sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Homens de branco



Estive duas vezes, nos últimos 15 dias, no consultório de um cardiologista, para acompanhar uma pessoa próxima. Na primeira vez, ao ver a sala de espera lotada, pensei que assistiria a horas de TV e que tanta gente tornaria a consulta uma versão médica de lanchonete fast-food.

Realmente, esperamos por uma hora e meia. Quando entramos na sala do médico, começaram as surpresas. O cardiologista estava de ótimo humor, ainda que ciente de que teria mais quatro, cinco horas de trabalho. Ele pegou os exames, recomendados por outro profissional, e analisou item por item.

Depois, explicou – didaticamente – para que servia cada um deles. Perguntou sobre os remédios que a paciente tomava e sobre os efeitos provocados pela medicação. Recomendou outro remédio, explicou os motivos para a mudança e quais os efeitos colaterais que poderiam ocorrer. Neste meio tempo, aliviou a conversa com assuntos mais leves.

Pediu para examinar a paciente. Verificou se havia inchaço, fez os exames básicos e explicou o porquê da ligeira elevação da pressão arterial. Voltou à mesa e detalhou novamente cada medicação, quanto tempo deveria tomá-la e alternativas em caso de insucesso. Depois de 40 minutos, pediu que ela marcasse a data de retorno para 15 dias. E foi enfático: “Qualquer problema venha até o consultório. Não espere até o início de janeiro.”

Saímos do consultório com a sensação de que algo estava errado. O comportamento simpático do médico se repetiu na volta, 15 dias depois, o que nos fez pensar que ele se aproximava de um grau de exceção. A obrigação profissional se transformou em mérito, em elemento de diferenciação.

Mais do que se queixar das filas, das esperas sem fim e da falta de infra-estrutura, os pacientes costumam reclamar da ausência de humanidade na relação com os profissionais de saúde. Tive várias experiências de ser atendido ou testemunhar consultas, em plantões de hospitais e pronto-socorros, nas quais os médicos não tocaram nos doentes. Fizeram três ou quatro perguntas e foram taxativos: “virose”. Virou piada em salas de espera.

Em outras situações, o paciente sai com uma lista de exames e sem a certeza de um diagnóstico preliminar. Outro exemplo: um amigo, internado em um hospital de Santos para uma cirurgia cardíaca, jamais viu o médico que o operou em duas semanas que ficou por lá em férias forçadas.

A falta de humanização no contato médico-paciente é assunto recorrente entre profissionais com formação mais antiga, do tempo em que existia médico de família. Eles protestam, por exemplo, contra a ausência de disciplinas da área de humanas nos cursos de Medicina.

Tenho a impressão de que a tecnologia e o avanço científico, se facilitaram o diagnóstico e o tratamento de inúmeras doenças, também colaboraram para fortalecer a visão de que o corpo humano se limita a ser uma máquina para conserto.

O Hospital Santa Catarina, em Blumenau, inicia, em fevereiro, testes com prontuários digitais. O trabalho, pioneiro no país, vai durar um ano. O prontuário eletrônico permite ao médico acessar exames, cuidados recebidos pelo doente, prescrever medicamentos e orientar enfermeiras.

A ferramenta analisa o prontuário e fornece, por meio de um índice, um prognóstico ao médico, com base em temperatura, frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial e função renal, entre outros pontos. Apenas 10% dos hospitais brasileiros usam algum tipo de prontuário eletrônico, mas se limitam a controlar agendamento de consultas. 

Independentemente das facilidades tecnológicas, nada substitui o olhar de conforto de quem foi escolhido para diagnosticar ou tratar um paciente. As máquinas servem para auxiliar, jamais para se sentar em um consultório ou se deitar numa maca. E Medicina nunca será mera leitura de dados matemáticos.

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