segunda-feira, 5 de maio de 2014

Entre bananas e macacos


A história de racismo em torno da refeição feita pelo jogador Daniel Alves nos indica como brasileiros são hipócritas quando confrontados com o próprio espelho. Casos de discriminação racial no futebol são muito mais comuns do que costumam pregar convencionais fotos em redes sociais.

O racismo está impregnado na biografia do futebol nacional. Dos negros proibidos de vestir as camisas de vários clubes cariocas até o clube de Santos que barrou a entrada de Pelé quando era desconhecido. De juízes humilhados no Rio Grande do Sul a atletas xingados por torcidas e jogadores adversários em torneios continentais.

Bananas não são armamentos novos. Essas bombas de efeito moral foram utilizadas contra brasileiros na Polônia e na Rússia. Tiros simbólicos de intolerância contra desconhecidos e contra estrelas como Roberto Carlos. A reação de Daniel Alves, espontânea, irônica e necessária, recolocou o assunto em questão. Mas ao preço de uma moralidade embananada?

Neymar provou mais uma vez ter o perfil do jogador atual. Mimado, cercado de bajuladores, vendedor de quinquilharias, covarde em falar o que pensa. Mas, desta vez, a orientação ultrapassou a fronteira da estupidez. Racismo é uma cicatriz cultural e histórica para ser tratada como campanha de marketing. 


Como um jogador da importância de Neymar aceita transformar uma violência cotidiana – vista em todo o planeta – em foto para vender a si mesmo? Nada surpreendente para quem choraminga diante da CNN quando critica a diretoria do Santos, em quem aplicou – com cumplicidade ou não – um chapéu financeiro, fora a história fiscal nebulosa.

Por que resolvemos afirmar só agora nossa macaquice? Por que sempre relegamos ao pé de página os episódios quase diários de racismo? O cinismo de mostrar bananas mostra o quanto adoramos comê-las de sobremesa, após engolir sapos como prato principal.

Não somos todos macacos. A campanha, nascida da mediocridade publicitária, expõe o nível de ignorância em torno do racismo no país. Salvo os inocentes, a turma que adora se dizer primata é a mesma que renega práticas racistas. A discriminação sempre pertence aos outros.

A ignorância também resume a violência numa campanha rasteira de tirar fotos de adesão ao vácuo de informação. Vendemos camisetas, cultivamos amigos de rede social, vomitamos indignação até a página 2. Mas não reconhecemos os cadáveres de desigualdade social. Enquanto exalamos rebeldia de shopping, não enxergamos o quanto chamar alguém de macaco significa estigmatizar negros como animais.



A premissa é falsa. Não somos todos iguais. Somos uma nação culturalmente complexa, de múltiplas diferenças. Seríamos mais civilizados e maduros se entendêssemos e respeitássemos as diferenças do que amenizar culpas com o falso discurso da igualdade. E ainda por cima fingirmos cidadania sendo enganados como consumidores bananas.

É triste testemunhar que a crueldade humana, como jogar bananas em uma pessoa por conta da cor da pele e da origem, seja substituída pelo tom carnavalesco de esvaziar – em imagens padronizadas – uma chaga social que contamina o Brasil desde o nascimento colonial.

Somos realmente todos macacos, numa sociedade dividida em gorilas, micos, chimpanzés e orangotangos? De fato, cedo ou tarde, todos comem bananas.

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Em tempo: o racismo virou rotina de tal maneira que dois novos casos brotaram no noticiário esta semana. O primeiro episódio envolveu Donald Sterling, proprietário do time de basquete norte-americano Los Angeles Clippers. O dirigente foi banido da NBA depois de ter feitos comentários racistas com a namorada V. Stiviano.


Donald Sterling 
Uma gravação explica tudo: “me incomoda muito você querer aparecer ao lado de pessoas negras. Por que você faz isso? Você pode dormir com negros, pode trazê-los, pode fazer o que quiser. A única coisa que peço a você é que não divulgue isso. E não os traga aos meus jogos”, declarou Sterling.

Além de banido, ele terá que pagar multa de US$ 2,5 milhões. Se o futebol também fosse assim ...

Dos Estados Unidos para o litoral de São Paulo. Em Bertioga, a vereadora Valéria Bento (PMDB) acusa um servidor público de tê-la chamado de macaca. O acusado é chefe de departamento na Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho e Renda.

A vereadora prestou queixa em delegacia. Segundo a parlamentar, o servidor teria dito: “o serviço está uma bagunça, e a culpa é da Valéria, aquela macacona.” A vereadora pediu também a abertura de inquérito administrativo contra o servidor.

O acusado se defendeu em redes sociais. A alegação é de que ele também seria negro. “(...) todo mundo sabe que amo os animais e jamais compararia um macaco com essa vereadora. Animal não merece ser comparado assim. (...) Eu e minha família já sofremos muito com este tipo de preconceito por sermos negros, mas nunca deixamos nos abalar.”

Pela defesa, um vereador seria pior do que um macaco? Outro ponto: houve protestos na Câmara Municipal, com presença das bananas, a fruta-rei da semana.

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