sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Deus, o candidato



Dizer, hoje, que o Estado brasileiro é laico soa como heresia digna de fogueira. A relação entre política e religião perdeu os pudores como uma pecadora que resolve confessar seus erros diante do sacerdote. As eleições viraram, em várias igrejas, extensão do culto ou da missa, onde se discutem - sem máscaras – projetos de poder.

Não me refiro, claro, aos passeios que os candidatos fazem às instituições religiosas. Pedir votos sempre representou um ato tradicional e ecumênico. É tão comum vermos os políticos sentados na primeira fila de igrejas, templos e até terreiros quanto presenciá-los beijando crianças e idosos em feiras livres. Na fé eleitoral, o candidato vê o passeio como protocolo para levar à vitória, com a complacência de quem recebe o visitante indesejado na casa de Deus.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, a Assembleia de Deus, por exemplo, estabeleceu como objetivo eleger um vereador em cada uma das 5565 cidades brasileiras. A liderança da Igreja toma como base o Censo do IBGE. No país, são 42 milhões de evangélicos, sendo 12 milhões e 300 mil da Assembleia de Deus, a maior entre as pentecostais.

Política e religião nunca se uniram por missões altruístas, por questões públicas, no sentido literal da palavra. O namoro é sempre permeado pela rigidez moral, sempre genérica no discurso. Moral que esconde a intolerância dos moralistas, soldados de primeira ordem em apontar como os outros devem se comportar socialmente.

O moralismo que contamina a relação entre política e religião disfarça entendimento e preocupação pela coisa pública. Por trás da retórica de português correto e de fala mansa, nasce o olhar segregador que torna a instituição religiosa do candidato um microcosmo essencial para os benefícios quase que exclusivos das medidas sociais.

O suporte para o projeto de poder é a mídia eletrônica. Rádio e televisão, que antes atendiam às grandes instituições, de várias crenças, estão disponíveis para qualquer igrejinha que aluga um galpão ou compra uma antiga oficina mecânica. Entre os gigantes da fé, a Igreja Mundial do Poder de Deus, liderada pelo pastor Valdomiro, arrenda 22 horas diárias de programação televisiva na Rede 21.

O tamanho da casa de Deus não provoca diferenças na condução da palavra. O discurso político é padronizado e misturado à rigidez de comportamento, à batalha contra os assuntos que não se encaixam na doutrina e ao fortalecimento da família, não apenas o núcleo social mais básico, mas também a igreja como extensão do projeto eleitoral.

O Congresso Nacional, por exemplo, serve como termômetro da relação íntima entre política e religião. A Frente Parlamentar Evangélica é formada por 76 deputados federais e três senadores. Em 2006, eram 32 deputados e quatro senadores. Dependendo da questão envolvida, a Frente se transforma em bancada da fé, ao incluir representantes além do protestantismo.

Na eleição presidencial, em 2010, os parlamentares (e suas igrejas) conseguiram manter o debate medieval sobre aborto na agenda do segundo turno. É claro que sob a ótica do moralismo cristão, e não como política de saúde pública. Dilma e Serra caíram, conscientes, na armadilha, o que esvaziou a discussão sobre economia, educação e outros temas relevantes para a campanha eleitoral. 

Religião sempre será uma ação política porque, quando institucionalizada, se transforma em entidade com interesses que passam longe da pureza. E política não é necessariamente religião, embora seja uma questão de fé.

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