sexta-feira, 26 de julho de 2013

A Escolinha do Passe Livre

O presidente da Câmara dos Deputados no Maracanã

O Movimento Passe Livre entrou para a história. O grupo foi responsável pelo gatilho que desencadeou uma série de mudanças políticas. Ou, pelo menos, fez com que muitos políticos se movessem para congelar ou reduzir tarifas de ônibus pelo país. 

Um mês e meio depois, ainda temos efeitos. São Vicente, até então inerte, anunciou na semana passada a redução nas tarifas das lotações. O preço caiu de R$ 2,70 para R$ 2,60. Paulínia, na região de Campinas, foi a quinta cidade brasileira a implantar o passe livre. Na cidade de 87 mil habitantes, a passagem custava R$ 1.

É claro que o movimento não esperava ter controle da situação. Colocou em prática uma pauta política cristalina, inclusive dialogando com outros setores. O problema é que ninguém poderia prever que outro grupo exploraria comercialmente a ideia do passe livre. Esta turma não teve qualquer sutileza para roubar um conceito. Eles falam até em patentear o custo zero, mas o verbo da frase anterior é o que mais se aproxima de uma verdade concreta.

Este novo movimento é ousado nas suas aspirações. Não discute sobre ônibus nem pensa em transportes terrestres ou de massa. O novo Passe Livre finge se renovar na roupagem para justificar sua existência. Até para não atrair a ira dos adeptos do Passe Livre original (bem mais decente, óbvio).

Os integrantes do Passe Livre Corporation não se vestem casualmente. Só terno e gravata. Sabem que a alma do negócio é se espalhar pelo país. A sede é Brasília, mas há filiais rentáveis no Rio de Janeiro e em São Paulo. Monitores e aprendizes se multiplicam por cidades menores, mas são vistos como amadores, que entendem os carros oficiais como o auge do passe livre.

Para os profissionais da Passe Livre Corporation, o céu é o limite, com o perdão do clichê. Transporte gratuito é sinônimo de aviões da Força Aérea Brasileira e helicópteros. Entre eles, família não são colegas de protesto. Prova de amor é carregar empregada, amigos, noiva, netos. Manifestação só em casamento, na arquibancada do Maracanã, na casa de praia.

A Passe Livre Corporation investe na formação contínua de seus integrantes. É fundamental manter as conquistas, sempre custeadas com o bolso alheio. O curso não aceita qualquer um. Só se entra por indicação, seja das urnas, seja dos cargos distribuídos pelas alianças da “governabilidade”.

No entanto, é preciso esclarecer que existem duas castas. Os alunos-sócios indicados pelas urnas possuem mais prestígio e ganham o direito de usufruir primeiro da gratuidade no transporte aéreo. Aviões e helicópteros sempre à disposição. Já os donos de cargos têm carteirinhas provisórias, uma espécie de meia entrada renovável a cada quatro anos.

Com acesso restrito, a Escola Passe Livre – braço educacional da Passe Livre Corporation – mantém a fama de rigorosa. Entre as disciplinas, Filosofia, cujas aulas focalizam a relação entre o público e o privado. Na corrente patrimonialista, não existe separação entre os dois termos. Tudo é de todos. Nada é de ninguém. Filosófico, não?

Os alunos-sócios aprendem também a arte da interpretação. Entre as aulas, 1) fingir surpresa para a imprensa; 2) alegar compromisso oficial; 3) falar em devolver dinheiro (ou reciclar verbas de terceiros, quartos e quintos); 4) argumentar que todos fazem isso; e 5) criar novos fatos que apagarão os anteriores.

As boas e as más línguas fofocam que o mestre mais querido se chama Renan Calheiros. Ele pratica o Passe Livre desde Alagoas, onde começou os estudos. Mas, para os calouros, divide a popularidade com o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, que oferece jantares para novos e velhos associados.

O último Passe Livre gastronômico custou R$ 28,4 mil e reuniu 80 pessoas, cerca de R$ 355 por cabeça. Para Henrique Eduardo Alves e seus convidados, passe livre. Para nós, a conta da merenda.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

O ato contra Deus


Os médicos estão deslocados. Derrotados politicamente, eles assistiram à dez categorias da área da saúde vibrarem com o veto parcial da presidente Dilma Rousseff ao Ato Médico, depois de 11 anos de tramitação. Os médicos, com perdão da generalização, reforçaram a imagem de arrogantes, pela postura dos conselhos, que optaram por espernear a negociar. A promessa é brigar no Congresso Nacional pela medida. 

