Ronaldo Francini (Foto: Marcos Piffer) |
Reportagem publicada originalmente na revista Guaiaó, edição n.3.
O biólogo Ronaldo Bastos Francini tem duas vantagens sobre a maioria das pessoas. A primeira delas é que conheceu o paraíso em vida. Seria petulante não reconhecer que a leitura do Éden varia conforme a subjetividade, mas Ronaldo transformou o paraíso na extensão da própria casa. Aí reside a segunda vantagem: ele já esteve 500 vezes lá, nos últimos 40 anos. Todas as visitas foram catalogadas, com hora, data e resultado da viagem.
O paraíso, para o biólogo, fica a 45 minutos de carro de Santos. Inclui, no final do trajeto, meia dúzia de quilômetros em estrada de terra. “Minha vida é o campo”. Ronaldo não se refere aos prazeres da vida rural, mas ao campo de pesquisa, o lugar mais próximo do sagrado para alguém que debate qualquer assunto com argumentos científicos, exceto a fé.
De aparência frágil e simpático como a barba branca que ostenta há anos, o biólogo transformou o Vale do Quilombo, na Área Continental de Santos, como se fosse a sala de estar do apartamento onde mora. “Um ou duas horas lá recarregaram todas as minhas baterias.”
Ronaldo é um dos maiores especialistas do mundo em borboletas. Perdeu as contas da quantidade de espécimes coletados em 25 anos de devoção à ciência. As borboletas hoje estão espalhadas pelo laboratório de Biologia da Conservação, a sala 211 na Universidade Católica de Santos, em sua própria casa e no Museu de Zoologia, da Universidade de São Paulo (USP). E foi por causa de uma borboleta que Ronaldo alcançou o êxtase em pleno paraíso.
Em 2008, o biólogo seguiu com dois alunos para o Vale do Quilombo. A visita de rotina serviria para mostrar aos estudantes como funcionava a pesquisa em campo. Observar espécies de insetos – Ronaldo já trabalhou com formigas -, sentir o cheiro da natureza, interagir com os habitantes locais (pessoas, neste caso) e, se possível, coletar novos espécimes de borboletas.
Durante a visita, Ronaldo indicou uma planta para os alunos e se deparou com uma borboleta que jamais tinha visto na vida. Paralisou diante dela e se viu numa encruzilhada. Diante da possibilidade de uma espécie nova, não sabia se a coletava com a rede ou se a deixava ali. Optou por fazer algumas fotos e coletá-la depois. As fotos foram enviadas para colegas, que confirmaram ser uma borboleta Reynald, um gênero de origem amazônica. Ronaldo se sentiu aliviado: a borboleta não integrava nenhuma lista de animais em extinção. “Eu talvez nunca mais a veja na minha vida”.
Ronaldo está em constante alerta sobre o Vale do Quilombo. Vibrou com o engavetamento do projeto de exploração urbana do local, na década passada. Mas, pela experiência de quatro décadas, sabe que vigiar o paraíso representa uma missão sem intervalos ou mais algumas centenas de visitas.
Guaiaó: Depois de 40 anos no Vale do Quilombo, você conseguiu – voluntária ou involuntariamente – provocar consciência ambiental nos moradores de lá?
Ronaldo Bastos Francini: Consegui com alguns. Outros não querem ter este contato. Para eles, a natureza é para ser explorada. A forma como as pessoas usam a terra. Uma forma totalmente destrutiva.
Guaiaó: Qual é a saída para se proteger o Vale do Quilombo?
Ronaldo: Transformá-lo em Unidade de Conservação (UC). É um problema de natureza jurídica complexa. Quando o Governo Federal desapropriou a área, nos anos 70, não deu dinheiro para os donos. Hoje, são dois grandes herdeiros. E eles querem o dinheiro de volta, os tais precatórios. Se a gente pensar que o parque nacional mais antigo do Brasil, o Parque do Itatiaia, tem propriedades particulares porque até hoje a situação fundiária não foi regularizada, o futuro é difícil. Mas, no Itatiaia, por estar em área mais elevada, os moradores – alemães, austríacos e poloneses – tinham uma mentalidade mais conservacionista, diferente da mentalidade colonizadora portuguesa. Mas é preciso pensar em reservas extrativistas. Há exemplos na Amazônia, que preservam o sistema natural.
