Deveríamos pagar em dólar, de tão cara? |
E quando a selvageria é econômica? E quando a criminalidade passa por delitos burocráticos? E quando a criminalidade é simbólica, com a sensação de que não temos a quem reclamar, justamente porque o ato foi cometido por quem deveria dar exemplo?
Sabemos que o início de ano nos exige uma reserva financeira maior do que o normal. A multiplicação dos carnês é proporcional à reprodução dos números. O IPTU subiu, em média, 12% em Santos, se acreditarmos na mágica dos descontos propagada pela Prefeitura. Somam-se a isso IPVA e outros gastos igualmente tributados com vigor, como material escolar e alimentos.
Na lista de contas a pagar, a grande surpresa pré-Carnaval foram as contas de luz. Em Santos, o valor chegou a quadruplicar em vários bairros. Gente que pagava menos de R$ 300 teve que desembolsar R$ 800. Em outros casos, saltou a passos largos. De R$ 100 para R$ 400. Para mim, a conta “só” dobrou. Seria eu um privilegiado? Devo agradecer à voz eletrônica da empresa pela caridade? Ou orar a alguma entidade espiritual que ilumine o caminho?
A CPFL alega que cumpriu a Resolução Normativa 414, emitida pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Pela regra, a empresa está autorizada a cobrar pela média de consumo da cidade. Se houver impossibilidade de leitura, a concessionária pode repassar o valor no mês seguinte. Essa seria a justificativa para a explosão nos valores em fevereiro.
Em outras palavras, o próprio Governo, via agências (des)reguladoras, autorizou uma cobrança bem superior à inflação. E assinou embaixo nos mecanismos falhos de leitura de consumo. Governo e agências fazem vistas grossas para deficiências no sistema de fornecimento, para os apagões, para a ausência de serviços nas periferias e para os desvios de energia elétrica.
O Brasil é um dos países mais caros em suas tarifas. Combustíveis, telefonia, água, luz e outros serviços custam bem mais do que é prometido no balcão de vendas. Fora que os consumidores são obrigados a aceitar o monopólio das empresas concessionárias, que fatiaram geograficamente o sistema de fornecimento.
Na semana passada, curiosamente, assisti a uma reportagem sobre as mudanças no sistema de energia elétrica na Alemanha. De saída, uma diferença substancial: o consumidor alemão tem concorrência à disposição. Ele pode escolher a empresa que fornecerá energia a sua residência. Há briga de preços. Outro ponto: se o consumidor ou um condomínio quiser investir em energia renovável, as empresas abrem canal de negociação.
O modelo alemão não é perfeito. As usinas nucleares devem desaparecer. As usinas de gás são caras e cresceu o consumo de carvão, hoje na casa de 5% do total. É um problema ambiental em andamento, mas ao menos o país coloca na pauta a prevenção para evitar que o sistema entre em colapso. Por enquanto, sem estourar no bolso dos consumidores.
No Brasil, não vemos canais eficientes de pressão política e mal conseguimos nos queixar à concessionária de plantão. Triplicar o valor da conta de luz é mais um exemplo que engorda a pilha de reclamações para ouvidos surdos e sonsos. Resta a nós pagar a conta e apertar o cinto.
Sempre desconfiei dos índices de inflação, principalmente quando entro em um supermercado. Mas aí damos um desconto e engolimos a seco. Desta vez, não preciso sair de casa para entender que a inflação corroeu números da minha conta bancária. Basta apertar o interruptor da sala. Ou chiar no escuro.
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