cheque especial, mas testemunho todos os dias amigos rebolando como dançarina de axé para equilibrar o caixa em casa. Um crime cometido impunemente por bancos e seus gerentes sorridentes - estes apavorados em perder o emprego e escravos das metas -, por todos os governos desde a redemocratização. E tenho o desprazer de testemunhar gente defendendo o novo presidente, sujeito que nada em lama como se fosse piscina olímpica.

Estamos, eu e minha mulher Beth, a apostar numa mudança. Mudança pessoal, com anos de duração. Como jogar fichas no futuro sem não enxergamos o logo ali? Ela, ao ver o noticiário ou ler minhas análises, se irrita. Camufla o medo. Eu escrevo também para domesticar este sentimento, pois sei que está sentado ao meu lado neste instante.

Não temos luz ou mudanças substanciais no horizonte. Estamos de joelhos - não tenho misericórdia por aqueles que o fazem em sã consciência porque desejam ganhar a conversinha do boteco ou no Facebook.

O PT saiu do governo porque meteu os pés pelas mãos, seja na economia - o motivo real -, seja pela corrupção (a mensagem oficial). Mas isso não significa que fomos inteligentes na troca de uma quadrilha por outra. Trocamos o projeto de poder, não a forma de conduzir a economia, com cheiro de convencional e sem ousadia, nas primeiras palavras, nas inúmeras promessas. A inércia das ruas e o silêncio das panelas indicam, em tom crescente, que a corrupção não representava exatamente o problema. Para os decentes, sim. Para os hipócritas ...

Temo por meus amigos que sofrem com a vida mais difícil. Temo pelos próximos meses da vida aqui em casa, como se estivéssemos no escuro, como crianças que esperam o bicho papão bater na porta. Não há perspectivas positivas, há jogos de ilusões. No meio do caminho, um bando de idiotas preocupados em defender turma A ou B para dar a última palavra. Isso não é política, é servidão por analfabetismo.

Este texto é meu remédio para respirar melhor. É minha honestidade intelectual diante do que desconheço, diante de um futuro a curto prazo que me faz perder o sono, me silenciar com as pessoas próximas. Para não arriar, escrevo!


Um comentário:

  1. Bom, na minha forma de ver e como acompanhei os acontecimentos aqui em Bsb, as declarações a seguir são fatos reais, acredito pertinente ponderar: “Nós, há 15 meses aproximadamente, sofremos toda sorte de sabotagem na tentativa de governar”, afirmou.

    “Estávamos enfrentando uma crise e precisávamos de tomar medidas que deviam ser aprovadas pelo Congresso. Sistematicamente, todas as saídas propostas no sentido de sair da crise foram ou invalidadas, bloqueadas, ou aceitas só parcialmente.”

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