sexta-feira, 18 de março de 2016

A rainha nua e o primeiro ministro


Marcus Vinicius Batista

À parte a discussão jurídica derivada da guerra de liminares, não dá para aceitar moral e politicamente a decisão da presidente Dilma Rousseff em nomear Lula como Ministro da Casa Civil. Compreender como válida a nomeação implica em tolerar que os fins justificam os meios, prática recorrente e criticada na classe política.

Lula, acima de tudo, passou por cima de seu partido e pensou em salvar a própria biografia. Foi uma atitude de pai, termo usado com frequência pelo próprio ex-presidente enquanto governava o país. Pai tem um significado ambíguo, que transita daquele que protege e acolhe àquele que pune e passa impune por estar acima do bem e do mal.

Na política brasileira, ser pai é um comportamento perverso, repetitivo e aceito por boa parte do eleitorado. De Getúlio a JK. De Maluf a Lula. O pai é visto com cumplicidade, quase um totem a ser preservado pelo seu passado. Isso também reforça a ideia de que Lula estaria acima do PT e deveria se proteger e ser protegido, tanto política como judicialmente. Numa sociedade patriarcal, ironicamente, a culpa pertence à mãe.

O problema é que, ao proteger Lula, o governo sacrifica o PT. Protege uma história, incinera outra. Joga ao fogo o trabalho de milhares de militantes ao longo dos anos. E assume de vez um atestado de culpa derivado da sanha para manter a tal da governabilidade.

Lula agiu com coerência. Agiu como um caudilho latino-americano. Ele manipulou novamente as massas, demonizou seus opositores, se posicionou como um ícone acima das instituições e minimizou a credibilidade construída em setores que veem a política com mais racionalidade.

A cultura política latino-americana adora esses personagens. Valorizamos as personas, desprezamos os grupos como se eles não existissem e se escondessem atrás das personas, num relacionamento de simbiose como projeto de poder. Tenho a impressão, ao conversar com petistas de longa data, que muitos deles cultivam a esperança de ressurreição de um partido dilacerado pela ganância de poder de seus próprios integrantes, que venderam suas almas e terceirizaram a de seus militantes.

Lula, ao ser escolhido como ministro, tornou-se primeiro ministro informal e, ao pensar somente nele, jogou mais querosene no governo de Dilma. Lula, acredito eu, nunca pensou em Dilma. Nunca a deixou caminhar com as próprias pernas. Assim como em outras instâncias do PT, o Lula líder nunca se preocupou em formar novas lideranças, num ato de egoísmo em estado puro.

Na cultura dos caudilhos, os ex nunca são passado. Os ex sempre são atuais em estado de espera. Um general da reserva pronto para o combate e preparado sempre para lustrar seus próprios feitos. O substituto está destinado a ter, atrás de si, a sombra do ídolo de sempre.

A presidente Dilma Rousseff perdeu a oportunidade de demonstrar algum tipo de resistência. Virou coadjuvante na crise política, de modo que o impeachment é pregado mais contra um partido do que contra a ocupante do cargo mais alto.

Dilma é (ou foi) a presidente da continuidade e do continuísmo. Manteve as alianças com ratos que pensam em abandonar o navio que faz água. Reduziu programas sociais, que tinham sido a marca da gestão anterior. Reforçou um projeto de poder cinza, jamais verde. A usina de Belo Monte que o diga.

No campo político, a então ministra que era vista como um trator se apequenou diante do rei e o nomeou primeiro ministro. Apequenou-se também diante do vice-presidente soturno e eventualmente falastrão, premiado com cargos mesmo quando ele ameaçou correr para outros hospedeiros. O PMDB tem seis ministérios no momento.

Mais do que Lula, exposto mas capaz de se defender, quem mais perdeu com a criação do cargo de primeiro ministro foi Dilma. Ela está nua, mas sem notar que perdeu suas roupas, dando ouvidos àqueles que insistem que suas vestimentas são deslumbrantes. Como a fábula que se repete no Palácio do Planalto.

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