sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
Apaixonada e distraída
Políticos amam o poder em intensidade só comparável à paixão por si mesmos. Quando compartilham este sentimento com outras pessoas, costumam se distrair e pisar em falso. A prefeita de Guarujá, Maria Antonieta de Brito, escorregou como uma mulher apaixonada. E, talvez por causa do amor, tenha se tornado uma pessoa distraída.
Recém-casada, a prefeita provavelmente ainda vive o clima de lua-de-mel com o marido, o guarda municipal Flávio Lopes da Silva. E, avoada, teria nomeado o cônjuge como ouvidor municipal. Flávio, funcionário concursado, teria o salário multiplicado por três. Passaria a receber cerca de R$ 6500 mensais.
Seria um presente de casamento para o marido? Ou uma piada interna na política de Guarujá? Como em certas questões matrimoniais é preciso meter a colher, a repercussão da história foi negativa dentro e fora da cidade.
A reação da prefeita indica que não se tratava de um mimo apaixonado. Era política na acepção da palavra. A prefeita ordenou que a nomeação do marido fosse revogada. Mais uma evidência de que a política costuma, em momentos de crise, valer mais na bolsa de valores do amor.
É neste ponto que a novela ganha traços de uma trama de Dias Gomes, autor de obras fundamentais para entendimento da política brasileira, como “O Bem Amado.” A assessoria de imprensa da Prefeitura alegou que “em razão do elevado número de nomeações (271) realizadas na referida data a prefeita não se apercebeu da indicação do seu marido.”
Realmente, Maria Antonieta de Brito deveria estar com a cabeça em outro lugar. E o cansaço leva à distração. Nomear 271 pessoas em um só dia lota qualquer trem da alegria. É um dia típico de autor best-seller quando autografa sua nova obra.
A nomeação do marido da prefeita de Guarujá subverte uma lógica da política. O que fazer com a primeira-dama? Neste caso, primeiro-cavalheiro? O machismo marca as relações de poder. Sobram para as mulheres cargos honorários ou de menor importância nas teias da burocracia, como Fundo de Solidariedade. Se a esposa chiar e tiver também força política, ganha uma secretaria, que os homens julgam como “feminina”. Exemplos: Educação ou Assistência Social.
No episódio em Guarujá, o marido ficaria com um cargo que os prefeitos costumam fingir que escutam, com o perdão do trocadilho. Ouvidoria Municipal deveria ser, de fato, uma ligação direta com a população local, mas – com ironia – reforça o deleite que os políticos tem com o som da própria voz.
Maria Antonieta caiu na armadilha das paixões. Distraída ou apressada, a prefeita inseriu o marido numa lista maior que caravanas para programas de auditório. Pensou que ninguém perceberia? Acreditou que um ato de distração poderia ser visto por todos sempre como natural?
Se serve de consolo para não abrir rachaduras em seu segundo casamento com Guarujá, Maria Antonieta não está sozinha no carnaval de nomeações. Santos, São Vicente e Cubatão tiveram escolhas questionadas, seja por formação inadequada dos escolhidos, seja por preferências religiosas ou por nepotismo mesmo.
Em um matrimônio eleitoral, políticos adoram esperar a paixonite morrer e dar lugar àquela relação mais estável. Nesta fase, os parceiros deixam de reparar lentamente um no outro, focalizam em seus próprios desejos e – em certos lares – toleram os defeitos para manter o relacionamento em inércia.
É a hora em que os eleitores são traídos no casamento de fachada. Por distração, omissão ou conivência.
sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
Homens de branco
Estive duas vezes, nos últimos 15 dias, no consultório de um cardiologista, para acompanhar uma pessoa próxima. Na primeira vez, ao ver a sala de espera lotada, pensei que assistiria a horas de TV e que tanta gente tornaria a consulta uma versão médica de lanchonete fast-food.
