segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Beto, o homem que fala ...



Marcus Vinicius Batista

O deputado federal Beto Mansur, como todo político, gosta de falar. Articulações, costuras, diálogos, concessões, conflitos, tudo faz parte do cotidiano da política, ainda mais para um profissional de mandato.

Nesta semana, Beto foi aos microfones da imprensa explicar o que se tornou difícil de justificar. Beto usou como argumento um número mínimo de deputados para que a votação fosse nominal. A explicação é conveniente, aquela brecha no regimento – os parlamentares são mestres em cavar – que transforma uma questão moral em futilidade.

Se você não tem acompanhado a política nacional, Beto Mansur tentou defender porque os deputados federais não votariam nominalmente (ou seja, se identificando) a anistia para caixa 2. O deputado perdeu nova oportunidade de legislar em prol de seus eleitores, de quem ainda espera um país com o mínimo de seriedade de seus representantes.

Arrumar quatro deputados que assinassem um papel para valer a votação nominal é mais fácil do que gritar Jesus, família e curral eleitoral em plenário no processo de impeachment. Fora isso, trata-se de uma encruzilhada moral, que envolve um tema inerente às discussões sobre corrupção no país. Como assim, anistiar quem se utiliza de caixa 2?

A anistia quebra o eixo de um contexto no qual a corrupção é central, mas os parlamentares – que sempre dão o exemplo de como não se comportar – preferem olhar para o próprio umbigo e proteger o próprio rabo. Nenhum deles tocou no assunto, o que nos leva a crer que muitos deles desejam, no fundo, perdoar a si mesmos e manter os bolsos como bois gordos no pasto.

O deputado federal Beto Mansur está no auge da carreira parlamentar. Alçado pelo hoje órfão de amigo Eduardo Cunha, Mansur saiu do baixo clero para se tornar um cardeal na Câmara. E o poder em demasia sempre coloca o príncipe em exposição, já pregava Nicolau Maquiavel.

O ex-prefeito de Santos é hábil em jogar com as regras. Elegeu-se pela matemática eleitoral; primeiro, com Paulo Maluf; segundo, com Celso Russomano. Agora, repete a tática.

Em termos políticos, é essencial que o deputado consiga construir uma boa imagem além da Baixada Santista. Isso inclui o interior do Estado, com colégio eleitoral maior. Uma imagem capaz de minimizar – jamais apagar – a mancha das acusações de trabalho escravo ou do selfie inapropriado com o prefeito de Santos durante o incêndio na Alemoa.

Mansur é um sujeito experiente e sabe que seu destino é o Congresso Nacional. Salvo um milagre, ele não tem mais chances de retornar à Prefeitura de Santos. Imagino que, diante de tanta visibilidade, o deputado não pense mais em retornar para casa, exceto às quintas-feiras, todas as semanas.

Beto Mansur só tem que se precaver dos riscos do poder. Denúncias, burocracia do Poder Judiciário, fotinhas de rede social, tudo isso é troco da pizza. O problema é que, assim como os peixes, os deputados morrem pela boca. Vide o tubarão – que não é peixe, mas serve como - Eduardo Cunha.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

A lei e as cervejas



Marcus Vinicius Batista

A Câmara Municipal de Santos, de vez em quando, olha pela janela da torre de marfim, lá no alto do Castelinho. Isso costuma acontecer nos intervalos entre entregas de títulos e fotos sorridentes de acordos políticos. Uma exceção é a lei que regulamenta e estimula o desenvolvimento de cervejarias microartesanais na cidade.

A lei é do vereador Sandoval Soares (PSDB), futuro vice-prefeito de Santos, e tramita no Poder Legislativo. A legislação se tornou necessária não apenas pelo crescimento do setor na cidade; por sinal, organizado e consciente do cenário local. A lei é o espelho de um hábito cultural presente em Santos, no mínimo, desde o final da década passada.

O barateamento da tecnologia, o intercâmbio de informações e conhecimentos, somado à disciplina e paixão dos produtores, fizeram com as cervejas deixassem de ser mero elemento de consumo de massa em prateleiras de supermercados. E muito mais do que o superficial estereótipo que associa cerveja à embriaguez.

A cerveja artesanal é a demonstração de amor à bebida, a transformação dela em algo sagrado, esculpida por horas, com a união milimétrica de ingredientes. Os produtores de cerveja a entendem como o instrumento que conecta pessoas, que constrói relacionamentos duradouros, nascidos em volta de uma mesa, como a comunhão pela bebida que mudou de cor e textura.

Regulamentar a atividade significa, antes de mais nada, tirar as cervejas artesanais da clandestinidade. Aliás, uma clandestinidade falsa, permitida porque os legisladores, quase sempre, levam tempo para notar a dinâmica da cidade onde trabalham.

