O presidente da Câmara dos Deputados no Maracanã |
O Movimento Passe Livre entrou para a história. O grupo foi responsável pelo gatilho que desencadeou uma série de mudanças políticas. Ou, pelo menos, fez com que muitos políticos se movessem para congelar ou reduzir tarifas de ônibus pelo país.
Um mês e meio depois, ainda temos efeitos. São Vicente, até então inerte, anunciou na semana passada a redução nas tarifas das lotações. O preço caiu de R$ 2,70 para R$ 2,60. Paulínia, na região de Campinas, foi a quinta cidade brasileira a implantar o passe livre. Na cidade de 87 mil habitantes, a passagem custava R$ 1.
É claro que o movimento não esperava ter controle da situação. Colocou em prática uma pauta política cristalina, inclusive dialogando com outros setores. O problema é que ninguém poderia prever que outro grupo exploraria comercialmente a ideia do passe livre. Esta turma não teve qualquer sutileza para roubar um conceito. Eles falam até em patentear o custo zero, mas o verbo da frase anterior é o que mais se aproxima de uma verdade concreta.
Este novo movimento é ousado nas suas aspirações. Não discute sobre ônibus nem pensa em transportes terrestres ou de massa. O novo Passe Livre finge se renovar na roupagem para justificar sua existência. Até para não atrair a ira dos adeptos do Passe Livre original (bem mais decente, óbvio).
Os integrantes do Passe Livre Corporation não se vestem casualmente. Só terno e gravata. Sabem que a alma do negócio é se espalhar pelo país. A sede é Brasília, mas há filiais rentáveis no Rio de Janeiro e em São Paulo. Monitores e aprendizes se multiplicam por cidades menores, mas são vistos como amadores, que entendem os carros oficiais como o auge do passe livre.
Para os profissionais da Passe Livre Corporation, o céu é o limite, com o perdão do clichê. Transporte gratuito é sinônimo de aviões da Força Aérea Brasileira e helicópteros. Entre eles, família não são colegas de protesto. Prova de amor é carregar empregada, amigos, noiva, netos. Manifestação só em casamento, na arquibancada do Maracanã, na casa de praia.
A Passe Livre Corporation investe na formação contínua de seus integrantes. É fundamental manter as conquistas, sempre custeadas com o bolso alheio. O curso não aceita qualquer um. Só se entra por indicação, seja das urnas, seja dos cargos distribuídos pelas alianças da “governabilidade”.
No entanto, é preciso esclarecer que existem duas castas. Os alunos-sócios indicados pelas urnas possuem mais prestígio e ganham o direito de usufruir primeiro da gratuidade no transporte aéreo. Aviões e helicópteros sempre à disposição. Já os donos de cargos têm carteirinhas provisórias, uma espécie de meia entrada renovável a cada quatro anos.
Com acesso restrito, a Escola Passe Livre – braço educacional da Passe Livre Corporation – mantém a fama de rigorosa. Entre as disciplinas, Filosofia, cujas aulas focalizam a relação entre o público e o privado. Na corrente patrimonialista, não existe separação entre os dois termos. Tudo é de todos. Nada é de ninguém. Filosófico, não?
Os alunos-sócios aprendem também a arte da interpretação. Entre as aulas, 1) fingir surpresa para a imprensa; 2) alegar compromisso oficial; 3) falar em devolver dinheiro (ou reciclar verbas de terceiros, quartos e quintos); 4) argumentar que todos fazem isso; e 5) criar novos fatos que apagarão os anteriores.
As boas e as más línguas fofocam que o mestre mais querido se chama Renan Calheiros. Ele pratica o Passe Livre desde Alagoas, onde começou os estudos. Mas, para os calouros, divide a popularidade com o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, que oferece jantares para novos e velhos associados.
O último Passe Livre gastronômico custou R$ 28,4 mil e reuniu 80 pessoas, cerca de R$ 355 por cabeça. Para Henrique Eduardo Alves e seus convidados, passe livre. Para nós, a conta da merenda.