quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A Aids nunca descansa




O Hospital do Servidor Público Estadual é um dos principais pontos de tratamento de pacientes de Aids na capital paulista. No local, o que mais assusta é o crescimento no número de idosos soropositivos. No ano passado, os pacientes acima de 60 anos representaram 18% dos atendimentos no setor de doenças infecciosas. São 950 pessoas. Quatro anos antes, esta faixa etária significava 3% dos atendimentos. Em 2009, 230 pessoas.

O avanço da Aids entre a população mais velha não é, claro, um quadro isolado em São Paulo. O problema é perceptível também na Baixada Santista, principalmente nos municípios de Santos e São Vicente.

Duas razões para o aumento de casos de Aids entre idosos são semelhantes na capital e no litoral. A primeira deles é a vida sexualmente ativa por mais tempo ou retomada depois de um intervalo durante a velhice. Em ambas as situações, o gatilho é a pílula azul.

O segundo motivo é a ausência de camisinha. Muitos homens se recusam a usar preservativo, sob a alegação de que reduz o prazer ou atrapalha a relação sexual. A argumentação se reforça com a ideia de que, durante décadas de casamento, nunca fizeram uso da camisinha. Muitos pacientes ressuscitaram até expressões como: “transar com camisinha é como chupar bala com papel.”

O aspecto cultural se estende às mulheres, parte das soropositivas. Entre elas, muitas vezes prevalecem vergonha e timidez em exigir que o parceiro utilize preservativo. Temem perder o relacionamento. Existe também o desconhecimento do uso da camisinha feminina, fator também comum entre os jovens.

A diferença entre São Paulo e a Baixada Santista é que, por aqui, as pesquisas apontam a proliferação de espaços de convivência como outra variável na disseminação da doença. É óbvio que não se trata destes lugares em si, essenciais para a socialização em municípios com alto índice de população idosa. Santos tem 85 mil habitantes com mais de 60 anos, 20% do total.

Os espaços de convivência serviram, involuntariamente, como mecanismo de construção de novos relacionamentos afetivos. É, em parte, nestes endereços que as duas causas anteriores, de fundo cultural e biológico, se manifestam.

O tratamento da Aids entre idosos apresenta características específicas. Não me refiro ao coquetel de medicamentos ou as recomendações dos profissionais de saúde, mas às reações dos pacientes. Muitos soropositivos, que residem sozinhos e têm contato pouco frequente com familiares, escondem a doença e, claro, o tratamento.

Os pacientes se sentem envergonhados de portar o vírus HIV. Carregam o temor do estigma, principalmente aquele que nasceu nas décadas de 80 e 90. O estigma se sustenta na desinformação, como dúvidas sobre contaminação, mas também no receio de ser abandonado pelos parentes e amigos.

No ano passado, participei como mediador de um debate sobre Aids em Santos. Entre os presentes, dentistas – que atenderam os primeiros pacientes nos anos 80 -, representantes de ONGs e agentes de saúde, pessoas que visitam os piores endereços para convencer dependentes químicos a se reconhecerem soropositivos e aceitarem ambos os tratamentos.

Todos percebem o avanço da Aids na população mais velha e se queixam da redução do espaço na mídia para o debate sobre o vírus HIV. Eles alertam que a doença estacionou em termos estatísticos. Ou seja: ainda surgem centenas de casos todos os anos, com causas específicas para faixas etárias diferentes.

Outra preocupação é a aposta de pacientes no coquetel, visto como milagre que vai assegurar décadas de sobrevida. É o ressurgimento da mentalidade de aproveitar a vida hoje e, se acontecer o pior, que se faça o tratamento por anos, sem perder o vigor da rotina sexualmente ativa.

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