A lei prevê, por exemplo, a conexão entre as cervejas e o turismo, fundamental num município que se limita à cultura veranista. Recentemente, houve um pequeno encontro - se compararmos com a Oktoberfest de Blumenau -, capaz de servir como termômetro para o potencial das cervejas artesanais. Muitos endereços as vendem de maneira informal. De vendas na Internet a encontros na praça dos Andradas, passando por pizzarias e empórios.

Os produtores mexem com coisa séria e responderam de maneira positiva ao projeto de lei, que estabelece - por exemplo - ações educativas contra o alcoolismo, além de posturas ambientais. Cervejeiros artesanais não bebem aos galões. Suas obras de arte precisam de apreciação, de degustação. Alguns deles se tornaram sommeliers e ministram cursos. Nada de ser primo pobre do vinho.

Os microcervejeiros, pela lei, não poderão produzir mais de 3 mil litros mensais e trabalhar com maquinário industrial que armazene mais do que o dobro disso. Os produtores estão, em sua maioria, organizados em torno Confraria Santista da Cerveja (Conscerva). Alguns se tornaram representantes de marcas maiores, fruto de estudo e percepção de negócios.

O Brasil possui cerca de mil microcervejarias, mas apenas cerca de 300 estão regularizadas. Cidades como Campos de Jordão trabalham as cervejas como atração turística permanente, com lojas e eventos.

Em Santos, os produtores só querem transformar amor e prazer em trabalho, ao menos de forma oficial. Depende da Câmara Municipal olhar a cidade com sobriedade.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

A consciência humana?


Arte: Vinil Colante e Fixxa - Jardim Botânico de Santos

Marcus Vinicius Batista

Prometo todo ano que não vou escrever sobre racismo no Dia Nacional da Consciência Negra. Não consigo cumprir a promessa, diante da criatividade de muitos indivíduos que insistem em negar a discriminação no Brasil. É a velha turma que se esconde atrás de máscaras como “racismo velado” e outras baboseiras para perpetuar as desigualdades.

As palavras dizem muito sobre quem somos, inclusive quando tentamos usá-las para camuflar reais intenções. A bola da vez é a propagação do termo “consciência humana”. É a modinha politicamente correta, que sonha em sepultar a luta pela igualdade racial via negação.

Falar em consciência humana é reproduzir, em entrelinhas cosméticas, a mentalidade do branco, privilegiado ao longo dos processos histórico-sociais brasileiros. É, além de desqualificar a data, amenizar um problema que – brancos como eu – podem ajudar com debates, estudos e reflexões sobre o assunto, conscientes (perdoe-me pelo trocadilho) de que jamais, jamais sofreremos uma ínfima parcela da violência que acontece todos os dias, em todos os cantos.

A turma da “consciência humana” não peca somente pela má fé, mas também pela desinformação. É um desconhecimento atroz não apenas da História do Brasil, como também da trajetória de movimentos sociais ligados aos negros, a partir do século passado, e ainda das discussões internacionais em torno da violência calcada por discriminação étnico-racial.

A consciência humana passa um verniz mau cheiroso sobre a relação conflituosa entre a Casa Grande e a Senzala, que transformou – sem querer – Gilberto Freyre num profeta. O poder se torna permanente pela ausência de questionamento sobre si mesmo. O estado de coisas se mantém quando não se percebe que ele existe, como se adapta às pequenas queixas cotidianas, incapazes de sacudir a essência do contato entre controladores e controlados.

Consciência humana é aquela que elimina o candidato por não se encaixar na boa aparência. É aquela que não permite conhecer médicos, fisioterapeutas, dentistas, juízes, professores universitários, entre outras profissões, com pele mais escura. É aquela que estigmatiza a cor dos suspeitos na batida da polícia, a mesma que para o motorista de carrão pensando que é chofer ou ladrão. E a lista vai embora...

Turma da consciência humana, enquanto negarem o Dia da Consciência Negra, vocês estão negando parte considerável do país onde vivem. Pior: sonhando com uma terra tão fantasiosa como o “país do futuro”.

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 20 de novembro de 2016.
         

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A comédia de erros



Marcus Vinicius Batista

A prisão do ator Caio Martinez por policiais militares durante a peça "Blitz - O império nunca dorme" reacendeu o debate sobre censura e liberdade de expressão. Como uma comédia de erros, o episódio nos proporcionou cenas hilárias de pastelão, como equívocos propositais para enganar o público e manter a história sob suspense. O final, aliás, segue indefinido.

A repressão arrepiou a todos. Se até o governador Geraldo Alckmin e o jornal Folha de S.Paulo, em editorial, condenaram a ação dos policiais militares, o temor é mais do que justificável. O autoritarismo está vivo, nos olhando atrás das sombras.