Guaiaó: E o que um biólogo, em um trabalho quase solitário, pode fazer?
Ronaldo: Não adianta querer segurar o mundo. Tenho que estudar o que precisa ser estudado, fornecer embasamento técnico e contribuir com outros projetos científicos. Preocupa-me a Área Continental, que já foi vista com olhos de industrialização no passado. Três eleições atrás, um candidato a prefeito falou em explorar o local como a nova Santos. Muitos sítios se instalaram ali por conta desta propaganda.
O sonho do óleo negro
Ronaldo Bastos é um ambientalista cauteloso. Não é adepto de ações radicais. Acredita na diplomacia e na capacidade de negociação com empresas e governos. Mas ser diplomata não significa amenizar o olhar sobre o cenário que se desenha a sua volta. Neste sentido, o biólogo é implacável com o caminho que a Baixada Santista deseja tomar para queimar etapas de desenvolvimento. Um dos delírios seria o sonho do óleo negro, a ansiedade em enriquecer com a exploração da camada de pré-sal. “Nossa tecnologia ainda é muito primitiva”.
Ronaldo também não poupa o fascínio da humanidade pelo consumo e pela tecnologia. “Em casos de catástrofes, as consequências serão menores para quem possui menos tecnologia”.
Guaiaó: A Baixada Santista fala demais em pré-sal. Mas, há três anos, o discurso dominante era de revisão da matriz energética. Por que o assunto saiu da agenda pública?
Ronaldo: Quais são as matrizes energéticas viáveis para mantermos a industrialização que achamos que queremos? A industrialização hoje requer muita energia elétrica. As opções para a Europa e o Japão vêm de queima de combustível fóssil – as termelétricas – e, inclusive, de exploração de usinas atômicas. Nós temos a opção hidroelétrica. É melhor? Depende. O Estado de São Paulo não tem mais nenhum grande rio onde a fauna aquática não foi eliminada ou substituída. O lago de uma usina hidrelétrica provoca enorme evaporação de água, que altera clima local, regional e global. As implicações são inúmeras, não apenas relacionadas à biologia de curto prazo, os efeitos no bioma. A janela de condições climáticas ideais está se fechando. Até os políticos sabem disso. E nossa tecnologia não consegue fazer previsões. Já a energia solar e a energia eólica são ainda inviáveis. Quem acredita nisso hoje precisa rever os conceitos de física.
Guaiaó: Santos atravessa uma fase de especulação imobiliária fortíssima. Mais de 60 edifícios em construção e outros tantos projetos aprovados pela Prefeitura. A cidade está entre as três maiores frotas de carros; aliás, veículos cada vez maiores. Quais serão as consequências ambientais desta visão de progresso? E por que a cidade não discute as implicações desta perspectiva?
Ronaldo: Santos é uma ilha em todos os sentidos. Somos a Dubai, uma cidade que não é auto-sustentável, mas com a diferença que tem o petróleo para se manter. Estamos investindo em um futuro, o pré-sal, que ainda não é viável. Tudo isso não vai ruir? Podemos levar 70 anos para extrair petróleo. Não sou contra extrair petróleo. Sou contra extraí-lo para queimá-lo. É uma burrice tão grande quanto insistir em queimar florestas para fazer pastagens. Queimamos porque, entre outras coisas, somos dependentes do plástico. A sociedade de hoje não depende somente de energia. O que nos faz assim hoje é o plástico. (aponta para o microscópio no laboratório).
