quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

O incêndio

Morador procura por pertences - Foto: Rodrigo Montaldi/DL

Marcus Vinicius Batista

Não consigo imaginar a sensação de perder minha casa. Seria mentira se escrevesse que sou capaz de dizer: “sei como você se sente.” Não há racionalidade possível para descrever esta perda.

A casa é parte de nós. É ali que depositamos a concretização de nossos sonhos, a conquista de nossos resultados, o investimento de esforço, dedicação, resiliência, amor. A casa é um pedaço traduzível de nossa identidade.

Somos o nosso quarto. A cozinha. A sala. O cômodo único, que abriga objetos, presentes, a história em cada uma das páginas adormecidas numa prateleira. A casa, mesmo quando é provisória, representa a motivação viva para nos tirar dali. Ou mexer nela. Reformá-la. Qualquer ampliação é a resposta mais imediata de que crescemos na vida, de que progredimos em alguma coisa.

É em casa onde ficam os registros de nossa biografia. Os aniversários, as reuniões, o Natal, por pior ou melhor que tenham sido, ali residem as memórias, o combustível que afirma - de forma categórica – quem somos.

Um incêndio como o do Caminho São Sebastião corrói as entranhas de quem vivia lá. As 800 pessoas viram o fogo consumir seus livros de História pessoal. A obrigação de sair do zero quando a rotina corre no negativo, das dívidas do que compraram e mal puderam usar, do patrimônio pequeno erguido com horas e horas em empregos ruins.

Um incêndio incinera de várias maneiras. O fogo é capaz de acordar outra parte da cidade, que vê a obrigação de ajudar como um posto de emergência. Doemos. Ajudemos. Colaboremos com roupas, produtos de higiene, alimentos e remédios. Sabemos que não é possível reconstruir aquelas vidas como elas eram até agora, mas podemos auxiliá-las a diminuir a dor, ainda que não possamos senti-la. Basta sabermos que machuca muito.

Um incêndio também cria oportunidades. É a chance de pensarmos, como cidade, nesta fatia da própria cidade. Por que não temos políticas públicas para aquele endereço? Por que aceitamos como natural o título de cidade com a maior favela de palafitas do Brasil? Por que jogamos fora outras chances, em outros incêndios, como Ultracargo e Vila Telma?

O momento é de lamber as feridas e socorrer as vidas que precisam de recomeço. Mas, depois do rescaldo humano, é preciso conversar sobre Santos.

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