sexta-feira, 1 de março de 2013

Gênios


Gênios são sujeitos incompreendidos. O reconhecimento, por ironia, aparece muitas vezes depois da morte. Gênios, ainda que obtenham os louros em vida, costumam ser vistos como estranhos, nem sempre como especiais. 

Em Santos, cidade onde moro, existem seres desta natureza, escondidos nos gabinetes públicos. Atuam no planejamento urbano, distribuídos entre obras e trânsito. A genialidade deles talvez resida na capacidade de contrariar ou ignorar números e expectativas. Talvez resida na habilidade de enxergar – de forma única – tendências. De fato, o tempo deles corre diferente. A alteração do espaço urbano dá a eles uma leitura diferente da minha, um cidadão anônimo, de razoável inteligência.

Nesta semana, duas obras andaram ao mesmo tempo, com diferença de 800 metros entre elas. Eu, como sujeito mortal e comum, não compreendi o porquê desta sinfonia, possivelmente à frente do meu tempo. O trânsito piorou, com focos de congestionamento a ponto de parar na hora do rush.

A primeira obra fica na avenida Epitácio Pessoa, com o canal 6. O trânsito foi interrompido no local, para a pavimentação de uma nova ponte. A obra deveria ter sido entregue em outubro do ano passado. Terminou há cinco dias. Os gênios devem ter pensado: “O que são quatro meses para uma obra de ‘arte’ que mudará os rumos da cidade?” Realmente, os rumos se tornaram mais lentos e longos.

Conclui que pontes são a nova tendência artística. Novos contornos ou – quem sabe? – novas formas de expressão via instalações urbanas. No canal 5, a ponte da rua Conselheiro Ribas, logo após o Sesc, veio abaixo, enquanto tapumes de madeira escondem a obra-prima. Promessa de três meses no exercício da criatividade. Como costuma atrasar ...

O trânsito foi deslocado – por falta de opção – para pequenas ruas próximas. No final da tarde, a procissão paralisa, fortalecida pela saída de alunos em cinco escolas no Canal 5. Como supervisão do cortejo, um agente da CET. Senti-me incompetente por não entender que só um agente daria conta de toda a bagunça. Desculpe, bagunça para mim.

Santos sofreu, nos últimos dez anos, mudanças substanciais, não apenas pela especulação imobiliária, mas também por fatores externos à cidade, como a estabilidade econômica, com excesso de crédito e abundância de consumo. Um dos efeitos diretos é o milagre da multiplicação dos carros em até 60 prestações.

A malha viária do município, todos sabemos, não tem para onde crescer. Ainda assim, vivemos a farra dos automóveis, que nos coloca entre as três cidades brasileiras com maior número de veículos por habitante, em termos proporcionais. É possível notar, em vários locais e momentos do dia, minicongestionamentos e, portanto, maior tempo de deslocamento.

Ambientalistas e especialistas em planejamento urbano ficaram obsoletos ou viraram pessimistas com este cenário. Alertar que o maior problema ambiental é a densidade de população soa como delírio conspiratório. As diferenças de temperatura entre bairros, por conta disso mais a construção de prédios sem planejamento, devem ser fraudes de termômetros a serviço de quem não vê além do horizonte.

Somando com outros casos de obras entregues além do prazo, quando não incompletas em relação ao projeto original, preferi confiar na sabedoria popular. Ela sanou minhas dúvidas em uma frase: gênios costumam ser caóticos nas suas criações.

Um comentário:

  1. Parabéns, Marcus, é isso. Tem horas que dá uma angústia, pois quando reclamamos da ausência de planejamento do poder público, alguns já vislumbram conspiração. Não se pode criticar nada. Um exemplo: as tais bicicletas "gratuitas". Quando instalaram o serviço, na Ponta da Praia, quase em frente ao terminal das barquinhas para o Guarujá, tiraram um antigo banco de pedra para colocar as bikes. Vc acredita que até agora o banco está jogado sobre a grama? Quando reclamei alguns defenderam: o serviço é gratuito, então ainda tem que fazer ajustes! Não dá uma agonia?

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