sexta-feira, 14 de junho de 2013
As prostitutas são felizes?
Os moralistas se modernizaram. Permanecem, é claro, sentados sobre a própria imagem de superioridade, que escondem a essência de retrocesso. Caso contrário, não seriam moralistas de carteirinha.
A tática, hoje, se apoia na superficialidade de quem avança um pouco além de uma postagem na Internet. E explora a estratégia da invisibilidade do personagem que incomoda ao transformar em alvo a instituição – sem dar nome aos líderes políticos da manada. O trabalho sujo fica com os pistoleiros que usam o nome de Deus em vão e possuem mandato de quatro anos.
O tiroteio da vez envolveu a campanha do Ministério da Saúde sobre DST-Aids, que tinha como um dos pilares as prostitutas. Somos ricos em linguagem na hora de mascarar o que pensamos. Prostitutas, garotas de programa, profissionais do sexo; na prática, nomes variados para uma palavra de quatro letras que a maioria evita dizer, enquanto pensa, por causa do politicamente correto, mas que resume a própria crença no que elas são.
Assim que pousou na Internet, começou o bombardeio. O primeiro tiro de desqualificação foi a piada, aquela que gera risos nervosos. “Por que mulheres tão feias?”, perguntavam os humoristas de ocasião. “Por que não se escolheu uma loira-padrão, como as da TV?, escreveu-se em redes sociais.
Aqui começam os sinais da limpeza social. Numa primeira leitura, prostitutas deveriam, no mínimo, se encaixar nos manuais de estética. Nesta visão preconceituosa, o cartaz do Ministério não criaria o cenário ideal da propaganda. E pouco vale se há distância da realidade. Elas continuam vistas como produtos, mas não podem ser tratadas como público.
A segunda interpretação diz respeito à comparação com a TV. Sutilmente, muitas mulheres na TV são encaradas como prostitutas de luxo. Opa, garotas de programa ou acompanhantes (perdoe-me se apenas me lembrei agora de outro sinônimo).
A beleza e a burrice seriam características inerentes ao biotipo destas mulheres. Tão burras que possuem salários várias vezes maiores do que os machos que apontam seus dedos de desejo. Tão idiotas que abrem griffes e outros tipos de empresas enquanto os viris de sofá sonham com a palavra empreendedorismo, que aprenderam de maneira atravessada.
Mas as prostitutas, para os moralistas, não podem protagonizar campanhas do Ministério. Devem permanecer encarceradas no submundo das subespécies. Devem ficar entre a sombra e as luzes vermelhas para atender justamente aqueles que defendem criminalização ou invisibilidade.
A capital do Planalto Central não seria um dos grandes mercados deste “segmento da economia”? Ou nos esquecemos do escândalo que envolveu ministros, deputados e outras “autoridades” há três anos? Ou acreditamos que eles se reuniam em mansões para jogar gamão e tranca?
Os pistoleiros foram rápidos em fuzilar suas vítimas. Os deputados da bancada “meu Deus é melhor do que o seu” se mobilizaram e crucificaram o ministro Alexandre Padilha. Assim como seu colega que enterrou o kit-gay e venceu uma eleição para prefeito, Padilha temeu que a estrada para o Palácio dos Bandeirantes ruísse antes de ser pavimentada. Sacrificou um subordinado e remodelou a campanha, que perdeu o impacto sobre o problema real.
A Aids ainda é incurável. As mulheres ainda são o maior grupo de risco. A relação sexual ainda é a principal forma de transmissão. Mas pouco importa para os moralistas, muitos dos quais sorriram quando uma empregada doméstica foi atacada por jovens que pensaram ser uma prostituta. Dois por um, na verdade. A primeira inicia sem cobrar. A segunda cobra para iniciar.
Se as prostitutas são felizes? Só no cartaz do Ministério da Saúde, onde talvez pudessem reduzir o abismo que as separa da cidadania.
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