terça-feira, 16 de julho de 2013

O protesto oficial


Esperei cinco dias por desconfiança. A ressonância seria compatível com as intenções? O fracasso seria coerente com o passado nebuloso? Pouco me importa se militantes (ou não) receberam R$ 50, R$ 70 para se envolver nas manifestações da quinta-feira passada. Parece-me mais cinismo de veículos de imprensa ou de leitores de classe média quando mordem suas coxinhas. É café pequeno diante de um banquete de interesses políticos e eleitorais. 

As manifestações organizadas pelas centrais sindicais, que tem todo o direito para tal, resultaram em uma grande gafe. Mais uma velha estratégia para integrar o rescaldo de um cenário novo e instável. Tive esta impressão no dia, mas – calejado pelas aparências enganosas em tempos de gritos nas ruas – preferi aguardar e amadurecer melhor as ideias.

Os protestos de quinta-feira confirmaram o que se pensa, qual a imagem que se tem das centrais sindicais, todas contaminadas por partidos políticos no sentido mais perverso das relações institucionais. A CUT é braço do PT. A Força Sindical virou quintal do PDT de Paulinho. A UGT fez até campanha para José Serra e está nas mãos do PSD de Kassab. Houve um loteamento típico, que se encaixa no jeito de se fazer política partidária no país.

Por mais que as pessoas não acompanhem as entranhas destes casamentos, elas sentem cheiro de matrimônio e, muitas vezes, percebem os relacionamentos promíscuos, mascarados por cargos e alianças. A baixa adesão ratificou o protesto como segmentado, domesticado, e não de massa, sempre imprevisível e emocional.

As centrais sindicais chegaram atrasadas, assim como a classe política, nas manifestações. Parte delas tentou se apoderar dos louros das mudanças no mês passado. As centrais, de fato, digeriram mal as reações – sem entrar no mérito – contra sindicatos e partidos, que colocaram ambos no mesmo saco de rejeição.

Na política, a descrença geral não separa culpados, cúmplices e vítimas. Todos tem sua parcela de autoria no crime. E a chance de acertar no réu, de amigos de caráter duvidoso, é maior, definitivamente. Os sindicalistas deveriam saber, até porque muitos deles arrastam os sapatos enlameados.

Os protestos da semana passada foram, simbolicamente, coerentes. Nas ruas de Santos, cidade onde moro, muita gente refutou o discurso de adesão, reclamou dos transtornos no trânsito, do comércio fechado, do atraso em diversos serviços. Nem deu bola para o rol de exigências das centrais. Exercitou o individualismo com prazer, de fato e de direito.

Com exceção do movimento dos estivadores, dentro de suas particularidades, a impressão é que as pessoas não conseguiam entender com clareza o que as centrais sindicais queriam. Reivindicação como jornada de 40 horas, de tão antiga, pareceu sanduíche de pão amanhecido.

Poupar a classe política, sem dar nomes aos alvos, também pegou mal. De rabo preso, as centrais sindicais não mencionaram Dilma Rousseff, Lula e aliados do PT. Até FHC e Alckmin, geralmente malhados como Judas nos protestos, pararam nas gavetas do cessar fogo político.

A imprensa, é claro, fez seu papel no Dia Nacional de Luta. As emissoras de TV, abertas ou a cabo, focalizaram nas consequências para a vida urbana. Trânsito, relação com a polícia, atrasos, serviços paralisados etc. A pauta das centrais foi solenemente ignorada. O jeito era buscar nos jornais que, mesmo assim, deram caráter secundário ao cardápio de queixas.

As centrais sindicais pagaram o preço das escolhas que fizeram a partir do final do século passado. E entraram também no elenco da crise de representatividade. Muitos sindicatos, infelizmente, viraram feudos, castas que não se renovaram. Não se renovaram somente nas lideranças. Mantiveram um discurso quase incompatível e desatualizado no entendimento das relações trabalhistas. Em outras palavras, não compreendem para que servem. E muitos trabalhadores se sentem arrepiados e revoltados quando ouvem falar em contribuição sindical.

Em Santos, sindicatos portuários e dos petroleiros ainda conseguem espaço na agenda pública para debater as relações de trabalho e denunciar abusos. Sustentam um choque político fundamental, ainda mais numa cidade provinciana.

Uma ou outra entidade, como a Servidores Públicos, obtém vitórias pontuais, como a greve de 24 horas após 18 anos. Os demais sindicatos, infelizmente, perderam força por conta do esvaziamento dos próprios trabalhadores ou viraram brinquedos de dirigentes de mandato perpétuo. Os professores que o digam!

Cinco dias se passaram e a manifestação de quinta-feira morreu como página virada de notícia velha. Na maioria das grandes cidades, o protesto implodiu na hora do almoço, como se tudo devesse caminhar para a normalidade.

A vida política seguiu com novos pequenos escândalos, projetos aprovados no final do expediente, deputados trocando benefícios por mordomias. Até as redes sociais, palco e gatilho de conflitos políticos, se calaram diante do tiro no pé das centrais sindicais.

Talvez tudo se resuma na pergunta de um sujeito no Facebook: você foi ao protesto oficial? O próprio nome decreta a sentença de morte. Quando vira oficial, chama-se desfile.

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