Dizer, hoje, que o Estado
brasileiro é laico soa como heresia digna de fogueira. A relação entre
política e religião perdeu os pudores como uma pecadora que resolve confessar
seus erros diante do sacerdote. As eleições viraram, em várias igrejas,
extensão do culto ou da missa, onde se discutem - sem máscaras – projetos de
poder.
Não me refiro, claro, aos passeios
que os candidatos fazem às instituições religiosas. Pedir votos sempre
representou um ato tradicional e ecumênico. É tão comum vermos os políticos
sentados na primeira fila de igrejas, templos e até terreiros quanto
presenciá-los beijando crianças e idosos em feiras livres. Na fé eleitoral, o
candidato vê o passeio como protocolo para levar à vitória, com a
complacência de quem recebe o visitante indesejado na casa de Deus.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo,
a Assembleia de Deus, por exemplo, estabeleceu como objetivo eleger um
vereador em cada uma das 5565 cidades brasileiras. A liderança da Igreja toma
como base o Censo do IBGE. No país, são 42 milhões de evangélicos, sendo 12
milhões e 300 mil da Assembleia de Deus, a maior entre as pentecostais.
Política e religião nunca se uniram
por missões altruístas, por questões públicas, no sentido literal da palavra.
O namoro é sempre permeado pela rigidez moral, sempre genérica no discurso.
Moral que esconde a intolerância dos moralistas, soldados de primeira ordem
em apontar como os outros devem se comportar socialmente.
O moralismo que contamina a relação
entre política e religião disfarça entendimento e preocupação pela coisa
pública. Por trás da retórica de português correto e de fala mansa, nasce o
olhar segregador que torna a instituição religiosa do candidato um microcosmo
essencial para os benefícios quase que exclusivos das medidas sociais.
O suporte para o projeto de poder é
a mídia eletrônica. Rádio e televisão, que antes atendiam às grandes
instituições, de várias crenças, estão disponíveis para qualquer igrejinha
que aluga um galpão ou compra uma antiga oficina mecânica. Entre os gigantes
da fé, a Igreja Mundial do Poder de Deus, liderada pelo pastor Valdomiro,
arrenda 22 horas diárias de programação televisiva na Rede 21.
O tamanho da casa de Deus não
provoca diferenças na condução da palavra. O discurso político é padronizado
e misturado à rigidez de comportamento, à batalha contra os assuntos que não
se encaixam na doutrina e ao fortalecimento da família, não apenas o núcleo
social mais básico, mas também a igreja como extensão do projeto eleitoral.
O Congresso Nacional, por exemplo,
serve como termômetro da relação íntima entre política e religião. A Frente
Parlamentar Evangélica é formada por 76 deputados federais e três senadores.
Em 2006, eram 32 deputados e quatro senadores. Dependendo da questão
envolvida, a Frente se transforma em bancada da fé, ao incluir representantes
além do protestantismo.
Na eleição presidencial, em 2010,
os parlamentares (e suas igrejas) conseguiram manter o debate medieval sobre
aborto na agenda do segundo turno. É claro que sob a ótica do moralismo
cristão, e não como política de saúde pública. Dilma e Serra caíram,
conscientes, na armadilha, o que esvaziou a discussão sobre economia,
educação e outros temas relevantes para a campanha eleitoral.
Religião sempre será uma ação política porque, quando institucionalizada,
se transforma em entidade com interesses que passam longe da pureza. E
política não é necessariamente religião, embora seja uma questão de fé.
|
|
sexta-feira, 3 de agosto de 2012
Deus, o candidato
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário