quinta-feira, 19 de maio de 2016

Os donos do Congresso




Marcus Vinicius Batista

A história começa assim: política se faz em casa, em família. O político novato herda os contatos do pai, que exerceu algum mandato na vida e, mesmo sem o poder do voto, segue influente no curral. O filho, porque política é coisa pra homem, sobe os degraus a passos de quatro anos.

O primeiro passo pode ser a vereança ou até a prefeitura de uma cidade pequena. Ali, aprenderá como domesticar os aliados e açoitar a oposição, como controlar o Poder Legislativo com o troca-troca de privilégios. Saberá também como fatiar secretarias e departamentos, como destinar aos amigos o poder do segundo escalão, aquele que fica mais perto do dinheiro. Felicidade geral e irrestrita.

O conhecimento sobre o Poder Legislativo é vital, pois o político em formação precisa compreender que os degraus acima, para a maioria, são os parlamentos. Uma década, 12 anos depois aproximadamente, o sujeito chegará à Assembleia estadual. Reforça seus conceitos e práticas, saltará de partidos conforme os ventos políticos e sonhará com o paraíso, a Câmara Federal.

Nos últimos acordes do sino das urnas, o político em ascensão trocará de partido, seja para integrar uma bancada mais rígida, da bala, da Bíblia ou das duas coisas, e se encostará em um puxador de votos. Chegará à Brasília pela carona da matemática, ficará mais perto do papa-presidente e, como novato no cerrado, integrará o baixo clero. Ganhará um salário inimaginável para um emprego privado, apartamento, carro e passagens aéreas. Pra que roupa lavada, embora incluída na conta?

A Câmara Federal eleva seu poder sobre o curral, o que realmente interessa e que renovará seu destino, mais próximo dos cardeais. Além disso, a distância o protegerá das pressões locais e, mais do que isso, dos pecados cometidos, daquelas denúncias que passarão em primeira instância, mas que morrerão por influência nas gavetas, consequência da capacidade dele de se relacionar com o cardeal certo.

Ser do baixo clero não significa visibilidade. Pelo contrário, as sombras são o melhor refúgio. Na caverna, torna-se possível ficar anos na Câmara Federal sem apresentar projeto de lei algum. Marco Feliciano, Jair Bolsonaro, entre outros, sobreviveram anos a fio sem apresentar propostas. Basta o faro para polêmicas, caso deseje ficar mais famoso.

Um homem do baixo clero pode se encostar em comissões. Elas vivem de bravatas, pouco produzem, existem para travar, engavetar e reforçar a tropa de choque anti-Poder Executivo. Qualquer presidente que se preze - ou que seja um refém obediente - enviará intermediários (sinônimos de ministros ou líderes do Governo) para negociar resgates. Quem sabe até a relação não se transforme em Síndrome de Estocolmo, com a simpatia da vítima pelo agressor?

A ceia de Natal para um político do baixo clero é o orçamento. Os punhados de ração para o curral são distribuídos neste momento. Um deputado da base se alimenta politicamente das emendas parlamentares. Uns milhões para uma escola ali, outros para um hospital acolá. Nada de fiscalizar o caminho da grana, que sempre chegará mais minguada ao destino final. É só aparecer para cortar a fita da obra atrasada, suplementada em termos financeiros e sujeita a reformas em poucos meses.

Michel Temer é o refém da vez, assim como Dilma o foi. Lula soube acariciá-los. O telefone para negociações segue nas mãos de Eduardo Cunha, espírito que resiste aos feitiços institucionais. O novo líder da Câmara é André Moura, deputado sergipano do PSC. Partido, aliás, que possui somente nove dos 513 deputados federais. Nove!

André Moura, salvo ligeiras licenças poéticas, se encaixa no perfil acima. Soldado do Cunha, ele foi escolhido após a entrega de uma lista com 300 parlamentares que o apoiavam. PMDB, PSDB e DEM eram contrários, mas engoliram a seco, assim como o presidente interino. Resultado: um deputado que responde a processo por tentativa de homicídio, em segundo mandato - o segundo conquistado na base da liminar -, e inexpressivo na rotina parlamentar, é o novo líder do Governo na Câmara.

Aposto que, ao ler este texto, você pensou em outro deputado, da sua região. Pode ser! No baixo clero, as semelhanças são mais fortes do que as diferenças. O grupo na base de somos todos um só.

Nenhum comentário:

Postar um comentário