sábado, 20 de junho de 2015

A rola e os intolerantes


Ao mandar o pastor Silas Malafaia “procurar uma rola”, o jornalista Ricardo Boechat acendeu uma série de fogueiras inquisitórias. Não me cabe aqui cair na armadilha de fugir do assunto e discutir inutilidades como Boechat baixou o nível, merece ser processado ou perdeu a razão. Boechat falou o que muitos pensam, foi o porta-voz de muita gente e, se for preciso uma palavra forte para mover os acomodados, que se diga rola e que se traga o restante do dicionário!

No entanto, a fogueira que mais arde não é a dos palavrões, mas a da intolerância religiosa. Somos um país que mistura, desde o nascimento, religião e política. Sempre, aliás, em prol de uma ou mais religiões que ditaram moralidade e usufruíram das mamas do poder. Atualmente, parte do Congresso Nacional forma a bancada da Bíblia, nada coesa em termos de doutrina, mas unida para perseguir vozes dissonantes, exalar preconceito, trabalhar contra a cidadania e a favor de benefícios próprios.

A discussão entre o jornalista e o pastor deveria colocar na mesa o fato de que todas as religiões, cedo ou tarde, se defendem a partir do ataque ao outro. É uma guerra pela fé, poder e dinheiro alheio, que transformou as religiões em produtos, empresas e negócios bilionários. Marketing religioso é, hoje, uma área estabelecida e especializada.

Atacar os adversários atende também a duas exigências de um projeto de poder. Para crescer, qualquer religião ou seita precisa roubar fiéis de instituições adversárias. Para que isso aconteça, não valem somente pregações, discursos e intepretações do texto sagrado “que puxam a sardinha” e os outros peixes.

No boxe por Deus, prevalece um dos princípios básicos da Propaganda de Guerra: envolvimento emocional. Este envolvimento se sustenta no amor à alguém ou a uma causa e, de forma simultânea, à criação e personificação de um inimigo, que precisa ser odiado e, se possível, destruído. A simplicidade maniqueísta – expressão que nasce na religião, por sinal – é o motor da desinformação, do desrespeito e da truculência.

A História das Religiões é recheada de prateleiras com exemplos. Das Cruzadas à Jihad Islâmica. Das Igrejas neopentecostais ao Estado Islâmico. Da catequização indígena à perseguição contra judeus. Todas as guerras em andamento no século 21 têm, direta ou indiretamente, fundo religioso, a imposição de fé e doutrina via armas e mortes.

Frequentar uma igreja, templo, terreiro ou outro tipo de imóvel nunca salvou ninguém. Conheço espíritas que sorriem e falam sereno enquanto te prejudicam. Conheço evangélicos que vomitam preconceitos enquanto repetem comportamentos condenáveis entre quatro paredes.

Conheço católicos que falam em Jesus Cristo para, em seguida, prejudicar o próximo e lutar pelas migalhas do poder. Conheço gente que pede proteção aos orixás e, por conveniência, exala segregação e racismo no cotidiano. E conheço pessoas que são adeptas destas e de outras doutrinas e convivem conforme os preceitos que abraçaram, quando colocam a humanidade e o humanismo acima de textos e retóricas. 



A segunda fogueira, menos ardente, é a do politicamente correto. Ô gente chata, sempre disposta a podar pela moral e os bons costumes. A rola, cá entre nós, excita tantos que não conseguem parar de falar nisso. Pouco importa se Boechat chamou Malafaia de homofóbico, tomador de grana, explorador da fé alheia, otário, paspalhão, entre outros qualificativos, a maioria mais relevantes para que se compreender o sentido dado ao pênis em questão. Interessa se comportar como crianças na escola: “olha, tia, ele falou palavrão!”

Além disso, a patrulha também tenta desviar o foco, insinuando que Boechat teria sido homofóbico. Uma pitada de contexto nesta salada pornográfica. Ao mandar o pastor “procurar uma rola”, o jornalista usou um sinônimo para “vá para a casa do caralho”, “vá tomar no cú”. Para as senhorinhas horrorizadas, a legenda: “Malafaia, arruma alguma coisa para fazer. Vai ver se estou na esquina!”

Em vez de se analisar o contexto de um problema social extremamente grave que provocou essa semana casos de violência contra crianças, ficar procurando moralismo em uma palavra é se tornar tão intolerante quanto os líderes religiosos – não apenas neopentecostais – que constroem projetos de poder em cima da alienação, da ingenuidade e da hipocrisia.

A maior ironia desta imbecilidade dos intolerantes que falam em nome de Deus é que não conseguem perceber que vivem em um Brasil misturado pela fé. Basta ver que, quando o calo aperta, se acende vela para todos os santos, entidades, deuses e afins.

Ah, a História das Religiões está infestada de perversões sexuais, de várias maneiras, com e sem rola, mas sempre com o gôzo pelo poder!

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