Este texto é o discurso de Colação de grau para os formandos em Jornalismo, da Universidade Católica de Santos. Quarta-feira, 1º de fevereiro de 2017.
Marcus Vinicius Batista
Como é de praxe nos discursos de colação de grau, vou citar alguém para cumprir o protocolo. Como diria Claudio Abramo, o Jornalismo é o exercício cotidiano do caráter.
Como aprendi a respeitar os mais experientes e absorver os ensinamentos dos craques, levo esta frase debaixo do braço há quase 25 anos. E, por isso, não posso - como ex-professor e colega, mentir para vocês.
Vocês entraram numa guerra de trincheiras. Para explicar, uma guerra de trincheiras é marcada pelo alto índice de mortalidade. No nosso caso, de mortalidade profissional.
Uma guerra de trincheiras é longa, exaustiva, repleta de doenças, com comida e remédios escassos, além de inimigos não previstos no roteiro, como ratos, o frio, a chuva, o desespero dos colegas.
Por outro lado, a guerra de trincheiras te ensina o valor da solidariedade, da cumplicidade do soldado que cobre sua retaguarda, da convivência de quem divide as histórias mais íntimas que sustentarão uma trajetória de lealdade, companheirismo e amor, caso consiga chegar vivo em casa.
A guerra de trincheiras te ensina a dar valor ao mínimo; um cigarro que alguém te oferece numa madrugada de frio, uma caneca de sopa após horas de tiros e resistência ao inimigo, um ombro molhado, duro e cansado, que te acolhe quando teus colegas caem ao solo e tudo acima parece desabar.
A guerra de trincheiras te dá o inimigo, mas te surpreende com a amizade eterna. Esta guerra te apresenta a morte, mas te aponta a próxima curva da vida.
O Jornalismo atual está dentro de uma trincheira. E vocês se tornaram voluntários dela. Os mais apressados batem no peito que o Jornalismo morreu. São apressados e desinformados.
O Jornalismo foi baleado. Não posso enganar vocês com palavras empolgantes, primas da falsa inspiração. Minha obrigação é dizer a vocês que o Jornalismo sangra. Sangra na trincheira, em vias de encarar o frio da madrugada e os ratos - em forma de gente - que se alimentam de nossa profissão. Que encenam fazer parte dela, enquanto agem em benefício próprio.
Como disse antes, a trincheira é também terreno da amizade, da lealdade, da cumplicidade, do amor entre as pessoas. O Jornalismo só sobreviverá a esta noite de frio se os jornalistas - também entrincheirados - resolverem socorrê-lo.
Os medicamentos estão à disposição. Uma pílula de consciência social. Uma injeção de politização. 100 gotas de cidadania. O tratamento de olhar para o outro, respeitá-lo, compreendê-lo e enxergá-lo como alguém que também atravessa o campo minado.
O Jornalismo só estancará o próprio sangue se as feridas forem costuradas. A costura é fazer Jornalismo para quem sofre com o poder, para quem é atropelado por este tanque. O Jornalismo não é para quem comanda os exércitos, é para quem se tornou vítima da frente de batalha.
Vi, ontem, 15 colegas da rádio CBN-Santos caírem de pé depois do bombardeio que fechou a emissora e selou seus empregos. Todos me olharam de cabeça erguida. Preocupados, mas dispostos e ver o sol amanhã, após mais um tiroteio na trincheira
A vocês, meus colegas jornalistas, peço que lutem. Mais do que lutar por si mesmo, falo de combater quem tentar assassinar nossa profissão. Suas armas são informação, conhecimento, preparo diário, com a disciplina de um soldado. Lutem, escrevam, argumentem e informem.
E pratiquem o exercício cotidiano do caráter. Muito obrigado!
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