O paraíso, para o biólogo, fica a 45 minutos de carro de Santos. Inclui, no final do trajeto, meia dúzia de quilômetros em estrada de terra. “Minha vida é o campo”. Ronaldo não se refere aos prazeres da vida rural, mas ao campo de pesquisa, o lugar mais próximo do sagrado para alguém que debate qualquer assunto com argumentos científicos, exceto a fé.
De aparência frágil e simpático como a barba branca que ostenta há anos, o biólogo transformou o Vale do Quilombo, na Área Continental de Santos, como se fosse a sala de estar do apartamento onde mora. “Um ou duas horas lá recarregaram todas as minhas baterias.”
Ronaldo é um dos maiores especialistas do mundo em borboletas. Perdeu as contas da quantidade de espécimes coletados em 25 anos de devoção à ciência. As borboletas hoje estão espalhadas pelo laboratório de Biologia da Conservação, a sala 211 na Universidade Católica de Santos, em sua própria casa e no Museu de Zoologia, da Universidade de São Paulo (USP). E foi por causa de uma borboleta que Ronaldo alcançou o êxtase em pleno paraíso.
Em 2008, o biólogo seguiu com dois alunos para o Vale do Quilombo. A visita de rotina serviria para mostrar aos estudantes como funcionava a pesquisa em campo. Observar espécies de insetos – Ronaldo já trabalhou com formigas -, sentir o cheiro da natureza, interagir com os habitantes locais (pessoas, neste caso) e, se possível, coletar novos espécimes de borboletas.
Durante a visita, Ronaldo indicou uma planta para os alunos e se deparou com uma borboleta que jamais tinha visto na vida. Paralisou diante dela e se viu numa encruzilhada. Diante da possibilidade de uma espécie nova, não sabia se a coletava com a rede ou se a deixava ali. Optou por fazer algumas fotos e coletá-la depois. As fotos foram enviadas para colegas, que confirmaram ser uma borboleta Reynald, um gênero de origem amazônica. Ronaldo se sentiu aliviado: a borboleta não integrava nenhuma lista de animais em extinção. “Eu talvez nunca mais a veja na minha vida”.
Ronaldo está em constante alerta sobre o Vale do Quilombo. Vibrou com o engavetamento do projeto de exploração urbana do local, na década passada. Mas, pela experiência de quatro décadas, sabe que vigiar o paraíso representa uma missão sem intervalos ou mais algumas centenas de visitas.
Guaiaó: Depois de 40 anos no Vale do Quilombo, você conseguiu – voluntária ou involuntariamente – provocar consciência ambiental nos moradores de lá?
Ronaldo Bastos Francini: Consegui com alguns. Outros não querem ter este contato. Para eles, a natureza é para ser explorada. A forma como as pessoas usam a terra. Uma forma totalmente destrutiva.
Guaiaó: Qual é a saída para se proteger o Vale do Quilombo?
Ronaldo: Transformá-lo em Unidade de Conservação (UC). É um problema de natureza jurídica complexa. Quando o Governo Federal desapropriou a área, nos anos 70, não deu dinheiro para os donos. Hoje, são dois grandes herdeiros. E eles querem o dinheiro de volta, os tais precatórios. Se a gente pensar que o parque nacional mais antigo do Brasil, o Parque do Itatiaia, tem propriedades particulares porque até hoje a situação fundiária não foi regularizada, o futuro é difícil. Mas, no Itatiaia, por estar em área mais elevada, os moradores – alemães, austríacos e poloneses – tinham uma mentalidade mais conservacionista, diferente da mentalidade colonizadora portuguesa. Mas é preciso pensar em reservas extrativistas. Há exemplos na Amazônia, que preservam o sistema natural.
Guaiaó: E o que um biólogo, em um trabalho quase solitário, pode fazer?
Ronaldo: Não adianta querer segurar o mundo. Tenho que estudar o que precisa ser estudado, fornecer embasamento técnico e contribuir com outros projetos científicos. Preocupa-me a Área Continental, que já foi vista com olhos de industrialização no passado. Três eleições atrás, um candidato a prefeito falou em explorar o local como a nova Santos. Muitos sítios se instalaram ali por conta desta propaganda.
