quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Assalto autorizado


Deveríamos pagar em dólar, de tão cara?

Em ano de eleição, a segurança pública é um dos principais itens da pauta política. Isso acontece não apenas pelos índices de violência em si, mas pelos casos que, embora não sejam novos, sempre assombram pela selvageria. De gente amarrada no poste a pais que se jogam com filhos pela janela.

E quando a selvageria é econômica? E quando a criminalidade passa por delitos burocráticos? E quando a criminalidade é simbólica, com a sensação de que não temos a quem reclamar, justamente porque o ato foi cometido por quem deveria dar exemplo?

Sabemos que o início de ano nos exige uma reserva financeira maior do que o normal. A multiplicação dos carnês é proporcional à reprodução dos números. O IPTU subiu, em média, 12% em Santos, se acreditarmos na mágica dos descontos propagada pela Prefeitura. Somam-se a isso IPVA e outros gastos igualmente tributados com vigor, como material escolar e alimentos.

Na lista de contas a pagar, a grande surpresa pré-Carnaval foram as contas de luz. Em Santos, o valor chegou a quadruplicar em vários bairros. Gente que pagava menos de R$ 300 teve que desembolsar R$ 800. Em outros casos, saltou a passos largos. De R$ 100 para R$ 400. Para mim, a conta “só” dobrou. Seria eu um privilegiado? Devo agradecer à voz eletrônica da empresa pela caridade? Ou orar a alguma entidade espiritual que ilumine o caminho?

A CPFL alega que cumpriu a Resolução Normativa 414, emitida pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Pela regra, a empresa está autorizada a cobrar pela média de consumo da cidade. Se houver impossibilidade de leitura, a concessionária pode repassar o valor no mês seguinte. Essa seria a justificativa para a explosão nos valores em fevereiro.

Em outras palavras, o próprio Governo, via agências (des)reguladoras, autorizou uma cobrança bem superior à inflação. E assinou embaixo nos mecanismos falhos de leitura de consumo. Governo e agências fazem vistas grossas para deficiências no sistema de fornecimento, para os apagões, para a ausência de serviços nas periferias e para os desvios de energia elétrica.

O Brasil é um dos países mais caros em suas tarifas. Combustíveis, telefonia, água, luz e outros serviços custam bem mais do que é prometido no balcão de vendas. Fora que os consumidores são obrigados a aceitar o monopólio das empresas concessionárias, que fatiaram geograficamente o sistema de fornecimento.

Na semana passada, curiosamente, assisti a uma reportagem sobre as mudanças no sistema de energia elétrica na Alemanha. De saída, uma diferença substancial: o consumidor alemão tem concorrência à disposição. Ele pode escolher a empresa que fornecerá energia a sua residência. Há briga de preços. Outro ponto: se o consumidor ou um condomínio quiser investir em energia renovável, as empresas abrem canal de negociação.

O modelo alemão não é perfeito. As usinas nucleares devem desaparecer. As usinas de gás são caras e cresceu o consumo de carvão, hoje na casa de 5% do total. É um problema ambiental em andamento, mas ao menos o país coloca na pauta a prevenção para evitar que o sistema entre em colapso. Por enquanto, sem estourar no bolso dos consumidores.

No Brasil, não vemos canais eficientes de pressão política e mal conseguimos nos queixar à concessionária de plantão. Triplicar o valor da conta de luz é mais um exemplo que engorda a pilha de reclamações para ouvidos surdos e sonsos. Resta a nós pagar a conta e apertar o cinto.

Sempre desconfiei dos índices de inflação, principalmente quando entro em um supermercado. Mas aí damos um desconto e engolimos a seco. Desta vez, não preciso sair de casa para entender que a inflação corroeu números da minha conta bancária. Basta apertar o interruptor da sala. Ou chiar no escuro.

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