sábado, 22 de junho de 2013

Tempo de desconfiar



Depois de duas semanas, os protestos em todo o país só podem nos indicar duas certezas. A primeira delas é que os políticos recuaram – ou sentiram o cheiro da oportunidade – e reduziram as tarifas de ônibus em dezenas de cidades brasileiras.

A segunda certeza aponta que as manifestações atraíram diversos grupos, muitos deles dispostos a embarcar no trem e tomar para si a paternidade de uma criança que, acima de tudo, nasceu de inseminação coletiva.

Fora isso, é fundamental desconfiarmos dos próximos capítulos de uma história em construção. Precisamos duvidar, acima de tudo, dos governantes e de suas ações. O exemplo começa pelo topo da cadeia predatória, na Presidência da República. Dilma Rousseff consultou o marqueteiro responsável pela campanha dela. Nada mais sintomático do que pensar, palavra por palavra, em mecanismos para evitar maiores arranhões no produto; aliás, Governo e sua candidata.

Devemos duvidar do discurso de Dilma, que requenta velhos trololós quando o assunto é reforma política e apoio aos protestos pelo país. Como esperar alterações sem que as alianças que sustentam o governo no Congresso Nacional sejam rompidas? Como acreditar em modificações substanciais no sistema político de tomaladacá, se dois partidos – PT e PSDB -, mais o volúvel PMDB estão atolados até a alma em acordos de governança e distribuição de cargos?

A presidente cozinhou pautas gastas como os royalties do petróleo para a educação. O Governo Federal ignorou solenemente as propostas que surgiram no Poder Legislativo. Por que resolveu discutir somente agora um plano de mobilidade urbana? Tivemos seis anos para isso por conta da Copa do Mundo e nada foi feito.

Com que desfaçatez falar em transparência de gastos públicos se somos bombardeados todas as semanas com a farra das obras do Mundial de Futebol? O custo do Estádio Mané Garrincha, por exemplo, passou de R$ 1,7 bilhão, numa cidade que mal tem um campeonato profissional. O anjo de pernas tortas, se soubesse, talvez driblasse tal homenagem.

Como acreditar em transparência quando o Gabinete de Dilma proíbe a divulgação dos gastos nas viagens presidenciais?

Precisamos colocar em xeque as razões que levam a imprensa e outras instituições e movimentos a apoiar as manifestações pelo país. No próximo ano, teremos as eleições e não devemos nos esquecer que cada passo é calculado com os olhos vidrados em outubro de 2014.

Vi, por exemplo, na minha cidade, Santos, a Prefeitura anunciar congelamento da tarifa em R$ 2,90. Inicialmente, não havia prazo definido. Depois, a informação é que o preço será mantido até março de 2014, salvo mudanças bruscas, seja lá o que signifique tal expressão.

Aproveitando a ocasião, o presidente da CET, Antônio Carlos Gonçalves, fez questão de salientar uma lista de melhorias recentes no transporte coletivo, como Internet e ar-condicionado em alguns coletivos.

É claro que o presidente da empresa, há 16 anos e meio no Governo, não colocou em discussão o monopólio da companhia de transporte, mais a falta de pontualidade, o excesso de trabalho dos motoristas e a medida controversa que proíbe o uso de dinheiro nos veículos.

Na Câmara Municipal, os vereadores resolveram criar uma Comissão Especial para investigar o transporte coletivo. Na semana passada, alguns dos parlamentares, além de tentar esvaziar a comissão, diziam que os protestos não cabiam na cidade porque não houve aumento nas linhas municipais.

Agora, os vereadores – poucos, na verdade - resolveram acompanhar de perto nas ruas. Será que entenderam o que se passava? Ou fingiram entender de olho em mais uma oportunidade? As CEVs, como são chamadas por aqui, chegam a cem em um único ano, inclusive com sobreposição de temas. Os resultados beiram a inércia, salvo uma ou outra exceção.

É a hora de se desconfiar de quem defende a ausência absoluta de partidos políticos neste processo histórico. Associar-se a partidos faz parte dos direitos humanos. Precisamos, de fato, reformulá-los, sacudir um modelo que permite mais de 30 siglas, quase todas em prol de uma minoria sanguessuga que se sustenta pela costura de alianças, pela articulação de conchavos (aliás, articular é o verbo perfeito quando não querem solucionar coisa alguma).

Os partidos indicariam, em tese, uma visão pluralista de qualquer cenário. A ausência deles nos conduziria a um olhar totalitário, de pensamento único diante do processo político. A História do século XX está recheada de exemplos, nos dois extremos. É claro que os partidos brasileiros pouco se importam com o pensamento alheio e, por isso, devem se cobrados com veemência.

Precisamos colocar os dois pés atrás com aqueles que defendem de maneira unilateral a violência. Parece-me um ato de egoísmo, de quem vira as costas para a coletividade e suas reflexões de mudança. No fundo, representam a torcida pelo caos e pelo insucesso dos governos atuais, em parte babando pelo desejo de ocupar a vaga.

A destruição de patrimônio público, incluindo serviços de transporte coletivo, soa como estupidez pelo simples fato de prejudicar justamente quem mais necessita deles no dia seguinte. E muitos destes necessitados são tratados como gado, que sonham pelo consumo e se alimentam pelas migalhas de políticas sociais com prazo de validade de quatro anos.

Os vândalos realmente acreditam que a classe política utiliza serviços públicos e o quebra-quebra serve para puni-la? Ou representa a visão ingênua de que o público é de todos e, ao mesmo tempo, de ninguém?

Não devemos engolir com facilidade certos slogans de origem publicitária. Francamente, o gigante não acordou. No máximo, abriu os olhos, mas ainda segue entubado, necessitado de injeções cavalares e contínuas de cidadania para se levantar. Ou, no mínimo, sentar-se na cama. O tratamento é longo, diante de uma enfermidade que o acometeu por cinco séculos, salvo alguns instantes de lucidez, o último deles há 21 anos.

É fundamental desconfiar de quem pensa que o movimento acabou. O segundo passo é essencial, a construção de uma pauta de reivindicações, baseada numa espinha dorsal nacional. Nacional, e não nacionalista.

Cada localidade necessita definir o que deseja de seus governantes. Os movimentos organizados devem crescer, envolver as instituições e canalizar ideias para, principalmente, definir uma agenda de cobranças públicas. No microcosmo, aparentemente é mais fácil. 

A pressão não deve cessar. A batalha mal começou. Ficou mais do que provado, com um milhão de pessoas nas ruas, que a classe política sempre soube o que deveria ser feito, mas só se mexe quando a seringa se aproxima de suas veias. Ou da urna, seja a anatômica, seja a eleitoral?

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