As reações são sintomáticas. A doença, identificada como corporativismo extremus, se manifesta também por conduzir os homens de branco ao isolamento. Ao mesmo tempo, os sinais apontam para cegueira social, interpretada pelos adversários como a cicatriz do Complexo de Deus.

Um exemplo foi quando a categoria resolveu ir às ruas para protestar, não pelo Ato Médico, claro, mas contra a proposta de importação de médicos de outros países como Cuba, Portugal e Espanha. Soou patético ver profissionais e estudantes carregando faixas e cartolinas, sem apoio mínimo da população e completamente alienados à pauta pública dos protestos pelo país.

A doença, repito, eleva a miopia sobre o que acontece a sua volta. Os médicos perderam a oportunidade política de atrair à opinião pública quando o Governo fez a proposta de importar colegas. A ideia integra a lista de invencionices mirabolantes da gestão Dilma que, assim como as anteriores, reage por reflexo, sem mexer nas vírgulas que confundem a leitura do país.

Os médicos jogaram no lixo séptico a chance de expor um governo que finge escutar as ruas, enquanto responde por propostas natimortas e inúteis. A categoria embarcou numa dose de remédios pontuais, que pouco ou nada abalam o debate real, urgente, que merece terapia intensiva.

Ninguém entendeu, para variar, os garranchos médicos, que alertavam para as deficiências estruturais do sistema de saúde. Eles se comportaram como crianças birrentas, que batem os pés contra a ausência de doce no almoço, em vez de duvidar da pedagogia da mãe. No caso, de nome Dilma.

Até o momento, o Governo venceu – com doses homeopáticas – o tratamento dos médicos dado às duas questões. A história mostra que quem luta em duas frentes de batalha simultaneamente morre de inanição.

A gritaria médica segue anêmica. Os médicos, em reação febril, misturam e, por conta disso, diluem argumentos, que reforçam o corporativismo como a doença que corrói a categoria. Todos os grupos tendem ao espírito de corpo, raro cortar a própria carne, mas não significa virar as costas para outros problemas nacionais. E muito menos se fechar ao diálogo com outras categorias da saúde, que fornecem suporte nos hospitais e clínicas.

Propor dois anos de dedicação ao SUS para recém-formados, trazer cubanos, espanhóis, portugueses ou alienígenas, fingir que não faltam médicos no país, desviar o termômetro que avaliaria a má formação dos universitários, tudo são velhos sintomas requentados para desinformar os pacientes.

Os pacientes são os que esperam na fila porque não tem dinheiro. Os pacientes somos nós que possuímos planos por conta de nossos empregos e esperamos menos meses por consultas. Os pacientes somos todos que não queremos mais cuidados paliativos de uma estrutura que parece saudável por fora, mas está repleta de tumores em seus órgãos.

Os pacientes sofrem de males reais, assim como os médicos, que infelizmente preferiram inocular em si o corporativismo tipo 3, variação da enfermidade que delega aos representantes a prática política nos corredores do poder, e não da vida dolorosa nos postos de saúde.

terça-feira, 16 de julho de 2013

O protesto oficial


Esperei cinco dias por desconfiança. A ressonância seria compatível com as intenções? O fracasso seria coerente com o passado nebuloso? Pouco me importa se militantes (ou não) receberam R$ 50, R$ 70 para se envolver nas manifestações da quinta-feira passada. Parece-me mais cinismo de veículos de imprensa ou de leitores de classe média quando mordem suas coxinhas. É café pequeno diante de um banquete de interesses políticos e eleitorais. 

As manifestações organizadas pelas centrais sindicais, que tem todo o direito para tal, resultaram em uma grande gafe. Mais uma velha estratégia para integrar o rescaldo de um cenário novo e instável. Tive esta impressão no dia, mas – calejado pelas aparências enganosas em tempos de gritos nas ruas – preferi aguardar e amadurecer melhor as ideias.

