sexta-feira, 4 de agosto de 2017

DNA inglês, modelo brasileño

O escritor John Mills, ao lado do busto de Charles Miller
Fotos: Marcos Piffer

Marcus Vinicius Batista


Quando chegou ao trabalho, John Mills viu repousar em sua mesa um calendário da Pirelli, famoso pelas 12 mulheres bonitas que enfeitavam e seduziam os homens a cada mês do ano. Naquele ano de 1969, no entanto, o calendário trazia a história do futebol, por causa da Copa do Mundo no México, no ano seguinte.

Entre os jogadores-modelos, um sujeito de bigode comprido, chamado Charles Miller. Para nós, brasileiros, o pai do futebol por estas terras. Para John, o começo de um relacionamento com o personagem que o acompanha por 45 anos.

O fascínio por Miller o levou a escrever a principal biografia sobre o homem que trouxe o futebol ao Brasil. As pesquisas renderam um primeiro livro chamado "Charles William Miller - 1894/1994", que contava a história dele, mas mesclada com a trajetória do São Paulo Athletic Club (SPAC), que reúne a colônia inglesa na capital paulista.

Após o primeiro livro, publicado em 1996, John Mills resolveu se aprofundar nas pesquisas até concluir "Charles Miller: o pai do futebol brasileiro", editado pela Panda Books e hoje esgotado.

John chegou ao Brasil em 1967, aos 29 anos. Veio com um contrato de quatro anos de trabalho. O país era atraente para estrangeiros por conta do chamado milagre econômico. Politicamente, a ditadura se preparava para os anos de chumbo, entre 1968 e 1974, com medidas que incluiriam o Ato Institucional nº 5, com suspensão de todos os direitos civis.

John nunca mais saiu do Brasil, a não ser em férias. Chegou solteiro, conheceu Mônica numa festa do SPAC, casou-se com ela em 1972 e teve três filhos: Lawrence, Robert e Charles. Hoje, são sete netos, cinco meninas e dois meninos.

John Mills é um sujeito predestinado a lutar contra o acaso. A história dele tem tantas coincidências que beiram o inesperado. Ou seria um daqueles apaixonados por futebol, que conectam os acontecimentos da vida às metáforas do esporte?

A conversa com John Mills aconteceu na ante-sala da biblioteca do SPAC, um ambiente com paredes de madeira e móveis de estilo clássico. A 10 metros dali, fica a sala de troféus, inclusive com fotos das primeiras equipes, no início do século 20, de rugby, críquete - hoje não mais praticado no clube - e futebol. O bigode de Charles Miller permite a rápida identificação dele nas imagens do time. O xodó é o troféu de tricampeão paulista, de 1902 a 1904.

Na entrevista abaixo, John Mills, que fala um português corretíssimo, mas com sotaque britânico, sempre volta na palavra coincidência, seja para falar da presença inglesa no Brasil, do futebol e das relações entre ele, o esporte e Charles Miller.

Como preliminar, duas das coincidências, pois outras surgirão ao longo da entrevista: 1) Charles Miller, quando morava na Inglaterra, enfrentou duas vezes o então temido Corinthian Casuals (sem s). John Mills é membro honorário do clube inglês; 2) No Brasil, foi Miller quem sugeriu o nome do alfaiate Miguel Bataglia como primeiro presidente do Corinthians, time de coração de John Mills.

Guaiaó: O senhor, biógrafo de Charles Miller, concorda com a tese de que ele e o futebol estão dentro de um processo maior de influência inglesa no Brasil?

John Mills: Sim, sim, sim. Todo esse caminho começou com a Revolução Industrial e Dom João VI, que chegou em 1808. Ele abriu os portos para os ingleses em troca do transporte da corte para o Brasil. Tinha que ter trade, tinha que ter comércio. Os ingleses não eram comerciantes. Comerciante é dono de loja. Os ingleses já eram negociantes, trades, com suas colônias. Era um país marítimo. Os ingleses queriam café, açúcar, milho, tudo o que a terra dava. Foi o caminho natural. Vieram, então, os bancos, os comerciantes, os corretores de café, em Santos.

Guaiaó: E os ingleses dominavam a tecnologia de transportes?