O sonho do óleo negro
Ronaldo Bastos é um ambientalista cauteloso. Não é adepto de ações radicais. Acredita na diplomacia e na capacidade de negociação com empresas e governos. Mas ser diplomata não significa amenizar o olhar sobre o cenário que se desenha a sua volta. Neste sentido, o biólogo é implacável com o caminho que a Baixada Santista deseja tomar para queimar etapas de desenvolvimento. Um dos delírios seria o sonho do óleo negro, a ansiedade em enriquecer com a exploração da camada de pré-sal. “Nossa tecnologia ainda é muito primitiva”.
Ronaldo também não poupa o fascínio da humanidade pelo consumo e pela tecnologia. “Em casos de catástrofes, as consequências serão menores para quem possui menos tecnologia”.
Guaiaó: A Baixada Santista fala demais em pré-sal. Mas, há três anos, o discurso dominante era de revisão da matriz energética. Por que o assunto saiu da agenda pública?
Ronaldo: Quais são as matrizes energéticas viáveis para mantermos a industrialização que achamos que queremos? A industrialização hoje requer muita energia elétrica. As opções para a Europa e o Japão vêm de queima de combustível fóssil – as termelétricas – e, inclusive, de exploração de usinas atômicas. Nós temos a opção hidroelétrica. É melhor? Depende. O Estado de São Paulo não tem mais nenhum grande rio onde a fauna aquática não foi eliminada ou substituída. O lago de uma usina hidrelétrica provoca enorme evaporação de água, que altera clima local, regional e global. As implicações são inúmeras, não apenas relacionadas à biologia de curto prazo, os efeitos no bioma. A janela de condições climáticas ideais está se fechando. Até os políticos sabem disso. E nossa tecnologia não consegue fazer previsões. Já a energia solar e a energia eólica são ainda inviáveis. Quem acredita nisso hoje precisa rever os conceitos de física.
Guaiaó: Santos atravessa uma fase de especulação imobiliária fortíssima. Mais de 60 edifícios em construção e outros tantos projetos aprovados pela Prefeitura. A cidade está entre as três maiores frotas de carros; aliás, veículos cada vez maiores. Quais serão as consequências ambientais desta visão de progresso? E por que a cidade não discute as implicações desta perspectiva?
Ronaldo: Santos é uma ilha em todos os sentidos. Somos a Dubai, uma cidade que não é auto-sustentável, mas com a diferença que tem o petróleo para se manter. Estamos investindo em um futuro, o pré-sal, que ainda não é viável. Tudo isso não vai ruir? Podemos levar 70 anos para extrair petróleo. Não sou contra extrair petróleo. Sou contra extraí-lo para queimá-lo. É uma burrice tão grande quanto insistir em queimar florestas para fazer pastagens. Queimamos porque, entre outras coisas, somos dependentes do plástico. A sociedade de hoje não depende somente de energia. O que nos faz assim hoje é o plástico. (aponta para o microscópio no laboratório).
Francini em seu laboratório na Unisantos (Foto: Marcos Piffer) |
Guaiaó: Você nasceu em Santos, esteve fora e voltou para trabalhar aqui. O que você vê quando olha para a cidade?
Ronaldo: Prédios!!! Sou do tempo em que a cidade era repleta de ruas de terra e terrenos baldios. O saneamento básico chegou em casa no início da década de 60. Meus filhos conheceram natureza porque saia com eles para longe da cidade. Santos é uma ilha. A gente só olha para o nosso umbigo. Achamos que é o melhor lugar do mundo. Tem coisas bonitas, mas tenho dúvidas. As paisagens foram um dos fatores que me fizeram voltar. Você ainda vê verde, mesmo meio descolorido. Repito: precisamos olhar para o mundo, mas também conversar com ele. Estamos atrasados em questões educacionais e tecnológicas. Achamos melhor ir para São Paulo. Viramos uma cidade-dormitório. A percepção que tenho é que paramos no tempo.
