Marcus Vinicius Batista
O humor derruba os pretensiosos. Os policiais militares que, amargos, impediram a encenação da peça "Blitz - o império que nunca dorme" não entenderam a piada, no último domingo na Praça dos Andradas, no Centro de Santos.
O humor, quando político, serve para sacudir a arrogância de quem se considera universal, incontestável, a voz da autoridade e de seu lado perverso, o autoritarismo. A sátira, viva na peça, martelou além do muro dos estereótipos. Enfiou o dedo na ferida que os policiais sabem, de uma maneira ou outra, que sangra em silêncio.
O humor costuma ter dois caminhos e duas práticas. Além do caminho político, existe a retórica do preconceito, da piada destrutiva, do riso constrangedor de quem cutuca com a maldade. O humor nunca é bondoso, por sinal; ele nos dá as armas para devolver a opressão ou para promovê-la em tom gratuito. O humor como preconceito é raso, o que não foi o caso.
A fronteira sutil entre a política e o preconceito pode, por vezes, deixar de existir. Ambas se fundem, mesmo que a mensagem seja necessária. E o preconceito pode estar vivo naquele que se dói ao enxergar a si próprio como caricatura e busca aniquilar as palavras de protesto.
A peça não era inédita. Foram cerca de 50 apresentações em dois anos e meio. Policiais militares a assistiram em outros lugares, assim como é preciso separar a ação de indivíduos da instituição. O humor é genérico para que os indivíduos vejam o que sobrevive sob suas fardas, nas entrelinhas da hierarquia e da burocracia do poder instituído.
A peça Blitz funde duas práticas. A encenação é o Chalaça machadiano, do deboche imediato, tão presente na cultura brasileira. Reduzir o outro, o agressor, a pó na velocidade oposta da violência cotidiana duradoura. O espetáculo reproduz a característica erotizada do humor à brasileira, que se apropria da linguagem corporal para fazer graça.
Por outro lado, a peça se agarra na ironia, comportamento sofisticado de ataque e exposição do outro, de rasgar a vaidade ao meio como mecanismo de valorização da própria inteligência. Os apressados não veem a riqueza do subtexto que exala do corpo do palhaço. Os violentos morrem de vergonha e de raiva no primeiro giro do picadeiro.
Blitz cercou os policiais militares pela palavra. Por ironia, quem julgava prender os transgressores acabou algemado nas sutilezas da própria piada sem graça.
Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 1º de novembro de 2016.
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