John Mills:
Precisava trazer a matéria-prima do interior do Brasil. E os ingleses já tinham experiência em ferrovias, no século 18, e depois nos Estados Unidos. Fizeram a ferrovia D.Leopoldina, no Rio de Janeiro, que D.Pedro II inaugurou e depois veio a de São Paulo, construída pelo Visconde de Mauá. Aí começaram a chegar os ingleses para trabalhar na ferrovia, e o pai de Charles Miller era um dos funcionários. E depois vem o casamento com Carlota Alexandrina Fox, ligada à família Rudge Ramos.

Guaiaó: Como era essa relação com a família Rudge Ramos?

John Mills:
O lado materno da família era Fox-Rudge. Os avós maternos eram Henry Fox e Harriett Mathilda Rudge Fox. Charles nasceu na chácara dos avós maternos.

Guaiaó: A influência inglesa se estende à energia elétrica.

John Mills:
Isso mesmo, a luz. A Light vem pelo Canadá, mas é também britânica. A companhia de gás, que veio fazer a iluminação de São Paulo. Tanto que o primeiro jogo, de 1895, organizado por Miller, envolveu a São Paulo Railway e a companhia de gás.

Guaiaó: A influência inglesa também se estendeu, claro, aos esportes. Surgiram muitos clubes. Qual é o contexto para o nascimento do São Paulo Athletic Club e, dez anos depois, do Santos Athletic Club (Clube dos Ingleses)?

John Mills:
Todos os ingleses que viajavam pelo mundo precisavam fazer seus esportes. Na escola, na Inglaterra, o esporte está no currículo. É obrigatório. A maioria das escolas tinha o rugby, o críquete ou futebol como esporte prioritário. Os ingleses, quando viajavam, levavam seus equipamentos de esportes. A criação de clubes foi natural. Aqui, antes da sede, o pessoal jogava críquete lá no Bom Retiro, perto da Estação da Luz, e numa chácara do tio do Miller, também no Bom Retiro, entre 1894 e 1899. Depois, com a sede, tínhamos campo de futebol, críquete e rugby. O primeiro jogo do primeiro campeonato paulista de futebol foi aqui, na sede.

John Mills, na sede do São Paulo Athletic Club,
primeiro campeão paulista de futebol

Guaiaó: No caso do Clube dos Ingleses, era o pessoal do café.

John Mills:
Sim. Depois, eu soube que Charles tinha três irmãos. Dois deles, Andrew e Willian, ficaram em Santos. Willian, inclusive, casou-se com uma descendente dos Andradas e Silva. Andrew foi um dos fundadores do clube. Um dos tios, Henry, também morava em Santos e foi sócio do Clube dos Ingleses. A primeira vez que estive lá foi em 1968. Todo sábado, tinha festa das nove da noite às três da manhã. Íamos e voltávamos de Fusca. Lembro-me dos jantares e das festas.

Guaiaó: Quais são os legados ingleses, em São Paulo e em Santos?

John Mills:
Hoje está meio perdido no tempo e no espaço. Mas sempre foram os compromissos, a disciplina, as tradições. Isso manteve os clubes até hoje. Mas como tudo na vida muda ... Antigamente, quando cheguei, 60% dos sócios do SPAC eram britânicos. Agora, não há mais novos sócios britânicos. Antes, tinham funcionários da GM americana, bancos e outras empresas inglesas. Tinha muito intercâmbio de representações comerciais. E os ingleses sempre vem pensando em jogar algum esporte. Hoje, ainda é um oásis para nós. Não há dinheiro que pague um domingo à tarde no clube.

Guaiaó: Fora esse legado comportamental, onde está a presença inglesa hoje, no espaço urbano?

John Mills:
Está na Estação da Luz (risos). Ainda temos o espaço do clube. Lota nos finais de semana. Há a escola inglesa, no Jardim Paulistano. Não há grande presença inglesa. O chá da cinco, no clube, pouco a pouco está morrendo. Até os pratos ingleses estão sumindo dos cardápios. Sobraram os pubs. A tradição britânica está se perdendo. É a vida. Em Santos, há o comércio do café e a empresa Metalock, que faz reparos em navios.

