segunda-feira, 21 de março de 2016

O Complexo de Clark Kent



Marcus Vinicius Batista

Não é à toa que o Superman sempre se disfarçou de jornalista. Muitos, nesta profissão, se julgam infalíveis, quase deuses. Descobri e confirmei, nos últimos anos, que muitos juízes também padecem do mesmo mal. Por coincidência, ambas as profissões justificam a arrogância de suas decisões com argumentos como imparcialidade.

O juiz Sérgio Moro é o símbolo do momento político atual. Para muitos, ele já veste capa vermelha e cueca por cima da calça. No cenário de política polarizada e de infantilismo democrático, a trama em volta do super-herói da vez permite, no mínimo, uma análise por dois ângulos.

O primeiro deles envolve a própria figura do juiz de Direito. O Poder Judiciário costumava se manter seus representantes nas sombras. As instituições vinham à frente das pessoas. Com a fragilidade e deslizes dos poderes Executivos e Legislativo, o Judiciário - por meio de magistrados de várias instâncias - passou a acreditar que poderia ir além de suas fronteiras e participar como ator principal do processo político. Culpa também da classe política, que governa por meio, inclusive, de aberrações jurídicas.

O problema é que o olhar brasileiro sobre a política é de personificação, e não de compreensão de grupos de interesses ou de projetos de poder. Fala-se em governantes ou parlamentares como se eles estivessem acima das instituições, seja para bajular, seja para espinafrar por erros.

Os juízes passaram a acreditar, da primeira instância ao STF, que poderiam interferir individualmente, sem se ferir, nos processos políticos. O Complexo de Clark Kent é uma enfermidade que tem como um dos sintomas o espetáculo de mídia, que coloca o super-herói na condição de cavaleiro solitário, capaz de salvar o planeta por ser acima de qualquer suspeita.

Ao concordar com esta lógica, o juiz compra as mudanças de humor da opinião pública e se afasta do campo do Direito. A Justiça, na qual o olhar político deveria ter papel menor, se transforma num instrumento de uso quase que exclusivamente eleitoral. Os juízes entraram no palco, quando deveriam estar atrás das cortinas e se esqueceram que esta postura envolve um risco: o de receber tomates e ovos se tomarem decisões impopulares.

O segundo aspecto é quando o juiz com Complexo de Clark Kent adota, no campo da Ética, o pragmatismo de Maquiavel. O pragmatismo reza que uma ação só é ética quando se alcança o resultado desejado, não importando como se chegou nele. Simplificando, os fins justificam os meios.

Esta postura é inerente ao comportamento do político, porém era rechaçada por muitos juízes, que se sustentavam no distanciamento seguro do Poder Judiciário. Não foi o que aconteceu, por exemplo, com o juiz Itagiba Catta Preta, que vetou a posse do ex-presidente Lula como ministro.

O ponto não é a decisão, mas sim quem a tomou. O juiz tinha manifestado publicamente, em redes sociais e com presença em protestos de rua, que era contra o governo atual. Isso se chama, em Ética, de conflito de interesses. O juiz deveria, num campo ideal, se recusar a avaliar a liminar.

Ao se envolverem de maneira tão pessoal em problemas políticos graves, os juízes colocaram em xeque a imagem da Justiça, já desgastada por acusações de lentidão e de proteção a quem possui a conta bancária mais gorda. Infelizmente, vão aprender da pior maneira, a da exposição sem controle.


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