quarta-feira, 10 de julho de 2013

Cansado, exausto, farto


O som escapa pelos dedos. Os ruídos da cidade retomam a rotina. Buzinas, pés apressados, irritações individuais, problemas urgentes. Os gritos somem aos poucos. As faixas desaparecem. As reivindicações se diluem nas palavras padronizadas e vazias de quem torceu da arquibancada para que tudo fosse como antes. 

É impossível não ter raiva. É impossível não engolir a seco a frustração de quem fez 1 a 0 e não soube ampliar a vantagem. É impossível não se desiludir quando a inércia esmagou a mudança porque não se soube dar o segundo passo. A pressão pelo basta se dissolveu em questões mesquinhas. A criança arrombou a loja de doces e não entendeu o que poderia comer e muito menos o que poderia levar para casa.

Ver os fatos sendo apagados por conta de factóides, construídos por velhos métodos de antigos caciques, me provoca cansaço. Tira-me a vontade de racionalizar para compreender. Assassina o desejo de ler o todo, quando enxergo no horizonte da próxima esquina a velha frase pintada na manchete: “Jogamos como nunca, perdemos como sempre.”

Honestamente, estou cansado de ser educado com vagabundos que sorriem por cima de suas gravatas importadas. Vagabundos que decoram palavrórios que se encaixam em qualquer situação. Discorrem sobre assuntos que não conhecem, sobre cenários que nunca frequentaram, sobre pessoas que os deixam enojados só de pensar nelas.

Vagabundos que vomitam projetos e ideias natimortas, sem a cara de espanto de quem deveria ser exposto como fraude. Vadios que me fazem trabalhar um terço do ano para pagar impostos. Vadios que gargalham de instituições que deveriam investigá-los e provar, como qualquer criança de dez anos faria com matemática elementar, que ganham muito menos em comparação ao que ostentam. Criminosos que desfilam e esfregam na minha cara o que compraram com meu dinheiro.

Estou exausto de ler, ouvir e testemunhar episódios de uma política fla-flu, que se sustenta e se esvazia em práticas gêmeas, de duas instituições partidárias que navegam para se agarrar na próxima boia de privilégios e mamatas que só o poder concede. Cansa observar que a vida pública corroeu e reduziu as conversas ao slogan “se você não está comigo, está contra mim.”

Estou farto de assistir aos bajuladores que se penduram no saco alheio antes do bajulado respirar, quanto mais espirrar. Gente que se agarra em cargos porque está viciado em não se mover e ganhar pela inoperância. Gente que distorce o quanto for possível para construir e alimentar bonecos de terno nascidos em ficção científica. Bonecos que repetem mantras sem caráter quando apertamos seus braços, que recitam o papo furado de uma realidade inexistente.

Sinto náuseas ao ouvir – como um disco quebrado – as promessas da revolução que nasce e morre no boteco. As palavras que brotaram da meia dúzia de livros mal lidos e adaptados às migalhas de um poderzinho que só funciona até a terceira garrafa. A revolução que segue na sala escura, atrelada a tempos mortos, que se molda na cadeira do poder e encena por a mão nas feridas sociais multiplicadas como tumores, enquanto se aplicam doses suaves de gotinhas contra gripe.

Mergulho na vergonha alheia ao acompanhar coleguinhas falando de um mundo que não existe além do shopping center. Jornalistas que mastigam rótulos que mal resolvem as leituras do que acontece ao redor. Jornalistas que, por incompetência ou apego ao status que nunca terão, mudam de ponto de vista a cada manchete e apontam o dedo como carrascos ou juízes por direito adquirido. Ficam contentes em virar o leme para onde a correnteza indica, mesmo que o vento aponte a tempestade na próxima curva do rio.

Estou cansado de apostar no próximo fio desencapado que alteraria a trama em que vivemos. Exausto por acreditar e me ver enganado outra vez porque apostei em fantasias. Farto em defender o que poderia nos conduzir a outras histórias, olhar para os lados e notar que o prato do dia é a próxima promoção do supermercado, a próxima liquidação da coleção de inverno da boutique do bairro.

Confesso, pronto. Acreditei em novos ares no último mês. Talvez seja o desabafo momentâneo de vestiário, antes da volta para o segundo tempo. Ainda creio numa mudança. Quem sabe o otimismo tente penetrar no cínico?

O otimismo, mesmo cambaleante, tem limites. Desconfiança de si mesmo e do cenário pela janela ou na rua, não sei. Esperança, tomara que não.

6 comentários:

  1. Nossa, mesmo sendo um cenário triste e sombrio, como você escreve bem...bom ser contemporâneo de pessoas assim...

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  2. Ñ estás só, Marcus. Mas é importante q tentemos entender, por nós mesmos, o q aconteceu. Se te consola, penso q o motivo do teu cansaço reflete só uma fração do país. Ñ foi o 'povo brasileiro' q saiu às ruas após a PM baixar o pau no MPL, só uma parte dele. Uma parte feia, verdade, mas é a parte que vemos nas redes sociais, dispersa, vazia, despolitizada. Ñ se faz revolução sem base política. Ñ estamos prontos. Mas ñ perca o desejo de ler o todo.

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  3. Marcão, meu eterno professor: creio que se trata de uma compulsão irrefreável pelas causas perdidas - e em defesa delas - que nos faz olhar pela janela e ver esse teu texto descer como os letreiros de um final de filme, que tá na cara que vai ter continuação. De forma particular, minha decisão é por não nutrir nenhuma esperança, viver de forma intensa e na contramão, num flagrante compromisso com tudo o que for pária, marginal, desprezado, oprimido, vandalizado. Num paradoxo, talvez aí esteja a minha esperança. No mais, esse é o preço da crítica. Como dizia o Capote, com o dom vem o chicote. Um abraço afetuoso!!

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  4. Belo texto, Marcão!!!Parabéns
    Alcemir "Mimi" Emmanuel

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  5. Rapá!!!!! Dentro de um cenário caótico que vivemos o seu texto vai justamente na contramão!!!! Muito bem escrito, o que nos faz pensar dos vampiros que nos rodeiam todos os dias de nossas vidas!!!!!
    Qro lhe parabenizar pelo maravilhoso texto!


    Moisés Silva

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