sexta-feira, 19 de junho de 2015

Terra das tartarugas




Santos se comporta, por vezes, como o retrato do sonho brasileiro. É a terra onde se planta e tudo dá. A cidade do futuro. E outros clichês de um lugar onde suas lideranças políticas insistem em vislumbrar o amanhã, sem pavimentar o presente e aprender com o passado.

Inflacionamos o mercado imobiliário e multiplicamos as placas de vende-se e aluga-se, quando a bolha estourou. Prometemos ser o endereço da sustentabilidade e precisamos de mobilização popular para salvar uma árvore cujo assassinato beneficiaria uma empresa. Juramos ser o CEP do turismo de negócios e seguimos dependentes de veranistas três meses por ano e feriados prolongados.

A megalomania costuma apontar quem somos (ou como pensa a classe política que nos governa). No entanto, são as pequenas ações, as sutis alterações na paisagem e na rotina da cidade que simbolizam – de fato – o que desejamos ou até onde caminha nossa cegueira. E mais: escancara a ausência de compreensão do que significa a palavra Planejamento.

Um dos exemplos de que o microscópio amplia as entrelinhas da doença foi a instalação de um semáforo na esquina da rua Ministro João Mendes com a avenida Siqueira Campos (canal 4). É o quarto semáforo num trecho de quatro quadras. Um semáforo que trava ainda mais o trânsito numa via que deveria ser um corredor.

A faixa de pedestres é a cereja no bolo. A faixa permaneceu onde estava, antes do equipamento ser instalado. Em outras palavras, atravessar nela significa encarar sempre sinal verde para os veículos. Sempre! Das duas, uma: ou quem autorizou a instalação do semáforo está cego ou é mais um exemplo de que se entrega um serviço pela metade, calam-se os críticos, e os ajustes são feitos na base do quando dá?

Ampliando um pouco o problema, andemos pelas ruas do bairro onde fica o semáforo. O Embaré, principalmente nas ruas internas, virou uma salada de política de trânsito. A rua São José é mão para a praia a partir da Frei Francisco Sampaio. A partir da avenida Pedro Lessa, a rua tem duas mãos. Muitas ruas do bairro têm rotatórias, política defendida por gestores passados e que reduziram acidentes na região. Outras receberam semáforos, olhar de quem governa em dias atuais.

Se encostarmos o microscópio e abrirmos o telescópio, veremos que o semáforo novo no canal 4 e a situação do Embaré refletem a cidade em vivemos. Todo mundo sabe que a malha viária é esta aí. Não há como crescer e, por conta disso, uma política pública de trânsito e transporte seria ainda mais necessária.

É claro que a mentalidade de ter carro como objeto de consumo está além das fronteiras do município. Só que vivemos de ações paliativas que apenas adiam o retorno do problema. São aspirinas para um paciente em metástase.

Proibir o estacionamento em avenidas nos horários de pico alivia, mas não corta o efeito do vírus chamado congestionamento. Sair do centro e chegar à Ponta da Praia ou à divisa com São Vicente no final da tarde pode levar uma hora. Na segunda, passam a valer restrições de estacionamento nas ruas Machado de Assis e Lobo Vianna, no Boqueirão. Por que este cronograma não é público para que as pessoas saibam o que ocorrerá mês a mês, por exemplo?

O coração do problema é, todos sabem, o transporte coletivo. Ônibus grandes demais para vias apertadas. Pontos mais distantes que travam os coletivos para beneficiar os carros. Sistema de linhas circulares que ninguém mexe há 30 anos. Um preço de passagem que não condiz com o serviço prestado e o quilômetro rodado.

Diante de todos estes problemas, ainda somos carnavalescos em crer que o VLT será uma saída metropolitana. De nove cidades, virou um projeto para dois municípios e olhe lá! Um projeto refém de interesses empresariais com quem os políticos ficam arrepiados só de ouvir o nome.

Por enquanto, os ciclistas conseguem se salvar. As faixas exclusivas aumentaram, embora as ciclovias mais antigas sofram com buracos e saliências do piso.

Debater transporte e trânsito é perceber, entre outros aspectos: 1) não é possível enxergar uma política de quatro anos, quanto mais de uma década, prazo mínimo em países mais adiantados; 2) que os problemas do setor devem se agravar em prazo curto, como acontece em dezenas de cidades com densidade populacional alta e baixo planejamento; 3) que falar em metropolização é acreditar em Papai Noel.

Santos, realmente, é um símbolo do que assistimos fora daqui e para quem, com cinismo, apontamos o dedo do moralismo rasteiro.

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