O prefeito de São Paulo, João Doria, caiu no conto do assessor mal preparado. Ou sucumbiu à mordida da mosca azul, que inocula o vírus do poder. Ou aceitou alguma baboseira de guru corporativo, vestida de marketing pessoal.
Só pensando desta forma para digerir que um empresário experiente como ele aceite, com sorriso no rosto, a demagogia de se vestir de gari por um dia. O que o prefeito deseja provar? Proximidade com o povo? Capacidade de se sentir como seus funcionários, que recebem num mês o que ele gasta num almoço?
Os políticos brasileiros costumam incluir no protocolo de estreia uma festa à fantasia. Vivenciar o problema alheio, muitas vezes crônico e de solução a longo prazo, poderia representar o primeiro passo de uma nova administração. A demarcação hipócrita de território perde a magia assim que começa. E olha que acaba mais rápido do que os quadros “...por um dia”, exibidos na TV.
Prefeitos adoram, por exemplo, transferir gabinetes, como se mudar de endereço os permitisse “sentir” melhor um cenário que qualquer eleitor conhece na pele. Esta mediunidade política normalmente resulta em promessas recicladas, programas velhos e obsoletos com novo sobrenome e paralisia depois que a poeira baixa e a imprensa vai embora.
Prefeitos decidem trabalhar em hospitais como se não soubessem que faltam remédios, consultas levam meses, médicos abusam nas ausências, entre outros sofrimentos tradicionais. Políticos não precisam frequentar hospitais que nunca usariam. A caneta e a competência têm o mesmo valor em qualquer sala com ar-condicionado.
O prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa, assim que assumiu o governo, há quatro anos, resolveu andar de ônibus. Chegou às seis horas da manhã, na Zona Noroeste, para conferir as dificuldades dos passageiros em transitar pela cidade. A tal da mobilidade urbana. Feliz ideia de quem o alertou que não precisava repetir a encenação. Quatro anos depois, os problemas nos ônibus da única empresa operadora seguem os mesmos itinerários. Só que com wi-fi e ar-condicionado para algumas linhas.
Verdade seja dita que tomar transporte coletivo não é exclusividade dos tucanos. Marta Suplicy, entre outros petistas do passado e do presente, também gostava de se exibir no metrô em horário do rush. Passageiros que esperassem um pouco mais e dessem lugar à corte da então candidata/prefeita.
João Doria se enfeitou de gari para fantasiar uma nova cidade vestida de demagogia. Um novo figurino que o coloca na tradição política que inclui pastel na feira, refeição de arroz e feijão no Bom Prato, sinal da cruz em missa, joelhos ao solo e mãos aos céus em cultos, pontapé inicial em partida de futebol.
Na política, ser gari por um dia (ou poucas horas) é a antecipação do Carnaval, onde o pierrô que lacrimeja somos nós.
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Uma observação: no dia 6 de janeiro de 2007, publiquei meu primeiro texto no jornal Boqnews. Dez anos e 403 colunas depois, tenho que agradecer aos meus colegas de redação, editores e leitores por acompanharem meus escritos. É com orgulho que digo: muito obrigado!
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