quinta-feira, 29 de agosto de 2013

À espera de um milagre

Ponte Santos-Guarujá: eis o mistério da fé!

“Ponte ligando Santos e Guarujá sai esse ano”. A manchete circulou nas redes sociais esta semana. Logo abaixo do título, vinha a informação: “Em entrevista à Rádio local, secretário de obras garante: ‘É sério, desta vez fica pronta’”. O assunto é atual, no gargarejo da política. Mas a manchete é do extinto Jornal da Baixada, datada de 17 de agosto de 1973. Ainda que seja uma piada, uma brincadeira de Facebook, a manchete simboliza como a Baixada Santista adora reciclar velhas fantasias. 

As histórias da carochinha nascem como placebo contra a ausência de projetos concretos ou políticas públicas. Os contos de fadas são pontuais, pois podem ser trocados por outros na semana seguinte. Basta que a classe política se sinta pressionada em mostrar serviço. Ou melhor, encenar.

Infelizmente, uma parcela da imprensa contribui com a lenda ao comprar, mastigar, engolir e digerir sem dor as falácias dos contadores de histórias. A inexistência de crítica auxilia na construção da imagem da terra que sempre espera pela obra que mudará, definitivamente, seu destino. É como se muitos jornalistas aceitassem sem pensar – e assinassem embaixo – a megalomania dos governantes e seus plantadores de ficção.

Nesta semana, no mundo (ir)real, duas manchetes representaram a ressurreição de antigos cadáveres. A primeira se referia à emancipação do distrito de Vicente de Carvalho, em Guarujá. A história renasceu depois de debates dentro da Câmara Municipal, por conta de um grupo de moradores que resolveu recolher assinaturas dos eleitores.

Na prática, o que há de concreto, além de conversas de plenário? Quem são estes moradores? Vicente de Carvalho tem estrutura para ser cidade? Quanto seria a perda de Guarujá? Na hipótese de se conseguir 20 mil assinaturas de eleitores, o processo navegaria por um ano na burocracia da Assembleia Legislativa e na devolução à comunidade local.

Outra história de cavaleiros e dragões é a exploração comercial do Caminho do Mar, a antiga Estrada Velha. De tempos em tempos, o Governo do Estado renova esta promessa. Desta vez, jura ter criado uma comissão. Quem conhece política sabe o quanto uma comissão pode ser sinônima de andamento paquidérmico de um projeto.

Para sair da inércia, o Governo do Estado contaria com o suporte da Agência Metropolitana da Baixada Santista, especializada em vender a imagem de região interligada entre os nove municípios. A interligação que ocorre em reuniões com café da manhã sofisticado, dança das cadeiras entre prefeitos e muitos sorrisos. É a benção da metropolização, sem data para a vida real.

Nos últimos 20 anos, todas as cidades da região tiraram do armário monstros que prometiam o milagre do desenvolvimento econômico. Cubatão teria um Ceasa. Guarujá seria sede do aeroporto metropolitano. Praia Grande também criou sua própria versão da piada aérea. Peruíbe teria um porto à la Eike Batista. Itanhaém receberia o Parque da Xuxa, garantia de turismo além do sol e da praia.

De todas essas, a que mais se aproximou da realidade foi a Ponte Santos-Guarujá, que ganhou uma maquete em meio século. A obra em miniatura foi inaugurada pelo então candidato à presidência José Serra. Depois de eleito, Geraldo Alckmin – também diplomado no lançamento de projetos natimortos – enterrou a ideia. Talvez estivesse envergonhado, pois até a ficção e a fantasia têm limites para a crença.

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