Marcus Vinicius Batista
O pacto durou mais do que se esperava. Normalmente, o diabo segue o padrão burocrático dos contratos e vem buscar a alma depois de 10 anos. No caso do PT, foram 13 anos e quatro meses. Talvez uma brincadeirinha do tinhoso com a sigla do partido.
Agora no inferno, o PT tenta curar as próprias feridas. Ficou quase duas semanas em silêncio até que o presidente Rui Falcão deu sinal verde para as críticas ao governo Temer. Uma bravata do tipo "ruim conosco, pior com eles."
O problema é que parte do novo organismo é reciclagem do corpo morto. O PT não tem mais de recolher os cacos para as eleições municipais. O partido vai se apequenar em todo o país. Aí talvez esteja o aviso para o início do tratamento, a aplicação de injeções contra a bipolaridade.
O PT precisa voltar ao século 20. À estaca zero. Isso implica em várias dosagens de remédios diferentes. A primeira delas talvez seja a mais dolorosa: encostar as velhas lideranças. Publicamente, pode ser uma saída honrosa para a turma que achou que participar do jogo significava ser o dono do tabuleiro. Será que o PT aprendeu a lição depois de 13 anos?
Frequentar a mesa das velhas oligarquias, dos velhos coronéis nunca deu margem para ser um deles. O PT quis ser como eles, em nome do palavrão governabilidade e acreditou na bajulação de quem seduz como natureza da própria existência.
As lideranças atuais enterraram o partido. Classificar o PT como esquerda é olhar pelo espelho retrovisor. A condução da economia atendeu e estendeu o governo anterior. Houve avanços nas políticas sociais, mas a política ambiental foi mais pró-concreto do que com os antecessores.
O PT se vê diante da mesma encruzilhada onde assinou o pacto com o diabo. De um lado, fantasiar-se de oposição burra, com os mesmos atores, invejosa dos privilégios que o poder dá, corrompe e toma de volta. De outro, demolir a casa para voltar às origens de alternativa real para a política brasileira. Talvez os tumores sejam grandes demais para uma remoção cirúrgica. Cuidados paliativos para uma morte confortável?
Os pessimistas falam em extinção do partido. Os otimistas - que costumam ser sinônimos de mal informados - apostam na ressurreição, com respeito aos militantes históricos. Mas muitos deles foram espirrados a partir de 2005 quando o mensalão indicou os primeiros sinais de cheiro de enxofre.
O PT não parece, na ressaca Temer, estar disposto a sangrar a própria carne. Ainda sonha, sem falar sobre isso, com o fracasso do governo interino, que seria a prova viva de que Lula retornaria como o salvador da pátria, o messias que hipnotiza as plateias com meia dúzia de palavras de ordem. Mas Lula não é o maior símbolo de quem caiu em tentação?
De tudo isso, resta a ironia que dá prazer ao diabo. Ao assinar o pacto 13 anos atrás, o PT jamais imaginaria que cederia seu lugar para o próprio comprador de sua alma.