segunda-feira, 21 de novembro de 2016

A consciência humana?


Arte: Vinil Colante e Fixxa - Jardim Botânico de Santos

Marcus Vinicius Batista

Prometo todo ano que não vou escrever sobre racismo no Dia Nacional da Consciência Negra. Não consigo cumprir a promessa, diante da criatividade de muitos indivíduos que insistem em negar a discriminação no Brasil. É a velha turma que se esconde atrás de máscaras como “racismo velado” e outras baboseiras para perpetuar as desigualdades.

As palavras dizem muito sobre quem somos, inclusive quando tentamos usá-las para camuflar reais intenções. A bola da vez é a propagação do termo “consciência humana”. É a modinha politicamente correta, que sonha em sepultar a luta pela igualdade racial via negação.

Falar em consciência humana é reproduzir, em entrelinhas cosméticas, a mentalidade do branco, privilegiado ao longo dos processos histórico-sociais brasileiros. É, além de desqualificar a data, amenizar um problema que – brancos como eu – podem ajudar com debates, estudos e reflexões sobre o assunto, conscientes (perdoe-me pelo trocadilho) de que jamais, jamais sofreremos uma ínfima parcela da violência que acontece todos os dias, em todos os cantos.

A turma da “consciência humana” não peca somente pela má fé, mas também pela desinformação. É um desconhecimento atroz não apenas da História do Brasil, como também da trajetória de movimentos sociais ligados aos negros, a partir do século passado, e ainda das discussões internacionais em torno da violência calcada por discriminação étnico-racial.

A consciência humana passa um verniz mau cheiroso sobre a relação conflituosa entre a Casa Grande e a Senzala, que transformou – sem querer – Gilberto Freyre num profeta. O poder se torna permanente pela ausência de questionamento sobre si mesmo. O estado de coisas se mantém quando não se percebe que ele existe, como se adapta às pequenas queixas cotidianas, incapazes de sacudir a essência do contato entre controladores e controlados.

Consciência humana é aquela que elimina o candidato por não se encaixar na boa aparência. É aquela que não permite conhecer médicos, fisioterapeutas, dentistas, juízes, professores universitários, entre outras profissões, com pele mais escura. É aquela que estigmatiza a cor dos suspeitos na batida da polícia, a mesma que para o motorista de carrão pensando que é chofer ou ladrão. E a lista vai embora...

Turma da consciência humana, enquanto negarem o Dia da Consciência Negra, vocês estão negando parte considerável do país onde vivem. Pior: sonhando com uma terra tão fantasiosa como o “país do futuro”.

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 20 de novembro de 2016.
         

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