terça-feira, 13 de agosto de 2013

Quem matou Ricardo?



O medo e a indignação uniram estudantes e professores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Muitos vestidos de preto, eles saíram em passeata na última sexta-feira, em protesto contra a morte de Ricardo Ferreira Gama, de 30 anos. 

Ricardo foi executado com oito tiros na madrugada de 2 de agosto, na porta de casa, na rua Silva Jardim, na Vila Mathias, em Santos. Os assassinos eram, segundo testemunhas, quatro homens, em duas motos. Ele trabalhava como auxiliar de limpeza na Unifesp, que fica na mesma rua.

Ricardo foi abordado por policiais militares quando estava em frente ao campus, dois dias antes da execução. Muitos alunos faziam imagens dos PMs. Segundo os estudantes que testemunharam a abordagem, um dos policiais xingou Ricardo, que devolveu a ofensa e, por conta disso, passou a ser agredido pelos PMs.

O problema é que os estudantes registraram a agressão com seus celulares. Como Ricardo acabou na viatura, muitos universitários resolveram segui-lo, inclusive por medo da repetição do caso Amarildo, pedreiro que foi detido por PMs no Rio de Janeiro e desapareceu, em 14 de julho.

Os universitários peregrinaram por dois distritos policiais até encontrarem os PMs na Santa Casa de Santos. Ricardo teria sido liberado por negar a agressão. Em 1º de agosto, Ricardo pediu que os estudantes saíssem da história porque havia sido ameaçado em casa.

O abuso de poder teria outros desdobramentos. Sem identificação, pessoas entraram na universidade para pedir as imagens do dia 31 de julho. E novas ameaças foram feitas contra universitários.

Depois da morte de Ricardo, muitos universitários estão apavorados. Um deles, cujo nome não pode ser revelado por razões óbvias, passou a dormir na casa de uma professora. Ele foi ameaçado de morte. Outros estudantes evitam se identificar em entrevistas ou nas redes sociais pelo mesmo motivo. Temem ser perseguidos quando estiverem sozinhos.

A Polícia Civil não viu ou ouviu nada. Em entrevista ao repórter Bruno Lima, de A Tribuna, o delegado-titular do 4º DP, Rubens Nunes Paes, disse que “desconhece as agressões físicas e as ameaças feitas pelos PMs”. A morte de Ricardo vai engrossar a estatística de casos não resolvidos? De cada dez assassinatos no Estado de São Paulo, nove não tem solução.

Já a Polícia Militar se apoia na velha tática de desqualificar a vítima. Para a PM, Ricardo estaria envolvido em tráfico de drogas. A resposta oficial toma como base o relato de policiais, que teriam atendido denúncia de tráfico na rua Silva Jardim, perto da casa da vítima. Como se não houvesse várias bocas de fumo no bairro, um dos mais pobres da cidade. Além disso, o comando da PM abriu investigação preliminar, já concluída por falta de provas contra os policiais que abordaram Ricardo.

Até quando a Polícia Militar vai resolver com velocidade espantosa as suspeitas que envolvem seus membros? A corporação vai aceitar as acusações de que existem, entre seus membros, bandidos de farda, sujeitos que mancham a roupa que vestem?

Ricardo possuía quatro passagens pela polícia, duas por tráfico e duas por receptação. Vizinhos e colegas da universidade dizem que o auxiliar de limpeza tinha mudado de comportamento. Isso teria incomodado, inclusive, policiais corruptos que recebiam presentes.

Pela lógica da execução, o passado assegurava o direito à aplicação de sentença de morte. Até quando a PM vai conviver, como se não fosse com ela, com as denúncias de atos de grupos de extermínio, que julgam, condenam e executam em seus tribunais da informalidade? Ou a ordem é aceitar, como lei do cão, que toda sociedade seja obrigada a ter seus Amarildos e Ricardos?

Obs.: Assista ao vídeo que mostra Ricardo dentro da viatura da PM. 

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