Guaiaó: Qual é o principal problema ambiental de Santos?
Ronaldo: A densidade populacional. Isso acarreta muitas outras coisas, como o trânsito. Cada prédio de 40 andares, cada um com dois, três carros na garagem. A cidade vai crescer, além da população flutuante de final de semana. O ecólogo não está interessado no tamanho da população, mas o tamanho dela em relação à área ocupada. Os efeitos da densidade já foram vistos em várias espécies e agora atingem a nossa. O aumento da densidade pode ser resolvido com políticas públicas que, de alguma maneira, podem cercear as causas. A densidade pode não ser um problema visível de curto prazo, mas é o pior.
Guaiaó: Por que o discurso ambiental não consegue a mesma penetração em certas camadas da sociedade quando comparado ao discurso político, impregnado de promessas de riqueza e desenvolvimento econômico?
Ronaldo: Dos anos 60 para cá, as grandes empresas e os políticos se apropriaram da palavra ecologia e hoje vendem produtos que não tem o menor significado ecológico. Ao mesmo tempo em que houve a apropriação deste contexto da ecologia, os ambientalistas ficaram com a imagem de xiitas. Até porque muitos deles o são. Muitas pessoas tem boas ideias, mas falta a elas base científica. A visão se torna poética, mas não convencerá as pessoas se não houver argumento sólido da ciência. O movimento ambientalista, hoje, está meio de escanteio, como malucos. E muitas das ações radicais colocam em risco a vida deles e de outras pessoas. Hoje, eu tomo muito mais cuidado com o que falo. Os ambientalistas são muito jovens ou muito velhos. O homem maduro está no mercado de trabalho.
Guaiaó: E o ambientalismo de boutique? Onde entram os consumidores que acreditam preservar o meio ambiente quando compram um produto no shopping?
Ronaldo: Alguns dos institutos que certificam os produtos nem existem de fato. É virtual. Há empresas que financiam projetos para compensar os grandes impactos ambientais. O planeta passou por problemas em larga escala. A última que conhecemos foi há 60 milhões de anos e destruiu cerca de 70% da vida. O que sobrou somos nós e outros organismos que evoluíram. Todas as espécies são egoístas, desejam apenas se reproduzir. Nós também. O que nos resta é nos educarmos. Todas as sociedades tem essa força egoísta. Será que sobreviveremos mais dez mil anos? Temos tecnologia para montar uma colônia em Marte? Conseguimos reproduzir microorganismos e algas em ambientes fechados. Mas todas as tentativas – e a Nasa investe nisso – de reproduzir a sociedade humana em ambientes fechados fracassaram.
O outro paraíso
Ronaldo viaja com frequência para a Amazônia. Ele defende que é preciso estar lá para se compreender e absorver melhor o tamanho do patrimônio e as dimensões dos problemas políticos e ambientais que machucam a região. O biólogo esteve por dois meses, em 1997 e 1999, numa reserva extrativista no Acre, local que considera exemplar na preservação da floresta.
Guaiaó: Por que a Amazônia te encanta tanto?
Ronaldo: É outro mundo. É outra experiência. Muitos moradores de lá tem mais consciência ecológica do que eu. Você anda, anda, anda e só vê florestas, ainda que muitas áreas tenham sido impactadas pela ação do homem. O Acre possui a melhor experiência de conservação ambiental que eu conheço.
Guaiaó: Por que o Acre?
Ronaldo: Por causa do Chico Mendes. Ele e seus seguidores conseguiram mudanças políticas no estado do Acre. Proporcionalmente, é o que possui o maior número de Unidades de Conservação, mais do que o Amazonas. Essas coisas me fizeram olhar para Santos. Precisamos olhar para o mundo.