Os policiais militares tomaram uma decisão pelo orgulho ferido. Tentaram ser mais realistas do que a corporação que servem e viraram personagens dos Três Patetas. Foi o humor infantil às avessas, de quem generaliza tudo, não enxerga a segunda camada do texto e reage sem perceber que a crítica institucional os defende, como trabalhadores mal remunerados e sujeitos a todo tipo de violência - não a teatral - no cotidiano.

Parte do público que consumiu o espetáculo de mídia pós-prisão também ficou com o pirulito na boca enquanto recebia tapas na cabeça. Muita gente caiu no conto da carochinha chamado "Agressão aos símbolos nacionais."

A versão foi a tentativa de reviravolta na comédia, dada por quem não quer parecer vilão da história. Na praça, os policiais não falaram em "uso indevido de símbolos nacionais", como aparece no Boletim de Ocorrência registrado no 1º Distrito Policial de Santos.

Lá, o discurso inicial era o som alto. Depois, o "tom" da peça. Nada de bandeira de cabeça para baixo ou outros exageros de fundo cívico, que mais lembram as aulas de Educação Moral e Cívica da ditadura militar. Tristes quem nunca percebeu a catequização do sistema educacional.

A versão que nasceu na delegacia e foi pulverizada pela PM tentou desmoralizar os artistas, criminalizá-los e ganhou eco no coral do bandido bom é bandido morto. A mesma turma que se cala diante dos baixos salários do policiais e silencia de medo quando é parada numa blitz por associar polícia à excesso de violência e corrupção.

A propaganda funcionou! A comédia de erros mudou de rumo e oscilou no maniqueísmo infantil de novela. Dali, brotaram investigações para acalmar os danos políticos. Os PMS deverão pagar pela distorção de leitura de mundo.

Muita gente adepta do "não vi e não gostei" partiu para o achismo imediato que justifica tese anterior - e se encaixa em tudo na vida - para ganhar a conversa. Jamais se coloca no lugar do outro. Até porque, se se colocasse no lugar dos policiais, os entenderia como indivíduos, passíveis de erros, e fruto de um treinamento e de uma rotina que os desumaniza.

A maior piada deste episódio é o não entendimento de que liberdade só existe como ato coletivo e é necessária para criticar, tanto artistas quanto policiais. A história se repete como farsa. Na história, os defensores do autoritarismo só se dão conta de que - cedo ou tarde - a mão de ferro caiu sobre eles quando não podiam mais reclamar ou falar, exceto dizer amém ou "Sim, senhor, senhor."

Até o governador sabe disso.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A blitz contra o humor



Marcus Vinicius Batista

O humor derruba os pretensiosos. Os policiais militares que, amargos, impediram a encenação da peça "Blitz - o império que nunca dorme" não entenderam a piada, no último domingo na Praça dos Andradas, no Centro de Santos.

O humor, quando político, serve para sacudir a arrogância de quem se considera universal, incontestável, a voz da autoridade e de seu lado perverso, o autoritarismo. A sátira, viva na peça, martelou além do muro dos estereótipos. Enfiou o dedo na ferida que os policiais sabem, de uma maneira ou outra, que sangra em silêncio.

O humor costuma ter dois caminhos e duas práticas. Além do caminho político, existe a retórica do preconceito, da piada destrutiva, do riso constrangedor de quem cutuca com a maldade. O humor nunca é bondoso, por sinal; ele nos dá as armas para devolver a opressão ou para promovê-la em tom gratuito. O humor como preconceito é raso, o que não foi o caso.

A fronteira sutil entre a política e o preconceito pode, por vezes, deixar de existir. Ambas se fundem, mesmo que a mensagem seja necessária. E o preconceito pode estar vivo naquele que se dói ao enxergar a si próprio como caricatura e busca aniquilar as palavras de protesto.

A peça não era inédita. Foram cerca de 50 apresentações em dois anos e meio. Policiais militares a assistiram em outros lugares, assim como é preciso separar a ação de indivíduos da instituição. O humor é genérico para que os indivíduos vejam o que sobrevive sob suas fardas, nas entrelinhas da hierarquia e da burocracia do poder instituído.

A peça Blitz funde duas práticas. A encenação é o Chalaça machadiano, do deboche imediato, tão presente na cultura brasileira. Reduzir o outro, o agressor, a pó na velocidade oposta da violência cotidiana duradoura. O espetáculo reproduz a característica erotizada do humor à brasileira, que se apropria da linguagem corporal para fazer graça.

Por outro lado, a peça se agarra na ironia, comportamento sofisticado de ataque e exposição do outro, de rasgar a vaidade ao meio como mecanismo de valorização da própria inteligência. Os apressados não veem a riqueza do subtexto que exala do corpo do palhaço. Os violentos morrem de vergonha e de raiva no primeiro giro do picadeiro.

Blitz cercou os policiais militares pela palavra. Por ironia, quem julgava prender os transgressores acabou algemado nas sutilezas da própria piada sem graça.

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 1º de novembro de 2016.