Os protestos de quinta-feira confirmaram o que se pensa, qual a imagem que se tem das centrais sindicais, todas contaminadas por partidos políticos no sentido mais perverso das relações institucionais. A CUT é braço do PT. A Força Sindical virou quintal do PDT de Paulinho. A UGT fez até campanha para José Serra e está nas mãos do PSD de Kassab. Houve um loteamento típico, que se encaixa no jeito de se fazer política partidária no país.

Por mais que as pessoas não acompanhem as entranhas destes casamentos, elas sentem cheiro de matrimônio e, muitas vezes, percebem os relacionamentos promíscuos, mascarados por cargos e alianças. A baixa adesão ratificou o protesto como segmentado, domesticado, e não de massa, sempre imprevisível e emocional.

As centrais sindicais chegaram atrasadas, assim como a classe política, nas manifestações. Parte delas tentou se apoderar dos louros das mudanças no mês passado. As centrais, de fato, digeriram mal as reações – sem entrar no mérito – contra sindicatos e partidos, que colocaram ambos no mesmo saco de rejeição.

Na política, a descrença geral não separa culpados, cúmplices e vítimas. Todos tem sua parcela de autoria no crime. E a chance de acertar no réu, de amigos de caráter duvidoso, é maior, definitivamente. Os sindicalistas deveriam saber, até porque muitos deles arrastam os sapatos enlameados.

Os protestos da semana passada foram, simbolicamente, coerentes. Nas ruas de Santos, cidade onde moro, muita gente refutou o discurso de adesão, reclamou dos transtornos no trânsito, do comércio fechado, do atraso em diversos serviços. Nem deu bola para o rol de exigências das centrais. Exercitou o individualismo com prazer, de fato e de direito.

Com exceção do movimento dos estivadores, dentro de suas particularidades, a impressão é que as pessoas não conseguiam entender com clareza o que as centrais sindicais queriam. Reivindicação como jornada de 40 horas, de tão antiga, pareceu sanduíche de pão amanhecido.

Poupar a classe política, sem dar nomes aos alvos, também pegou mal. De rabo preso, as centrais sindicais não mencionaram Dilma Rousseff, Lula e aliados do PT. Até FHC e Alckmin, geralmente malhados como Judas nos protestos, pararam nas gavetas do cessar fogo político.

A imprensa, é claro, fez seu papel no Dia Nacional de Luta. As emissoras de TV, abertas ou a cabo, focalizaram nas consequências para a vida urbana. Trânsito, relação com a polícia, atrasos, serviços paralisados etc. A pauta das centrais foi solenemente ignorada. O jeito era buscar nos jornais que, mesmo assim, deram caráter secundário ao cardápio de queixas.

As centrais sindicais pagaram o preço das escolhas que fizeram a partir do final do século passado. E entraram também no elenco da crise de representatividade. Muitos sindicatos, infelizmente, viraram feudos, castas que não se renovaram. Não se renovaram somente nas lideranças. Mantiveram um discurso quase incompatível e desatualizado no entendimento das relações trabalhistas. Em outras palavras, não compreendem para que servem. E muitos trabalhadores se sentem arrepiados e revoltados quando ouvem falar em contribuição sindical.

Em Santos, sindicatos portuários e dos petroleiros ainda conseguem espaço na agenda pública para debater as relações de trabalho e denunciar abusos. Sustentam um choque político fundamental, ainda mais numa cidade provinciana.

Uma ou outra entidade, como a Servidores Públicos, obtém vitórias pontuais, como a greve de 24 horas após 18 anos. Os demais sindicatos, infelizmente, perderam força por conta do esvaziamento dos próprios trabalhadores ou viraram brinquedos de dirigentes de mandato perpétuo. Os professores que o digam!

Cinco dias se passaram e a manifestação de quinta-feira morreu como página virada de notícia velha. Na maioria das grandes cidades, o protesto implodiu na hora do almoço, como se tudo devesse caminhar para a normalidade.

A vida política seguiu com novos pequenos escândalos, projetos aprovados no final do expediente, deputados trocando benefícios por mordomias. Até as redes sociais, palco e gatilho de conflitos políticos, se calaram diante do tiro no pé das centrais sindicais.

