Marcus Vinicius Batista
A Câmara Municipal de Santos, de vez em quando, olha pela janela da torre de marfim, lá no alto do Castelinho. Isso costuma acontecer nos intervalos entre entregas de títulos e fotos sorridentes de acordos políticos. Uma exceção é a lei que regulamenta e estimula o desenvolvimento de cervejarias microartesanais na cidade.
A lei é do vereador Sandoval Soares (PSDB), futuro vice-prefeito de Santos, e tramita no Poder Legislativo. A legislação se tornou necessária não apenas pelo crescimento do setor na cidade; por sinal, organizado e consciente do cenário local. A lei é o espelho de um hábito cultural presente em Santos, no mínimo, desde o final da década passada.
O barateamento da tecnologia, o intercâmbio de informações e conhecimentos, somado à disciplina e paixão dos produtores, fizeram com as cervejas deixassem de ser mero elemento de consumo de massa em prateleiras de supermercados. E muito mais do que o superficial estereótipo que associa cerveja à embriaguez.
A cerveja artesanal é a demonstração de amor à bebida, a transformação dela em algo sagrado, esculpida por horas, com a união milimétrica de ingredientes. Os produtores de cerveja a entendem como o instrumento que conecta pessoas, que constrói relacionamentos duradouros, nascidos em volta de uma mesa, como a comunhão pela bebida que mudou de cor e textura.
Regulamentar a atividade significa, antes de mais nada, tirar as cervejas artesanais da clandestinidade. Aliás, uma clandestinidade falsa, permitida porque os legisladores, quase sempre, levam tempo para notar a dinâmica da cidade onde trabalham.
A lei prevê, por exemplo, a conexão entre as cervejas e o turismo, fundamental num município que se limita à cultura veranista. Recentemente, houve um pequeno encontro - se compararmos com a Oktoberfest de Blumenau -, capaz de servir como termômetro para o potencial das cervejas artesanais. Muitos endereços as vendem de maneira informal. De vendas na Internet a encontros na praça dos Andradas, passando por pizzarias e empórios.
Os produtores mexem com coisa séria e responderam de maneira positiva ao projeto de lei, que estabelece - por exemplo - ações educativas contra o alcoolismo, além de posturas ambientais. Cervejeiros artesanais não bebem aos galões. Suas obras de arte precisam de apreciação, de degustação. Alguns deles se tornaram sommeliers e ministram cursos. Nada de ser primo pobre do vinho.
Os microcervejeiros, pela lei, não poderão produzir mais de 3 mil litros mensais e trabalhar com maquinário industrial que armazene mais do que o dobro disso. Os produtores estão, em sua maioria, organizados em torno Confraria Santista da Cerveja (Conscerva). Alguns se tornaram representantes de marcas maiores, fruto de estudo e percepção de negócios.
O Brasil possui cerca de mil microcervejarias, mas apenas cerca de 300 estão regularizadas. Cidades como Campos de Jordão trabalham as cervejas como atração turística permanente, com lojas e eventos.
Em Santos, os produtores só querem transformar amor e prazer em trabalho, ao menos de forma oficial. Depende da Câmara Municipal olhar a cidade com sobriedade.
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