sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Dois irmãos


Era uma vez dois irmãos. O mais velho nasceu em 1927. O mais novo chegou ao mundo há 20 anos. O intervalo de nascimento já seria assombroso para a história da medicina, mas fica ainda mais bizarro quando descobrimos que a mãe é a mesma. 

Dona Promessa pariu seus dois filhos por inseminação artificial. O pai é desconhecido. O que Dona Promessa fez, ao longo dos anos, foi trocar de marido para se sentir rejuvenescida. A cada novo padrasto dentro de casa, nascia nos filhos a esperança de um protetor até o fim.

Ambos alimentavam o sonho de ter uma vida plena, com recursos e acompanhamento de perto para que deixassem de ser o que mais detestavam: um projeto da mãe.

Depois de uns três padrastos – o número é impreciso por conta dos amantes ocasionais -, o filho mais velho saiu de casa. Cansou-se de uma existência embrionária. Sentia-se uma criança mal amada. Sentia que – se ficasse em casa – jamais se tornaria um adulto.

Magoada, Dona Promessa o enterrou em vida. Tinha um filho caçula, mais popular entre os parentes ingênuos, todos crentes que o menino finalmente vingaria. O garoto acreditou nas profecias maternas. Jurou que jamais seria como o irmão, um projeto inacabado de família.

O menino foi coberto de mimos. Ganhou até um animal de estimação. O tucano substitua o irmão. Fingia dialogar com o bicho, que tagarelava como um papagaio. “Trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana.” Era a frase que o menino mais adorava ouvir do tucano, que gritava sempre que um flash se acendia.

Dona Promessa sentia um vazio. Não percebia que a ausência do filho mais velho a machucava. Convivia com a intuição de que alguém precisava fazer companhia ao caçula.

Em 2010, Dona Promessa tomou uma decisão. Ela importou um primo dos meninos, na casa dos 50 anos de idade. O problema é que o primo apresentava uma deficiência: era menor do que os demais, uma maquete de gente. Mesmo assim, Dona Promessa fez festa. Veio até um tio distante, José Serra, cortar o bolo. Afinal, o primo tinha grife, nome e sobrenome: Ponte Santos-Guarujá.

Naquele mesmo ano, uns seis meses depois, dois acontecimentos alteraram a biografia da família. O primo morreu. Dizem as más línguas que Dona Promessa o enterrou sem derramar única lágrima.

A boa notícia foi que o filho mais velho (seria o bom filho?) à casa retornou. Embora idoso, o Túnel Santos-Guarujá não passa de uma criança por vezes simpática, suficiente para alegrar o irmão, que cresceu um pouquinho este ano. Pena que ainda não consegue ficar de pé. O VLT, apelido carinhoso do pivete, sofre até hoje as consequências de uma gravidez mal planejada.

Nas últimas duas semanas, foi possível ver os dois irmãos brincando embaixo da mesa, nas reuniões de família, na casa de Dona Promessa. Até o tucano, que andava meio amuado, andou berrando com os garotos. Túnel e VLT apostam que mamãe os tratará melhor ano que vem, quando os clientes farão votos de sucesso a mais um aniversário de Dona Promessa.

Para desgosto deles, Dona Promessa jurou de pés juntos, no último encontro familiar, que estava grávida. E que Túnel, o mais velho, teria um irmão gêmeo. Outro túnel? Até o tucano duvidou. Dúvida que contaminou todos os parentes, cientes que aquela mãe nunca quis que seus filhos crescessem. Nunca quis que seus projetos virassem obras feitas.

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