quarta-feira, 26 de junho de 2013

O efeito colateral



O deputado federal Marco Feliciano é muito bom no que faz. Ele não só resiste há quase quatro meses à frente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, como também mostra que sabe como poucos navegar nos intestinos da política do Congresso Nacional. E sem sujar os cabelos artificialmente alisados.

Marco Feliciano sempre foi um parlamentar de baixo clero e reage às provocações como anão de jardim, nas sombras, mordendo o osso no descanso dos cachorros grandes. O deputado paulista nunca se envolveu em questões centrais da política e da economia, assuntos que dominam as conversas entre os leões do Poder Legislativo. Sobraram para ele pautas sociais e culturais, essenciais para a sociedade brasileira em seu cotidiano, mas desimportantes e ignoradas pela Casa.

Feliciano entende com clareza as regras do purgatório. Ele não está na presidência da Comissão por seus méritos, e sim pelo que e a quem representa, para rezar um verbo da moda. O deputado pertence a um partido nanico, PSC, irrelevante para as decisões centrais da macropolítica, mas que compõe a horda de legendas sanguessugas que gravitam em torno do PT ou de quem estiver sentado na cadeira do Palácio do Planalto.

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias, infelizmente, é moeda de troca, de baixo valor no mercado das alianças. Tanto que o Partido dos Trabalhadores, tradicional controlador da comissão, abriu mão dela para um partido inexpressivo, ávido por mergulhar no pequeno poder. Os deputados, na prática, pouco se envolvem em assuntos das chamadas minorias. Uns preferem flutuar com a maré da pauta principal. Outros sequer sabem que tais problemas sociais existem.

Marco Feliciano pode ser homofóbico, intolerante e racista, mas não é um idiota. O parlamentar paulista cresceu dentro de um arco religioso tão grande quanto diverso, principalmente na região de Orlândia e Presidente Prudente, no interior de São Paulo. Nada mais distante da grande imprensa paulista, sempre focada no próprio umbigo – em outras palavras, na política da capital – e que o desconhecia até que os estragos estivessem em curso.

Pastor, conferencista e empresário, como se apresenta no site da Câmara, Feliciano teve 212 mil votos. Foi o deputado mais votado da bancada da Bíblia e o 12º dos 70 parlamentares por São Paulo. Esses números também indicam como ele tem noção exata de onde se encontra nos intestinos dos acordos políticos.

Marco Feliciano está lá porque representa, sim, muita gente. E que são cúmplices, co-responsáveis pelas sandices em uma comissão que deveria merecer mais holofotes pela relevância de sua agenda.

A esperteza do presidente da Comissão ficou clara com a aprovação do projeto que autoriza psicólogos a tratarem a homossexualidade; no rótulo, a “cura gay”. Feliciano aproveitou mais uma brecha nas lacunas da fiscalização do poder. O cochilo e o cansaço habituais de quem acompanha tantas ações ao mesmo tempo no parlamento brasileiro.

A “cura gay” passou na Comissão de Direitos Humanos e Minorias no vácuo entre bandeiras, gritos de guerra e outros movimentos dos protestos pelo país. Uma piscadela para o lado e ele deu o bote, mesmo sabendo que a proposta não seguirá adiante. Ainda faltam duas comissões, uma delas onde o deputado é mero figurante, a de Comissão e Justiça, para que a “cura gay” alcance o plenário.

Independentemente disso, Marco Feliciano já acariciou seu curral eleitoral e religioso, contou com o silêncio dos colegas de bancada da Bíblia e, na prática, ganhou o respeito e a conivência de parte da sociedade. De fato, muitas pessoas ainda compreendem a opção sexual como doença e/ou como desvio de caráter, passível de consertos comportamentais, do uso da prostituta à surra e – quem sabe? – terapia, internação e medicamentos.

As pressões populares, provavelmente, provocarão a morte por inanição do projeto da “cura gay”. O assunto voltou à vitrine dentro do pacote de protestos nas ruas, para tristeza de quem usa o registro no Conselho Federal de Psicologia para exercitar o preconceito e o desprezo pelo outro dentro de um consultório.

Mas não podemos incorrer no pecado da soberba: Marco Feliciano e a turma que abusa da fé em benefício próprio mal começaram a operar seus milagres. Eles são bons no que fazem.

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