“A ciência é destrutiva”
Como qualquer sujeito na modernidade, Ronaldo depende da tecnologia para trabalhar. Em seu laboratório, microcóspios com estrutura de plástico e outros recursos de análise científica. Em sua mesa, um laptop que o permite conversar com cientistas do mundo todo. “Trabalhei com muitos que sequer conheço fisicamente.” Quando está em campo, o biólogo carrega consigo variações tecnológicas, desde a rede para a coleta de insetos até a máquina fotográfica capaz de captar imagens em alta resolução.
Mas Ronaldo não rendeu à dependência. Pelo contrário, critica com veemência o estilo de vida do homem atual. “Temos coisas demais. Estendemos nosso corpo com os carros, as casas e o que guardamos dentro delas.” Neste sentido, a ciência não colaborou para uma mentalidade auto-sustentável. Apaixonado pela matemática, Ronaldo reforça que extraímos mais do que o planeta pode nos oferecer. A conta não fecha.
Guaiaó: Você respira ciência e fala dela com paixão. Como você a enxerga?
Ronaldo: A ciência é destrutiva. Muitos cientistas se especializaram de tal maneira que não conseguem falar de outros assuntos em um nível minimamente razoável. Isso limita as pessoas. E a contribuição delas é prejudicada para o nosso futuro. Fora as influências econômicas na produção científica.
Guaiaó: Por que a ciência é destrutiva?
Ronaldo: Porque trabalha com processo analítico. Vamos desmatar, por exemplo, para ver como funciona. Pode ser que, no futuro, um biólogo esteja em um ambiente e, com um computador, consiga determinar o número de espécies. Mas a mesma tecnologia dita limpa tem origens no ambiente. De onde vieram as substâncias químicas que compõem o computador? Hoje, somos 7 bilhões de pessoas. Quantas o planeta pode suportar? Crescemos exponencialmente e todas as espécies que passaram por isso caíram a zero ou a níveis baixos para recomeçar.
Guaiaó: Por que, mesmo em nível global, não ocorre uma discussão científica integrada? Os problemas não costumam ser vistos isoladamente?
Ronaldo: Isso passa pela má educação. A própria ecologia tem problemas. Os ecologistas viam os ecossistemas como sistemas fechados. Hoje, sabemos que são abertos. Ou seja: tudo o que acontece dentro dele provoca efeitos fora. A Teoria Gaia, por exemplo, tem uma qualidade poética, mas nunca foi provada cientificamente. Se o planeta (Gaia) é um organismo vivo funcionando, você pode tirar um braço que continuará vivo. Quais partes você pode tirar para que ele continue vivo? Qual é o cérebro? Qual é o coração de Gaia?
Guaiaó: A tecnologia é uma necessidade humana, desde o início da História. Mas a tecnologia, no contexto de consumo, provoca dependência. A tecnologia é também destrutiva?
Ronaldo: Muitos acham que a tecnologia é capaz de salvar o mundo de seus problemas. Se você pegar os dez alimentos mais consumidos do mundo (arroz, batata, soja etc) e produzi-los de maneira artesanal, não dá para alimentar as 7 bilhões de pessoas. É matemática! Por outro lado, as concentrações humanas dão poder para alguém plantar longe sem sabermos como, com qual tipo de tecnologia. Os custos são cada vez maiores. E os alimentos orgânicos são cada vez mais caros e, portanto, acessíveis a um grupo pequeno de pessoas. A taxa de crescimento humano e de uso dos recursos é maior do que a tecnologia para a reposição do consumo. A produção por hectare de milho é maior do que há 30 anos. Mas, na África, as pessoas ainda morrem de fome. É um problema também político. Nós somos escravos da tecnologia, como usuários de crack e cocaína. A sociedade de hoje entrou em um parafuso de consumo e tecnologia que não consegue sair mais. Só vamos retroceder se houver uma catástrofe. Quanto mais longe o país estiver deste centro de consumo e tecnologia, mais chance terá de sobreviver.
