quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O candidato e os jornalistas


A morte de Eduardo Campos é, infelizmente, aquela história clássica que reacende o brilho nos olhos dos bons jornalistas. Imprevisível na origem e incontrolável nas consequências, o acidente – de impacto único na história brasileira – alterou drasticamente a rotina das redações. E, com o regime de exceção, nasceram as coberturas consistentes e os erros jornalísticos.

Em primeiro lugar, é irresponsável exigir respostas imediatas numa situação como um acidente aéreo, até porque elas não existem. Todos os fatos precisam de maturação. Todos os fatos apresentam múltiplas causas e variadas consequências. É infantil confundir a agilidade das redes sociais, que multiplicam as informações desencontradas, os boatos, as teorias conspiratórias, com a prática do Jornalismo, que precisa se equilibrar entre a velocidade da informação e o contexto dos acontecimentos. 

Local do acidente com o avião, em Santos (SP)
As redes sociais potencializaram o tradicional consumidor de informação como produtor e distribuidor de conteúdos eventualmente informativos, em outras vezes alarmistas. Esta relação horizontal entre jornalistas e opinião pública não pode ser vista sequer como competição, por conta dos papéis diferenciados no nascimento destas funções sociais. 

Uma cobertura como essa não fornece aos jornalistas a possibilidade do planejamento, como uma Copa do Mundo. As notícias e os ângulos de análise são, muitas vezes, construídos ao longo do processo, o que exige um olhar mais aguçado dos profissionais envolvidos, como também eleva o risco de erros e exageros.

Tais posturas sempre vão acontecer, e não somente em um caso especial. Os escorregões ocorrem no cotidiano. Por que insistir em apresentadores que especulam? Por que acompanhar certos repórteres que se comportam como abutres? Cabe também ao público duvidar deles e separar o palavrório da informação crível.

É evidente que muitas redações foram vitimizadas pelas próprias empresas jornalísticas, em quantidade e qualidade. Faltam profissionais, quanto mais especialistas em certos assuntos, como aviação e acidentes aéreos. É óbvio também que times pequenos não recebem salvo conduto para trabalhar sem limites éticos.

Mas há redações que sangram pelas boas histórias. Jornalistas que estavam de férias retornaram para cobrir o acidente aéreo e suas consequências. Jornalistas que vararam a noite ou fizeram horas extras que jamais verão em suas contas bancárias. Jornalistas que entenderam, desde os bancos das universidades, o que significa uma história importante, que afeta milhares de vidas. Vidas perdidas ou não. O resto são seguradores de gravadores ou microfones, dispostos a cavar por corpos e suas imagens horrendas.

Seria mais sensato que os jornalistas oferecessem apenas o que podem do que comprar o bilhete da esquizofrenia midiática e descumprir promessas. Depois do choque, sempre começa o processo de assentamento dos fatos. A velocidade do público – em sua maioria – não é em tempo real. Os leitores querem saber o que se passa minimamente, para depois entender o que aconteceu. É dever dos jornalistas esclarecer também o tempo dos acontecimentos. Assim, não assumem o que não podem entregar e evitam efeitos colaterais de uma cobertura jornalística histérica.

É ingênuo esperar que os jornalistas sejam capazes de atender a todas as demandas por informação. O que as pessoas de bom senso esperam dos jornalistas? Sensibilidade e solidez cultural para serem capazes de fornecer o maior número possível de variáveis de um cenário novo e pouco explorado. Conhecimento técnico deve ser buscado com quem o possui, de fato. Chutes e informações como loteria, em tempos de redes sociais, transformam a cobertura em capítulos vergonhosos de ficção rasteira.

É preciso compreender que o Jornalismo não depende de si mesmo para sobreviver. Depende da capacidade de localizar aqueles que podem auxiliar estas testemunhas a entender, com o mínimo de civilidade razoável, o que se deu no quarteirão do lado, atrás da minha casa, no bairro onde houve fumaça e uma explosão.

Coberturas como o acidente aéreo que vitimou o candidato à Presidência Eduardo Campos e outros quatro passageiros, mais os dois pilotos, estarão sempre sujeitas a equívocos. O andamento da própria cobertura é capaz de nos mostrar quem erra deliberadamente e quem deslizou por conta do excesso de conteúdo disponível ou dos ajustes das equipes de reportagem.

Neste sentido, nós, jornalistas, não podemos trocar as histórias humanas – natureza de nossa profissão – por momentos de morbidez ou de voyeurismo perverso. Eduardo Campos é, por exemplo, o ator principal deste evento trágico, mas não o único sujeito. Muitos repórteres perceberam, de cara, a necessidade de contar o que aconteceu pelos olhares das pessoas comuns, muitas delas com a rotina completamente destroçada tanto quanto suas próprias moradias.

Não há espaço para maniqueísmo ou enfoques baseados em dramalhões novelísticos. A cobertura eleitoral é também essencial, inclusive porque – indiretamente – provoca impacto no cotidiano dos mesmos indivíduos afetados pelo acidente, claro que de maneira menos perceptível. Um lado complementa o outro e enriquece a cobertura jornalística.

Vamos dar mais tempo aos bons jornalistas. Sem generalizações moralistas, deixemos que nos contem – no devido tempo e com profundidade – as histórias que precisamos saber. Mais do que a instantaneidade dos aplicativos e das redes sociais, precisamos da profundidade que reside nos sentimentos humanos. E só podemos alcançá-los com serenidade e reflexão.

Os jornalistas que fazem jus ao nome têm olhos e ouvidos atentos. São os mensageiros dos gritos das testemunhas. E entendem que precisam também demonstrar o que sentem, sem afetações. Numa cobertura como esta, marcada pela morte e pela dor, a relação entre público e jornalistas deve ser horizontal sim, mas na cooperação pela transparência dos relatos, procurando nos pormenores os pedaços que talvez ajudem a concluir um quebra-cabeça, que não nasceu pelas conspirações paranoicas, mas por razões que só o tempo de apuração, de checagem, de elaboração e publicação poderá responder, ainda que parcialmente.

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