quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Estupro: a pandemia


O número de estupros cresceu 23% na Baixada Santista. Em 2012, foram 672 casos, contra 545 no ano anterior. Em 2013, até setembro, foram 413 ocorrências, média que se aproxima de dois casos por dia na região.

No Estado de São Paulo, uma mulher é estuprada a cada 40 minutos. No país, dez casos por dia. As estatísticas constituem uma pilha de dor, de impunidade, de acobertamento e de traumas, mas parecem não sensibilizar aqueles que, com o poder em mãos, também deveriam se chocar com elas.

O argumento das autoridades é que a mudança da legislação, em 2009, colaborou para o crescimento do caso. A partir daquele ano, os atentados violentos ao pudor passaram a ser considerados crimes de violência sexual. O aumento foi de 162% no Brasil, mas a retórica não se justifica, pois o crescimento é gradual, ainda que a lei esteja em vigor há quatro anos.

A violência sexual é uma pandemia. Esta doença social não escolhe endereço, classe social, nível de desenvolvimento econômico. É uma enfermidade globalizada, que respeita somente as particularidades, embora conectadas ao machismo, ao sentimento de posse, ao desprezo pela mulher e à certeza de que o silêncio garante a repetição da monstruosidade.

No Congo, estuprar é hábito cultural, fruto das guerras civis. Na Índia, os estupros coletivos povoaram o noticiário internacional no primeiro semestre. Os Estados Unidos registram um caso de agressão sexual a cada dois minutos. Uma em cada três mulheres suecas sofrem violência sexual. Na vizinha Dinamarca, são três em cada dez.

O Brasil e a Baixada Santista, em particular, não possuem sólidas políticas públicas de combate aos estupros. A instalação de delegacias de atendimento à mulher são aspirinas diante de um tumor em escala terminal. Aliás, a maioria das delegacias não abrem as portas nos finais de semana, período com maior índice de agressões.

Os abrigos femininos são insuficientes para as vítimas, a maioria estupradas por pessoas conhecidas, como maridos, namorados, pais, tios, primos, vizinhos e amigos da família. Quando criam coragem para registrar um Boletim de Ocorrência, as vítimas precisam – muitas vezes - retornar para o convívio com quem as violentou. É comum o constrangimento de ter que retirar a queixa na delegacia para preservar a vida.

Infelizmente, os crimes de estupro não aparecem entre as prioridades da política de segurança pública. Por conta do silêncio e das evidentes dificuldades de se falar publicamente sobre o assunto, a violência sexual fica restrita às campanhas educativas (às vezes, somente cartazes com telefone para denúncia anônima). Estupro não tem a visibilidade política do tráfico de drogas e dos homicídios. A única semelhança é que, nos três crimes, os números engordaram.

Enquanto houver a sensação de impunidade, o modelo de vergonha para as vítimas e deleite para os estupradores seguirá perpétuo. É urgente ultrapassarmos a fase das campanhas educativas, que se mostraram ineficientes. A impressão é que as mensagens só são lidas pelas vítimas após o crime. Se os agressores leem, certamente debocham. E não é preciso que se modifique a legislação. A lei é rigorosa, somente depende de estrutura consistente e política pública de longo prazo para que entre em vigor de verdade.


Uma observação: por razões óbvias, é a terceira vez este ano que me sinto obrigado a escrever sobre violência sexual neste espaço. Os demais textos – Cultura do Estupro I e II – podem ser encontrados no blog Giz sem cor. http://gizsemcor.blogspot.com.br/2013/05/cultura-do-estupro-ii.html

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