Moradores da rua Piauí, no Campo Grande, em Santos, reduziram o risco de pisar em surpresas na calçada. Em um dos postes, instalaram um aro de metal que prende diversos sacos plásticos. Assim, nenhum dono de cachorro pode alegar amnésia e deixar de limpar as fezes de seu animal.
A quatro quilômetros dali, na rua Ricardo Pinto, na Aparecida, um morador colocou uma placa numa árvore. A placa pede que os donos de cachorros se lembrem que são civilizados e não emporcalhem a calçada.
Suporte instalado no bairro da Aparecida, em Santos |
As duas ações se juntam a outras pelas ruas de Santos e simbolizam como comportamentos podem ser alterados sem a necessidade ou “medo” de uma legislação, e sim por pressão, organização social e comportamento cidadão.
No caso, há uma lei que aborda o recolhimento de fezes por parte dos donos de animais de estimação. Mas ninguém nunca foi multado. A lei existe desde 1995 e, obviamente, a Prefeitura não destinou fiscais para multar os porcos (não me refiro aos cachorros, coitados). Até porque não tem pessoal para atender a todas as demandas jurídicas que brotam no plenário do Poder Legislativo.
Uma segunda lei sobre o assunto foi aprovada, em 2001, e revogou a multa como obrigação legal. Ou seja: para que uma lei que não prevê punição aos infratores?
Nesta semana, Santos passou por uma situação semelhante. O prefeito Paulo Alexandre Barbosa sancionou a lei que prevê multa para quem joga lixo na rua. A multa pode chegar a R$ 1 mil, dependendo da quantidade de lixo despejada de forma irregular.
A lei, de autoria do vereador Kenny Mendes (DEM), altera outra lei, de 1968, que tratava do mesmo assunto. Agora, a infração envolve de bitucas de cigarro, cascas de frutas, latas, garrafas até quantidades maiores e objetos como sofás, armários e outros móveis. O prazo para regulamentação é de 60 dias. Só em junho a administração municipal vai definir a fiscalização.
Por melhores que sejam as intenções, os dois episódios acima indicam como funciona a cultura das leis no Brasil. Tanto políticos como a sociedade em geral costumam acreditar que os problemas sociais devem ser resolvidos na base da legislação, vinda de cima para baixo, sem discussões públicas.
Temos leis demais. Muitas são ultrapassadas, em outro contexto histórico. O Código de Posturas de Santos, por exemplo, é de 1968. Muitos dos artigos parecem peças de humor, tamanha a distância da realidade atual.
O excesso de leis também significa a superficialidade no tratamento de questões públicas. É mais cômodo – e gera dividendos políticos – entupir o plenário de leis do que cobrar políticas públicas ou exigir melhorias nos serviços já implantados. Aprova-se a lei e a deixa morrer no esquecimento.
Em muitas situações, parlamentares ainda jogam para a torcida e para a imprensa, diante de assuntos polêmicos. É comum vereadores apresentarem projetos de lei com a consciência de que serão vetados ou modificados na Comissão de Justiça, que analisa a viabilidade jurídica da proposta.
Muitos projetos, mesmo diante das negativas, chegam ao plenário e são votados, o que obriga um malabarismo do Poder Executivo para que a lei seja assinada. Um caso recente foi a lei que proíbe o uso de celulares em salas de aula da rede de ensino de Santos. Alguém foi punido? Houve fiscalização? Claro que não, até porque o problema envolve bom senso e educação dos envolvidos.
A consequência cultural da paranoia jurídica é a expressão “leis que pegam e leis que não pegam”. Na prática, são palavras que provam como sabotamos aquilo que defendemos. Somos cúmplices, em certo sentido, com a impunidade. Lei, deste modo, é boa para os outros. Para nós, sempre existem brechas, liminares, além da própria conivência e incompetência dos poderes.
Parlamentares se aproveitam da cultura das leis também para uso político. Um exemplo é a Câmara do Guarujá, que aprovou lei – e derrubou veto da prefeita Maria Antonieta – que obriga funcionários de primeiro escalão a morar na cidade. Geografia virou competência profissional. O objetivo era atingir um secretário, que pediu demissão. A história virou batalha judicial.
A Câmara de Santos, ainda que alguns vereadores sejam obcecados por legislação, deu um passo positivo. A casa abriu edital de licitação para catalogar a legislação existente no Município. Estima-se que existam 8500 leis diferentes. A promessa é que, depois do levantamento, ocorra uma análise para eliminar leis conflitantes e obsoletas.
Legislar deveria ser um ato horizontal. Os moradores do Campo Grande e da Aparecida se juntaram – sem se conhecer - aos moradores de um prédio na esquina das ruas Vergueiro Steidel e Castro Alves, no Embaré, numa lição cidadã.
Em cinco árvores, foram amarrados pequenos cestos plásticos de lixo. A sujeira ali acabou. Ações valem muito mais do que letra morta.
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