Numa campanha eleitoral
previsível e tediosa, o maior fenômeno da corrida à Prefeitura de Santos é o
perfil no Facebook chamado “Obra do Beto”. O perfil é uma versão humorística
dos cavaletes espalhados pela equipe do candidato do PP. Na versão virtual,
Beto Mansur é responsabilizado pela construção das sete maravilhas do mundo,
por ter cedido o jatinho a Neymar, pela criação do pastel de carne, da
sexta-feira e da Teoria da Relatividade, entre outras fantasias. Quase nove mil
pessoas já comentaram sobre este assunto. Quase três mil seguem a página no
Facebook.
Beto
Mansur disse à imprensa que gostou do tom bem humorado. Mas que sua equipe de
campanha estaria monitorando abusos. No velho estilo “bem ou mal, mas falem de
mim”, o candidato adotou, de fato, uma reação esperada. Brigar com o humor em
política significa, além de assinar embaixo nas contestações, aumentar o poder
de fogo do riso e do escárnio.
O
candidato do PP tem evitado conflitos. Mesmo quando provocado em debates, adota
o tom explicativo e conciliatório. Até porque as pesquisas indicam uma
tendência de aproximação da candidatura de Telma de Souza, atual segunda
colocada.
Mas
o fator principal é que Mansur possui o maior índice de rejeição entre os nove
concorrentes. Em média, 40% dos entrevistados jamais votariam nele, índice que
coloca em dúvida as chances de alcançar o segundo turno.
O
perfil “Obra do Beto”, mais do que provocar o candidato do PP, nos mostra dois
pontos importantes nesta campanha eleitoral. O primeiro é a presença do humor.
Rir dos políticos nos torna mais saudáveis para acompanhar os absurdos que
prometem e fazem, ainda mais expostos gratuitamente no rádio e na TV.
O
humor também alcança degraus de crítica que outras linguagens – o jornalismo,
por exemplo – não conseguem ou não desejam atingir. O humor cultiva a
capacidade de rirmos de nós mesmos, cientes de que os delírios da classe política
encontram abrigo e legitimidade em boa parcela do eleitor, suposta e
equivocadamente visto como ingênuo ou bondoso por princípios.
Na
campanha presidencial, dois anos atrás, houve uma tentativa de silenciar a
turma do humor. O tiro desnudou a faceta autoritária de alguns candidatos, que
se agarram na onda do politicamente correto. Esta onda, com o sorriso amarelo
de turma do bem, patrulha, persegue e condena como inquisidores aqueles que
pensam e agem fora do padrão.
O
segundo fator é que o perfil “Obra do Beto” não se restringe a Beto Mansur. Ele
apenas exercitou, de maneira mais escandalosa, uma prática comum aos políticos.
Candidatos, cedo ou tarde, cedem à tentação do personalismo. Abandonam suas
siglas, se esquecem por conveniência de suas equipes, e adotam o discurso do
“eu absoluto”. Eu fiz. Eu construi. Eu pensei.
A
megalomania é característica marcante dos narcisistas. E políticos são
narcísicos por natureza. Adoram uma plateia. Têm orgasmos políticos com os
holofotes. São viciados em bajuladores a sua volta. Em um dos debates na TV, o
candidato do PSDB, Paulo Alexandre Barbosa, usou tantas vezes a palavra “eu”,
que outro candidato – que não é exceção – advertiu o colega pelo comportamento
egocêntrico.
O perfil “Obra do
Beto” acrescenta molho a uma campanha sem tempero, na qual ninguém se arrisca,
na qual todos falam sobre os mesmos assuntos do mesmo jeito. A festa de frases
feitas e gestos devidamente calculados nos aponta que, no fundo, todos desejam
ser os pais da criança. Beto Mansur apenas pediu primeiro para fazer o teste de
DNA.