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John Mills mantém a pontualidade britânica em todos os compromissos. Veste-se como um lorde, mesmo que seja a casualidade de uma camiseta pólo e uma calça. Mas sua vida é marcada por três culturas diferentes. A família é origem londrina, mas o pai residiu na Espanha e no Peru. John nasceu em Vigo, no período da ditadura de Francisco Franco, que governou a Espanha de 1936 a 1975, quando faleceu.

A mãe, Dolores, era basca e de posição política contrária ao fascismo de Franco. A família fugiu de uma ditadura, e John acabou em outra, a brasileira, em 1967.

Guaiaó: Como nasceu essa relação de uma família inglesa com a Espanha?
John Mills: Meu avô paterno, Alfred Mills, saiu da Inglaterra para trabalhar com telégrafos em Bilbao, no país basco, no norte da Espanha. Havia estações de telégrafos em diversos lugares, Hong Kong, Santos, Buenos Aires, Valência, normalmente perto do mar, por causa dos cabos submarinos. Foi em 1896 para ficar a vida toda. Ele deve ter jogado futebol na Inglaterra porque, quando chegou em Bilbao, levou a semente e começou a jogar bola. Decidiram fundar um clube, o Atlético de Bilbao. Ele foi sócio e diretor. Meu pai, John, nasceu em Bilbao e também foi trabalhar em telégrafo. Meu pai era Juanito, para os amigos. Eu nunca fui Johnny. Sempre John.

Guaiaó: O que aconteceu? Como você foi viver no Peru, durante a Segunda Guerra Mundial?
John Mills: Em 1937, Franco invadiu o país basco. Não havia exército no país basco. Minha mãe Dolores era basca 3 mil por cento. Ela era anti-Franco e tudo mais. Não conseguiram parar Franco. Meu pai tinha passaporte inglês, os ingleses tiveram que deixar o escritório em Bilbao, e todos nós saímos num navio inglês para irmos à França. De lá, meu pai foi mandado de volta para Vigo, que era o único lugar onde o governo espanhol permitia o cabo submarino, para manter a comunicação com o mundo. Eu nasci em Vigo por acidente, em 1938. Dois anos depois, voltamos para Londres. Por causa dos bombardeios, em 1941, meu pai foi mandado para a Escócia, para pegar um navio para o Peru. Saímos em outubro de 1941 e chegamos no Peru em maio de 1942. 

John Mills, um homem de muitas bandeiras e culturas

Guaiaó: Sete meses?

John Mills:
Saímos de comboio, de Glasgow à Nova Iorque. O comboio também tinha petroleiros, que foram atacados pelos alemães. Tivemos que voltar e sair outra vez. Quando chegamos em Nova Iorque, pegamos outro navio para o Chile e aí chegamos no Peru. Estudei na escola britânica, em Lima, e depois me pai me mandou para o internato, em 1952.

Guaiaó: Como o senhor veio parar no Brasil?

John Mills:
Meu primeiro emprego foi na Goodyear. Depois, passei para a Atlantis, uma multinacional com filiais na América Latina. Estudei Administração em Lima. Mas não trabalhava em marketing ainda. Eu era vice-gerente de uma fábrica de produtos de limpeza, como o Poliflor. Aí, me ofereceram um estágio de quatro anos no Brasil porque o mercado era maior, mas similar.

Guaiaó: Como o senhor se sentiu quando chegou ao Brasil?

John Mills:
Não tive medo. Não conhecia ninguém. Como viajava desde os quatro anos de idade e meu pai já tinha falecido, vim sozinho. Minha mãe e minha irmã ficaram lá. Vim para ficar quatro anos, mas pensando em voltar. Só que, em 1969, eu já estava ambientado. Frequentava o SPAC, já jogava futebol, tinha amigos aqui, quando o presidente da empresa perguntou se eu queria ficar no Brasil. Como eu falava espanhol, foi fácil aprender o português. Era minha língua mater. E eu tinha estudado latim e francês na escola.

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Aos 77 anos, John Mills está aposentado das peladas de final de semana. Parou em 2002. Lateral direito modesto, ele se orgulha de ter atuado ao lado de Didi, ex-meia do Botafogo e bi-campeão mundial pelo Brasil, em 1958 e 1962. "Era só dar a bola para ele e não atrapalhar."

