sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O frio dos invisíveis


O frio colocou a população de rua novamente na pauta política. O tema, invisível no cotidiano social e ignorado em campanhas eleitorais, reapareceu com o anúncio do acordo entre a Prefeitura de Santos e a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), ligada à Universidade de São Paulo. 

Pelo contrato, a Fipe vai produzir – a partir de setembro – um censo sobre o número de moradores de rua na cidade. O serviço vai custar R$ 221 mil aos cofres públicos municipais. Não é a primeira vez que a administração municipal tateia um problema que finge acompanhar nos últimos 10 anos.

O censo é um passo, mas a política que o cerca provoca algumas dúvidas. A Prefeitura sabia, por exemplo, que a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sediada em Santos e com cursos nas áreas de Psicologia e Serviço Social, está produzindo uma pesquisa sobre a população de rua?

As informações estão no site da instituição, o assunto saiu na imprensa local, e servidores municipais se encontraram com professores e estudantes da universidade este ano. A promessa é que os resultados sejam divulgados em agosto, antes mesmo do início dos trabalhos da Fipe.

A Secretaria de Assistência Social estimava, há cerca de duas semanas, mil pessoas na rua. Basta andar pela cidade, dos bairros nobres da orla aos menos abastados, para constatar a grande quantidade de gente morando embaixo de marquises, perto de armazéns e nas calçadas.

Na primeira gestão de João Paulo Tavares Papa, a Prefeitura falava em 300 moradores de rua. O limite dos abrigos era de 150 vagas. Na segunda gestão, o número de gente desabrigada dobrou. O número nos abrigos permaneceu igual; aliás, o mesmo até agora.

O atual prefeito esperou sete meses para anunciar as medidas, exatamente no período mais frio do ano. Por que não se baseou na fábula da formiga e da cigarra e acelerou no verão? Se pensarmos que o censo começará em setembro, o trabalho será concluído somente no início de 2014. As dores do frio de hoje, de amanhã e da próxima semana vão aguardar?

A Fipe deverá descobrir o que assistentes sociais, psicólogos e operadores sociais comentam nos corredores da Prefeitura depois de ouvir no atendimento nas ruas. Parte desta população marginalizada tem origem em outras cidades da região, e muitos vieram de São Paulo.

Santos vai cobrar que as cidades vizinhas assumam responsabilidades? Haverá a implantação de políticas públicas metropolitanas? Até agora, a agência-cabide só gastou saliva, sorrisos e cafezinho. A Região Metropolitana ainda é um nome bonito para os jornais e a classe política.

De concreto, a Prefeitura inaugurou um centro de acolhimento para os moradores de rua, visando atendimento diurno. O imóvel pertence ao Albergue Noturno e fica na rua Conselheiro Saraiva, na Vila Nova. O aluguel custa R$ 3 mil por mês. Havia a necessidade urgente de um espaço com estes objetivos.

No entanto, o centro de acolhimento levanta outra dificuldade. E a mão-de-obra especializada para atender os moradores? Os espaços de assistência social operam no limite da capacidade. O orçamento da pasta não permite voos substanciais. Em abrigos noturnos, é comum apenas dois funcionários para cuidar de até 30 pessoas, muitas delas dependentes químicos.

A impressão é que o pacote reproduz o velho método de política de Governo, que – por conveniência – deixa no canto o passado e não projeta a longo prazo. Isso sem falar na necessidade de contexto, que inclui diálogo com demais áreas da Prefeitura, para que o morador deixe em definitivo sua condição de miserabilidade.

Se isso acontecer, teremos política pública, que ultrapassa a validade de quatro anos. Até porque, para quem utiliza uma marquise como teto do quarto sem portas e janelas, as noites têm sido longas demais.

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