terça-feira, 8 de abril de 2014

Liberdade para quem?


Nomes de políticos cassados em placa na Câmara
Municipal de Santos (Foto: G1 Santos)

A Câmara de Santos assinou, em 1º de abril, um capítulo histórico. O Poder Legislativo, em parceira com a Comissão da Verdade do município, conduziu a devolução dos mandatos de 16 ex-vereadores e dos ex-prefeitos José Gomes, cassado em 1964, e Esmeraldo Tarquínio, cassado e que não pôde assumir o cargo em 1966. Dos 18 políticos, somente o ex-vereador Luiz Rodrigues Corvo, hoje advogado em São Paulo, está vivo e discursou em plenário.

O ato simbólico serve como mais uma lição de que a ditadura militar de 21 anos – e não uma década, como alguns intelectuais desejam amenizar – deve ser lembrada. Este período histórico merece e exige reflexão, mas jamais comemoração como paradigma de cidadania.

O ato da Câmara de Santos não foi isolado. Em Natal, no Rio Grande do Norte, o Legislativo local restituiu os mandatos do ex-prefeito Djalma Maranhão e do vice Luis Gonzaga dos Santos, também cassados durante o regime militar. 



O processo de reparação teve início em 2012, quando a Câmara dos Deputados, em Brasília, realizou uma cerimônia de devolução dos mandatos de 173 parlamentares. Entre eles, os ex-governadores Leonel Brizola e Mário Covas, além de Plinio de Arruda Sampaio, candidato à presidente pelo PSOL em 2010, e do advogado Gastone Righi, liderança política de Santos.

Em agosto de 2013, 14 parlamentares comunistas também tiveram seus mandatos restituídos na Câmara Federal. Na lista, o escritor Jorge Amado e Carlos Mariguela. Todos haviam sido cassados em 1948, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra.

A devolução dos mandatos não precisa produzir efeito prático, e sim manter acesa a necessidade de se desnudar o que a censura insistiu em esconder por duas décadas. Pensar o regime militar é um ato de educação política, tão frágil neste país quanto à relevância do debate público, que muitas vezes resulta em exercícios de intolerância, tão comuns em tempos de velocidade, construção e difusão de informações.

A Universidade Católica de Santos, por exemplo, abriu as portas para relembrar e gerar a troca de experiências entre aqueles que viveram a ditadura ou a estudaram a fundo. Com auditórios lotados, houve três exibições do documentário “O dia que durou 21 anos”, dirigido por Camilo Tavares e lançado em 2013. Camilo é filho do jornalista Flavio Tavares, um dos 15 presos políticos banidos do país por envolvimento no sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Elbrick.

Um exemplo negativo foi a manifestação dentro de uma sala de aula, na Universidade de São Paulo, quando um professor foi impedido de defender a ditadura militar. Alunos invadiram a sala em, encapuzados, impediram o professor de ter a palavra.

É claro que defender a ditadura militar, diante de tanta informação sobre o período, soa como uma opinião deslocada, desinformada e – por que não? – patética. Mas o processo democrático só sobrevive com a pluralidade de pontos de vista e a liberdade de simplesmente ser indiferente a eles. E ver um sujeito em cima do banquinho na praça, pregando ao vento, é mais melancólico. É a voz que grita em silêncio, que nasce morta pelo ridículo. 




Calar alguém na marra porque ele pensa diferente, ainda que defenda um modelo indefensável, significa se tornar irmão gêmeo dele. Calar os diferentes é o que a ditadura militar fez por 21 anos. 

Dar a palavra aos defensores do regime é permitir que eles tenham a chance, num clima de liberdade, de ouvir seus erros e suas bravatas ao som das próprias vozes. É assim, das Câmaras às salas de aula, que talvez se aprenda o valor da liberdade e da democracia.

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