Como qualquer sujeito na modernidade, Ronaldo depende da tecnologia para trabalhar. Em seu laboratório, microcóspios com estrutura de plástico e outros recursos de análise científica. Em sua mesa, um laptop que o permite conversar com cientistas do mundo todo. “Trabalhei com muitos que sequer conheço fisicamente.” Quando está em campo, o biólogo carrega consigo variações tecnológicas, desde a rede para a coleta de insetos até a máquina fotográfica capaz de captar imagens em alta resolução.
Mas Ronaldo não rendeu à dependência. Pelo contrário, critica com veemência o estilo de vida do homem atual. “Temos coisas demais. Estendemos nosso corpo com os carros, as casas e o que guardamos dentro delas.” Neste sentido, a ciência não colaborou para uma mentalidade auto-sustentável. Apaixonado pela matemática, Ronaldo reforça que extraímos mais do que o planeta pode nos oferecer. A conta não fecha.
Guaiaó: Você respira ciência e fala dela com paixão. Como você a enxerga?
Ronaldo: A ciência é destrutiva. Muitos cientistas se especializaram de tal maneira que não conseguem falar de outros assuntos em um nível minimamente razoável. Isso limita as pessoas. E a contribuição delas é prejudicada para o nosso futuro. Fora as influências econômicas na produção científica.
Guaiaó: Por que a ciência é destrutiva?
Ronaldo: Porque trabalha com processo analítico. Vamos desmatar, por exemplo, para ver como funciona. Pode ser que, no futuro, um biólogo esteja em um ambiente e, com um computador, consiga determinar o número de espécies. Mas a mesma tecnologia dita limpa tem origens no ambiente. De onde vieram as substâncias químicas que compõem o computador? Hoje, somos 7 bilhões de pessoas. Quantas o planeta pode suportar? Crescemos exponencialmente e todas as espécies que passaram por isso caíram a zero ou a níveis baixos para recomeçar.
Guaiaó: Por que, mesmo em nível global, não ocorre uma discussão científica integrada? Os problemas não costumam ser vistos isoladamente?
Ronaldo: Isso passa pela má educação. A própria ecologia tem problemas. Os ecologistas viam os ecossistemas como sistemas fechados. Hoje, sabemos que são abertos. Ou seja: tudo o que acontece dentro dele provoca efeitos fora. A Teoria Gaia, por exemplo, tem uma qualidade poética, mas nunca foi provada cientificamente. Se o planeta (Gaia) é um organismo vivo funcionando, você pode tirar um braço que continuará vivo. Quais partes você pode tirar para que ele continue vivo? Qual é o cérebro? Qual é o coração de Gaia?
Guaiaó: A tecnologia é uma necessidade humana, desde o início da História. Mas a tecnologia, no contexto de consumo, provoca dependência. A tecnologia é também destrutiva?
Ronaldo: Muitos acham que a tecnologia é capaz de salvar o mundo de seus problemas. Se você pegar os dez alimentos mais consumidos do mundo (arroz, batata, soja etc) e produzi-los de maneira artesanal, não dá para alimentar as 7 bilhões de pessoas. É matemática! Por outro lado, as concentrações humanas dão poder para alguém plantar longe sem sabermos como, com qual tipo de tecnologia. Os custos são cada vez maiores. E os alimentos orgânicos são cada vez mais caros e, portanto, acessíveis a um grupo pequeno de pessoas. A taxa de crescimento humano e de uso dos recursos é maior do que a tecnologia para a reposição do consumo. A produção por hectare de milho é maior do que há 30 anos. Mas, na África, as pessoas ainda morrem de fome. É um problema também político. Nós somos escravos da tecnologia, como usuários de crack e cocaína. A sociedade de hoje entrou em um parafuso de consumo e tecnologia que não consegue sair mais. Só vamos retroceder se houver uma catástrofe. Quanto mais longe o país estiver deste centro de consumo e tecnologia, mais chance terá de sobreviver.
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