Talvez tudo se resuma na pergunta de um sujeito no Facebook: você foi ao protesto oficial? O próprio nome decreta a sentença de morte. Quando vira oficial, chama-se desfile.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Jogando pela imagem


A proposta de se cancelar o recesso de julho na Câmara Municipal de Santos é o termômetro ideal para se observar o comportamento dos vereadores. Nada mais sintomático que a ideia tenha nascido na presidência da Casa, hoje nas mãos de Sadao Nakai (PSDB). Afinal, a presidência é o símbolo de todo um grupo, de um modelo de gestão. É o representante político maior de seus colegas, não somente um cargo administrativo. 

O projeto de emenda à Lei Orgânica ainda precisa passar pela Comissão Permanente de Justiça, Redação e Legislação Participativa. É parte da dança burocrática e jurídica. Se o projeto chegar ao plenário, poderá ser votado até o final do ano e, claro, a mudança só valeria em 2014.

Na justificativa do vereador Sadao Nakai, a medida – que determina o período de sessões de 1º de fevereiro a 15 de dezembro – serve para moralizar e melhorar a imagem da instituição.

A proposta, além de tentar desenhar um novo rosto para o Poder Legislativo, é requentada. Pela quarta vez, em 20 anos, a Câmara Municipal discute o fim do recesso em julho. Nas ocasiões anteriores, os próprios vereadores mataram a ideia no apagar das luzes. São os velhos métodos que renascem quando a corda aperta no pescoço.

Acabar com o final do recesso também soa como demagogia. É claro que os vereadores – muito bem remunerados, por sinal – deveriam trabalhar também em julho, como qualquer servidor público. Servidor, e não funcionário, preste atenção no termo, caro leitor.

O problema é que as reações parecem tão encenadas quando o projeto. Em enquete feita pelo jornal A Tribuna, 17 dos 21 vereadores foram favoráveis. Apenas Douglas Gonçalves (DEM), Ademir Pestana (PSDB) e Roberto de Jesus (PMDB) disseram ser contrários. Em termos de imagem, poderia acreditar que os três foram corajosos de se virar contra o politicamente correto. Mas, curiosamente, todos recitaram o mesmo mantra.

Adivinhou? Os vereadores afirmam que trabalham demais em julho. Fazendo o quê? Ouvindo a população, analisando requerimentos, participando de audiências públicas, com pequenas variações nas vozes do coral parlamentar. E daí? Como usualmente o faz, a classe política se esforça para transformar obrigação em mérito.

De que adianta mexer no recesso se as atitudes pouco se alteraram? E os vícios tóxicos que permeiam as relações e as alianças políticas? A Câmara realizará mais sessões para distribuir medalhas, para conceder títulos e outras honrarias provincianas? Ou permanecerão vivos certos gabinetes que se vangloriam de serem máquinas de produção de requerimentos?

A Câmara do século 21 se perdeu no século passado. O Legislativo abandonou – salvo exceções individuais – seu papel de fiscalizar a Prefeitura. Vereadores foram cúmplices nas mudanças nocivas que a cidade sofreu nos últimos anos, como especulação imobiliária, problemas ambientais, política de transporte e trânsito. Salvo uma ou outra voz herege, os parlamentares sempre se ajoelharam e disseram amém a todas as canetadas do Paço Municipal.

A Câmara que pretende, pelas razões erradas, extinguir o recesso de julho é a mesma que desdenhou a voz das ruas nos primeiros 10 dias de protestos. O Legislativo só mudou de canoa quando a Prefeitura congelou a tarifa de ônibus e os manifestantes, literalmente, bateram na porta dos vereadores.

Um dos parlamentares de primeira viagem, aliás, questionou porque as pessoas protestavam na cidade, já que não havia ocorrido aumento no preço das passagens. Além de aprender rápido como negar a palavra a quem o elegeu, o vereador demorou – como muitos colegas – a entender que a luta não era por causa de 20 centavos.

O vereador Ademir Pestana (hoje no PSDB, mas que já foi PT) justificou que o recesso auxilia na economia da casa. Vamos falar de apertar o cinto? Por que não voltar a 17 vereadores, em vez de 21? Por que não reduzir o número de assessores? Talvez a conta ficasse mais barata para os moradores da cidade.

A Câmara costuma, como as demais instituições parlamentares, reagir com lentidão aos fatos. Cortar o recesso para ficar bonito na fotografia é sintomático para quem olha o próprio umbigo e suas mesquinharias do poder. Matar o recesso em julho não mudará, acredite presidente, a imagem dos vereadores. É preciso muito mais do que medidas que tentem acalmar a torcida.

