sábado, 26 de outubro de 2013

Carta aos professores


Caros colegas,

Assim como vocês, recebi muitas felicitações por causa do dia 15 de outubro. Muitas delas me pareceram honestas, que indicaram admiração e reconhecimento, relevando erros por mim cometidos em 11 anos de docência. Outras manifestações, claro, cumprem as convenções sociais, em parte ditadas pela cartilha de bom mocismo das redes sociais.

Como estabelecer a diferença entre as duas posturas? Não sei, sinceramente, mas tenho a tendência a crer que a maneira como fomos tratados por aqueles que nos felicitam hoje pesa em minha interpretação.

Não comemorei o Dia dos Professores. Não pronunciei a palavra escola. Agradeci educadamente os cumprimentos, mas me soaria cínico se pulasse de alegria ou soltasse fogos de artifício diante da condição contemporânea desta atividade profissional.

Ser professor não é missão, destino, sacerdócio ou trabalho voluntário. Não dou aulas. Estudo todos os dias para me preparar e ter o que dizer dentro de uma sala, para 10, 20, 50 pessoas, ainda que erre. Sempre acreditei que tenho que ser remunerado por este comportamento, como qualquer trabalhador.

Reproduzir a ideia de que somos seres especiais aponta, a curto prazo, uma posição presunçosa. Professores são fundamentais em qualquer sociedade, assim como médicos, enfermeiros, motoristas, engenheiros e atletas. Somente para mencionar poucos atores – ah, esses também são essenciais – nesta história.

A longo prazo, esta condição única – realimentada como discurso de confetes e serpentina – mascara a desvalorização contínua de nossa atividade profissional. Recebo um salário acima da média dos professores brasileiros. É claro que a frase anterior pode ser distorcida do contexto. Basta torturar números que eles dizem o que queremos. Porém, devo acrescentar que trabalho quase o dobro de horas fora da sala de aula. Voluntariado?

Sofro para pagar as contas, mantenho um padrão de vida classe média, visito bancos – os cassinos de hoje – de tempos em tempos, fico exausto entre números para realizar qualquer sonhozinho de final de semana.

Comemorar a data me indica hipocrisia. O país tem um déficit de 300 mil professores. O piso nacional da categoria gira em torno de R$ 1500 e muitos Estados ignoram a referência. Este valor é pouco mais da metade do salário mínimo considerado como ideal pelos economistas. E risível quando compararmos com alguns dos melhores sistemas educacionais do planeta.

É triste assistir ao Governo Federal se esfalfar para implementar o Programa Mais Médicos, como único mecanismo de solução para abismo social brasileiro. Só os estúpidos entendem que o país não necessita urgentemente de profissionais de saúde.

Por que não temos o Programa Mais Professores? Por que médicos recebem R$ 10 mil e o piso do professorado é 15% disso? Associar professores a trabalho menor é prática em todos os níveis. Nas universidades, as licenciaturas são primos pobres. Recebem, aliás, muitos alunos de baixa renda, em parte os primeiros de suas famílias a alcançarem o ensino superior. Não é caridade, é mudança social que deveria ter ocorrido há décadas.

As licenciaturas moram no final da fila dos investimentos em pesquisa. A retórica não é explícita, mas a rotina indica que outras áreas – diluídas em exatas e de saúde – merecem mais verbas pela utilidade à ciência.

Por limitações de espaço, optei por ficar em somente um exemplo e não descer ao inferno do ensino fundamental e médio. Lembrem-se, colegas, que estamos a pouco menos de um ano das eleições. Ouviremos pregações messiânicas de que a educação salvará o país. E que o professor está no centro do milagre. É a clássica resposta que foge da pergunta e resulta em nota zero.

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