segunda-feira, 14 de abril de 2014

Os machos vestem saias

Sempre desconfiei da pesquisa do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) sobre Tolerância social à violência contra as mulheres. Mas, embora sofra críticas por conta da metodologia, a pesquisa nunca me pareceu distante da realidade. Também não pensei que os equívocos na leitura dos dados merecessem tamanha ânsia de desqualificação do trabalho.

As polêmicas dos tempos atuais, na verdade, servem para atrair minha atenção aos detalhes. Os pormenores nos apontam em quais armários moram nossos esqueletos. O que me interessa é o recheio, e não a cereja do bolo.

Na pesquisa, o recheio azedou. O trabalho do Ipea não nos mostra somente o óbvio, que a sociedade brasileira é machista, mas – essencialmente – nos indica a dimensão do machismo no imaginário das mulheres. Justamente elas, que deveriam se proteger da violência simbólica do macho.

As mulheres são dois terços dos 3810 entrevistados. É desproporcional em relação à população brasileira, um erro técnico. Só que os resultados apavoraram quem reflete sobre as desigualdades e os preconceitos de gênero neste país.

As mulheres, em sua maioria, ainda sonham com a família de publicidade de margarina. 87,8% concordam (total ou parcialmente) com a afirmação: “toda mulher sonha em se casar.” Seis em cada dez acreditam que “uma mulher só se sente realizada quando tem filhos”. Neste pacote, entra figura do macho alfa, o macho provedor. Para 63,8% dos entrevistados, “os homens devem ser a cabeça do lar.”

Quando a pesquisa passeia pela sexualidade, fica evidente a presença da relação Casa Grande e Senzala. 55% concordam que “tem mulher que é para casar, tem mulher que é para a cama.” Entre a sinhazinha e a escrava dos tempos modernos, muitas mulheres – conheço várias – se sentiriam ofendidas, inclusive quando rejeitadas porque eram “para casar” e desejavam apenas um relacionamento rápido. 


Neste sentido, percebe-se também o caminho da submissão. Um em cada quatro entrevistados aceita que “a mulher casada deve satisfazer o marido na cama, mesmo quando não tenha vontade.” Isso me lembra o coronel Jesuino, personagem de José Wilker na novela Gabriela, que dizia para a esposa: “deite que vou lhe usar”. 

É claro que há ainda a violência sexual. É o ângulo que chamou a atenção da mídia e onde estava localizado o maior erro de avaliação. Mas o escorregão não apaga as manchas sociais. Uma em cada quatro pessoas concorda que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas.”

Na Baixada Santista, uma mulher é estuprada por dia. Alguém, com o mínimo de senso de humanidade, acredita na hipótese de que as vítimas desejaram ser violentadas? Três em cada quatro agressores são familiares ou pessoas próximas.

Quem sabe poderíamos aprender com um exemplo extremo? Na Arábia Saudita, nove em cada dez homens acreditam que maquiagem significa que a mulher deseja ser violentada.

Com erro ou não, a pesquisa nos dá o recado: Mulheres, libertai-vos. É melancólico perceber que muitas das vítimas da submissão e da opressão masculina são exatamente aquelas que assinam embaixo na cartilha do macho.

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