Aliás, o presidente da Casa também disse à imprensa que o fim do recesso teria, entre outros objetivos, moralizar o Poder Legislativo. Ele poderia nos informar, então, onde reside a imoralidade?

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Cansado, exausto, farto


O som escapa pelos dedos. Os ruídos da cidade retomam a rotina. Buzinas, pés apressados, irritações individuais, problemas urgentes. Os gritos somem aos poucos. As faixas desaparecem. As reivindicações se diluem nas palavras padronizadas e vazias de quem torceu da arquibancada para que tudo fosse como antes. 

É impossível não ter raiva. É impossível não engolir a seco a frustração de quem fez 1 a 0 e não soube ampliar a vantagem. É impossível não se desiludir quando a inércia esmagou a mudança porque não se soube dar o segundo passo. A pressão pelo basta se dissolveu em questões mesquinhas. A criança arrombou a loja de doces e não entendeu o que poderia comer e muito menos o que poderia levar para casa.

Ver os fatos sendo apagados por conta de factóides, construídos por velhos métodos de antigos caciques, me provoca cansaço. Tira-me a vontade de racionalizar para compreender. Assassina o desejo de ler o todo, quando enxergo no horizonte da próxima esquina a velha frase pintada na manchete: “Jogamos como nunca, perdemos como sempre.”

Honestamente, estou cansado de ser educado com vagabundos que sorriem por cima de suas gravatas importadas. Vagabundos que decoram palavrórios que se encaixam em qualquer situação. Discorrem sobre assuntos que não conhecem, sobre cenários que nunca frequentaram, sobre pessoas que os deixam enojados só de pensar nelas.

Vagabundos que vomitam projetos e ideias natimortas, sem a cara de espanto de quem deveria ser exposto como fraude. Vadios que me fazem trabalhar um terço do ano para pagar impostos. Vadios que gargalham de instituições que deveriam investigá-los e provar, como qualquer criança de dez anos faria com matemática elementar, que ganham muito menos em comparação ao que ostentam. Criminosos que desfilam e esfregam na minha cara o que compraram com meu dinheiro.

Estou exausto de ler, ouvir e testemunhar episódios de uma política fla-flu, que se sustenta e se esvazia em práticas gêmeas, de duas instituições partidárias que navegam para se agarrar na próxima boia de privilégios e mamatas que só o poder concede. Cansa observar que a vida pública corroeu e reduziu as conversas ao slogan “se você não está comigo, está contra mim.”

Estou farto de assistir aos bajuladores que se penduram no saco alheio antes do bajulado respirar, quanto mais espirrar. Gente que se agarra em cargos porque está viciado em não se mover e ganhar pela inoperância. Gente que distorce o quanto for possível para construir e alimentar bonecos de terno nascidos em ficção científica. Bonecos que repetem mantras sem caráter quando apertamos seus braços, que recitam o papo furado de uma realidade inexistente.

Sinto náuseas ao ouvir – como um disco quebrado – as promessas da revolução que nasce e morre no boteco. As palavras que brotaram da meia dúzia de livros mal lidos e adaptados às migalhas de um poderzinho que só funciona até a terceira garrafa. A revolução que segue na sala escura, atrelada a tempos mortos, que se molda na cadeira do poder e encena por a mão nas feridas sociais multiplicadas como tumores, enquanto se aplicam doses suaves de gotinhas contra gripe.

Mergulho na vergonha alheia ao acompanhar coleguinhas falando de um mundo que não existe além do shopping center. Jornalistas que mastigam rótulos que mal resolvem as leituras do que acontece ao redor. Jornalistas que, por incompetência ou apego ao status que nunca terão, mudam de ponto de vista a cada manchete e apontam o dedo como carrascos ou juízes por direito adquirido. Ficam contentes em virar o leme para onde a correnteza indica, mesmo que o vento aponte a tempestade na próxima curva do rio.

Estou cansado de apostar no próximo fio desencapado que alteraria a trama em que vivemos. Exausto por acreditar e me ver enganado outra vez porque apostei em fantasias. Farto em defender o que poderia nos conduzir a outras histórias, olhar para os lados e notar que o prato do dia é a próxima promoção do supermercado, a próxima liquidação da coleção de inverno da boutique do bairro.