A paixão pelo futebol se desenvolveu quando viveu num internato no Peru. "Depois da guerra, voltei à Inglaterra. Em 1952, voltei ao Peru para estudar, num internato. Fiquei até 1956, quando meus pais foram me buscar porque tiravam férias a cada quatro anos."

Ele torce para três clubes: o Arsenal, pelas origens londrinas; o Atlético de Bilbao, por razões familiares; e o Corinthians, por adoção quando chegou ao Brasil. "Temos que ter um time em cada país." Quando conversamos, Mills estava animado com a última vitória do Bilbao, por 3 a 1. O Atlético, que só aceita jogadores bascos ou descendentes de pais que nasceram na região, é - ao lado de Real Madrid e Barcelona - um dos três clubes que nunca caíram para a segunda divisão do Campeonato Espanhol. O clube possui oito títulos nacionais, o último em 1984.

Guaiaó: Onde nasceu sua paixão pelo futebol?

John Mills:
Nasceu na Inglaterra. No Peru, no começo, eu até assistia aos jogos, torcia para o Deportivo Municipal (clube quatro vezes campeão peruano, a última em 1950), como se fosse a Portuguesa daqui. Meu pai sempre me falava do Atlético de Bilbao, que foi supercampeão na década de 30 (metade dos títulos nacionais foram conquistados neste período). Mas na Inglaterra, o futebol só acontecia na escola, entre o Natal e a Páscoa. O resto do ano eram rugby e cricket. Nunca joguei rugby realmente, gosto apenas de assistir. Não gosto das regras atuais, agora tem muitos choques. Quando eu fiquei em internato no Peru, só assisti a um jogo da Inglaterra. Gostava de um lateral-esquerdo galês, que jogava no Chelsea.

Guaiaó: Isso tem a ver com o fato de que o senhor jogava de lateral-direito?

John Mills:
Isso foi outra coincidência. Só que eu chutava com o pé direito. No Peru, eu jogava no Lima Club. Em 1964, o Didi tinha saído do Botafogo para treinar o Sporting Cristal (clube fundado em 1956, foi campeão peruano no mesmo ano. Possui 17 títulos, o último em 2014). Ele estava proibido pela Fifa de jogar futebol no Peru porque tinha contrato com o Botafogo. Ele tinha 36 anos. Então, foi para treinar. Numa semana, o capitão do nosso time disse que vinha um pessoal para jogar. E eu já tinha visto o Brasil na Copa do Mundo, no Chile, em 1962. Vi todos os jogos. E eu também tinha visto o Botafogo e o Santos de Pelé, que excursionavam no Peru todos os anos. Vinha também o River Plate, da Argentina. Esses times eram um colírio para os olhos.

Guaiaó: E como foi jogar com o Didi?

John Mills:
Eu era lateral e ele era meia. Era só tocar a bola para ele. Não tinha o que fazer. Ele era tranquilo, sossegado. Uma maravilha. Foi só uma vez na vida.

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John Mills se tornou conhecido além dos muros da comunidade inglesa como o biógrafo de Charles Miller. São 45 anos de relacionamento com o pai do futebol no Brasil. John, inclusive, rechaça as demais teorias sobre o começo do esporte no país, seja pelos padres jesuítas no século 19, seja por Thomas Donahue, em Bangu, no Rio de Janeiro.

Nascido no bairro do Brás, Charles Miller retornou à São Paulo, em novembro de 1894, aos 20 anos, depois de dez anos de estudos no Banister Court School, em Southampton, na Inglaterra. Lá, ele era considerado uma grande promessa do futebol. Marcou 45 gols em 34 partidas. Ao chegar no Brasil, Charles desceu no Porto de Santos e tomou o trem que subiria a Serra do Mar, na ferrovia que o pai dele, o perito industrial escocês John Miller, ajudou a construir.

São Paulo fervilhava com a imigração europeia. Era uma cidade de 300 mil habitantes em rápido crescimento. A cidade passava a conhecer uma série de esportes, de pelota basca ao ciclismo, cada vez mais difundidos numa imprensa esportiva que também se desenvolvia. A capital começava a ver o nascimento de diversos clubes, muitos deles ligados às colônias de imigrantes.