Confesso, pronto. Acreditei em novos ares no último mês. Talvez seja o desabafo momentâneo de vestiário, antes da volta para o segundo tempo. Ainda creio numa mudança. Quem sabe o otimismo tente penetrar no cínico?

O otimismo, mesmo cambaleante, tem limites. Desconfiança de si mesmo e do cenário pela janela ou na rua, não sei. Esperança, tomara que não.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

O PT está morto!


O PT morreu. É um cadáver que se transformou em páginas de memória recente, em lembranças que nos conduzem ao século passado. O PT das greves do ABC. O PT das Diretas Já, testemunha ocular da redemocratização. O partido que se envolveu com os caras-pintadas, símbolo da morte momentânea de um caçador de marajás e piloto de jet-ski. 

Os protestos das últimas três semanas enterraram, em definitivo, a velha estrela vermelha. E deu forma definitiva e assumida da nova versão, morta-viva, que suga o que pode – e o que não deveria – para se perpetuar no poder.

O PT de hoje é cúmplice de quem bate em manifestantes. O PT no governo não dialoga, somente sussurra para os movimentos sociais. É um partido que permitiu que suas lideranças mergulhassem até o fundo em alianças lamacentas e tóxicas com outras legendas em decomposição.

O PT de hoje tem ministros que sugerem as forças nacionais para acuar o que vê como vândalos e sua lista de reivindicações. Baderneiros que – um dia – pertenceram à agenda pública de quem compactua com o porrete no lombo de estudantes.

A militância jovem do PT foi a exceção, mas teve que esconder suas bandeiras nas ruas para não pagar o preço dos velhos caciques, que hoje – pelas atitudes – mais se parecem com generais de pijama. São semelhantes na fala, no olhar sobre o mundo e nas reações diante do imprevisto.

A direção do partido, por sinal, só autorizou a presença da militância e o abraço à causa quando a tarifa de ônibus foi reduzida em São Paulo. Nada mais petulante do que “autorizar” que as pessoas compareçam às ruas para romper o silêncio. Não é coisa de partido do outro extremo político? Depois, é sintoma de quem optou pelo pragmatismo dos acordos nocivos ao país.

O PT de tempos atuais aceita – e defende com tom mais elevado de voz – que Guilherme Afif Domingos seja ministro. O mesmo sujeito é filiado ao PSD de Gilberto Kassab e vice-governador de São Paulo. Mais do que tolerar, o PT abraça e sorri ao lado de Maluf, Sarney, o próprio Collor e Michel Temer.

O líder máximo do partido, um ex-presidente cuja barba simbolizava o pensamento de uma corrente, emudeceu. Por qué no hablas, poderia pedir o rei da Espanha? Luiz Inácio não se manifesta justamente quando a hora é de se expor e defender o rebanho. Lula, pelo contrário, jogou a ovelha-mor aos leões, talvez de olho no retorno à cadeira principal da capital federal.

Um ex-presidente pediu, certa vez, que esquecessem o que ele escreveu. A atual presidente dá a impressão que solicita, a todos nós, que esqueçamos o passado dela. Dilma Rousseff fala na TV como uma antiga matrona, que autoriza a bagunça, mas dá o pito: “Sem arruaças!” Ela mal fala de questões sociais. O discurso é quase sempre economicista, como se este fosse o único ângulo de análise dos problemas nacionais.

O PT de hoje caminha com um zumbi, na busca dormente por onde está o alimento. A carne crua da política dos esgotos. O partido, que esmaga as vozes descontentes de sua militância, se tornou o espelho de quem mais criticava. Abriu tanto a boca, que provou do veneno. E gostou!

Hoje, PSDB e PT se parecem irmãos siameses. Basta ouvir o discurso dos caciques. Pautas parecidas, perspectivas semelhantes. Governantes que discursam em conjunto para resistir contra o clamor popular. Governantes que só respondem quando sentem o gosto azedo vindo das urnas eletrônicas.

Dizem que o PT morreu com o mensalão. Mas ainda havia pulsação em quadros importantes, revoltados com seus líderes. Acabaram calados ou expulsos. Para eles, era possível sentir o cheiro de podre de um moribundo.

O PT morreu e não notou. Vaga pelos corredores do poder como um morto-vivo, incapaz de descansar e permitir a reencarnação de novos horizontes, infelizmente pouco provável em tempos de protestos nas ruas.