Quando voltou ao Brasil, Charles Miller trouxe uma bola e um livro de regras. O primeiro jogo aconteceu em 14 de abril de 1895, na Várzea do Carmo, e reuniu amigos de Charles, todos funcionários da São Paulo Railway e praticantes de críquete, contra The Gas Work Team. O jogo terminou 4 a 2, com dois gols de Charles. Nesse tempo, ele trabalhava na empresa ferroviária, seguindo o caminho do pai. 

Taça do tricampeonato paulista
(1902-1904)
Miller foi tricampeão paulista pelo SPAC. Foi artilheiro do primeiro campeonato, em 1902, com 10 gols. Em 1904, também foi artilheiro, ao marcar nove vezes. Nos anos seguintes, ele se revezou nas posições de atacante e goleiro, além de ser árbitro em diversas partidas. O último jogo aconteceu em 1910, pelo Campeonato Paulista. No mesmo ano, porém, enfrentou o Corinthian Casuals, com derrota por 8 a 2. Miller marcou os dois gols e pendurou as chuteiras aos 36 anos.

Depois, chegou à presidência do SPAC e atuou como dirigente em várias modalidades esportivas, como rugby e tênis. Ele morreu em São Paulo, aos 79 anos, em 1953.

Guaiaó: Como o senhor "conheceu" Charles Miller?

John Mills:
O calendário da Pirelli caiu na minha mesa. Eram sempre mulheres bonitas, mas - em 1969 - ficou mais intelectual. Era sobre a história do futebol brasileiro, por causa da Copa de 70. Quando abri o calendário, vi aquele homem de bigode e eu não sabia quem era. Depois, li São Paulo Athletic Club. Pô, esse é meu clube. Nunca mais parei. Em 1973, conheci Helena, a filha dele. Ele sempre era o pai do futebol brasileiro, mas não se tinha mais nada sobre ele. E só. Se você perguntar para um garoto quem é Charles Miller, ah, é uma praça (local onde fica o Estádio do Pacaembu, "casa" do Corinthians antes da construção do Itaquerão. Outra coincidência?). Só os antigos que sabiam.

Guaiaó: E depois?

John Mills:
Comecei a coletar, coletar material. Em 1975, eu já era capitão do time de futebol e comecei a pesquisar nosso histórico contra o Niterói, antigo adversário. Pesquisei na Federação Paulista de Futebol. Li um livro sobre o primeiro campeonato paulista. Aí, eu fiz um livrinho que se chamou "Aconteceu em 1894". E comecei a guardar tudo que saía sobre o Miller. Sabia que, em 1994, faria 100 anos da chegada dele ao Brasil. A questão é que, em 1990, eu escrevi para o Southampton pedindo informações. Só recebi uma folha de sulfite com todos os jogos dele pela escola e pela seleção de Hampshire, equivalente à seleção paulista. E um jogo pelo Corinthians inglês, foi um acidente porque faltava um jogador. Em 1994, fui visitar minha mãe por 15 dias nos Estados Unidos, e assisti a um jogo da Copa do Mundo. Espanha e Suíça. Quinze dias depois da Copa, recebi uma carta de um jornalista inglês, chamado David, dizendo que havia cometido um pecado jornalístico. Como presente, me enviou uma carta de Charles Miller, escrita em 1904, sobre como havia encontrado São Paulo na volta ao Brasil. Todos os documentos sobre Miller na Banister Court School estavam na biblioteca de Southampton desde 1977, quando a escola fechou. Lá, tinha todo o histórico dele na escola, inclusive todos os jogos. Ele me mandou tudo.

Guaiaó: E as teorias de que o futebol chegou antes de Charles Miller?
John Mills: O que eu digo é ninguém inventou a bola. Os chineses chutavam crânios como bolas três mil anos atrás. Na Inglaterra, começaram a organizar a bagunça, com regras a partir de 1863. Donahue organizou uma pelada com seis jogadores de cada lado numa fábrica em Bangu. Foi só uma vez. E o Bangu foi fundado em 1904. Os padres batiam bola nas escolas, contra a parede. Não confundam alhos com bugalhos. Miller institucionalizou o futebol. Ninguém falou que não tinha bola antes. Ele trouxe o livro com as 17 regras originais.

Obs.: Texto publicado, originalmente, na revista Guaiaó, n. 10.

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