Realmente, esperamos por uma hora e meia. Quando entramos na sala do médico, começaram as surpresas. O cardiologista estava de ótimo humor, ainda que ciente de que teria mais quatro, cinco horas de trabalho. Ele pegou os exames, recomendados por outro profissional, e analisou item por item.
Depois, explicou – didaticamente – para que servia cada um deles. Perguntou sobre os remédios que a paciente tomava e sobre os efeitos provocados pela medicação. Recomendou outro remédio, explicou os motivos para a mudança e quais os efeitos colaterais que poderiam ocorrer. Neste meio tempo, aliviou a conversa com assuntos mais leves.
Pediu para examinar a paciente. Verificou se havia inchaço, fez os exames básicos e explicou o porquê da ligeira elevação da pressão arterial. Voltou à mesa e detalhou novamente cada medicação, quanto tempo deveria tomá-la e alternativas em caso de insucesso. Depois de 40 minutos, pediu que ela marcasse a data de retorno para 15 dias. E foi enfático: “Qualquer problema venha até o consultório. Não espere até o início de janeiro.”
Saímos do consultório com a sensação de que algo estava errado. O comportamento simpático do médico se repetiu na volta, 15 dias depois, o que nos fez pensar que ele se aproximava de um grau de exceção. A obrigação profissional se transformou em mérito, em elemento de diferenciação.
Mais do que se queixar das filas, das esperas sem fim e da falta de infra-estrutura, os pacientes costumam reclamar da ausência de humanidade na relação com os profissionais de saúde. Tive várias experiências de ser atendido ou testemunhar consultas, em plantões de hospitais e pronto-socorros, nas quais os médicos não tocaram nos doentes. Fizeram três ou quatro perguntas e foram taxativos: “virose”. Virou piada em salas de espera.
Em outras situações, o paciente sai com uma lista de exames e sem a certeza de um diagnóstico preliminar. Outro exemplo: um amigo, internado em um hospital de Santos para uma cirurgia cardíaca, jamais viu o médico que o operou em duas semanas que ficou por lá em férias forçadas.
A falta de humanização no contato médico-paciente é assunto recorrente entre profissionais com formação mais antiga, do tempo em que existia médico de família. Eles protestam, por exemplo, contra a ausência de disciplinas da área de humanas nos cursos de Medicina.
Tenho a impressão de que a tecnologia e o avanço científico, se facilitaram o diagnóstico e o tratamento de inúmeras doenças, também colaboraram para fortalecer a visão de que o corpo humano se limita a ser uma máquina para conserto.
O Hospital Santa Catarina, em Blumenau, inicia, em fevereiro, testes com prontuários digitais. O trabalho, pioneiro no país, vai durar um ano. O prontuário eletrônico permite ao médico acessar exames, cuidados recebidos pelo doente, prescrever medicamentos e orientar enfermeiras.
A ferramenta analisa o prontuário e fornece, por meio de um índice, um prognóstico ao médico, com base em temperatura, frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial e função renal, entre outros pontos. Apenas 10% dos hospitais brasileiros usam algum tipo de prontuário eletrônico, mas se limitam a controlar agendamento de consultas.
Independentemente das facilidades tecnológicas, nada substitui o olhar de conforto de quem foi escolhido para diagnosticar ou tratar um paciente. As máquinas servem para auxiliar, jamais para se sentar em um consultório ou se deitar numa maca. E Medicina nunca será mera leitura de dados matemáticos.
quarta-feira, 9 de janeiro de 2013
O cinto apertado de Bili
O prefeito de São Vicente, Luís Cláudio Bili, se transformou em um homem avarento, por forças das circunstâncias. Publicamente, ele só fala em reduzir gastos, contar as moedas, economia de guerra. E ameaça processar judicialmente seu anterior. Até ironizou o novo endereço dele, em Limeira, e depois voltou atrás para evitar um mal-estar político.
O fato é que o prefeito ganhou voto de confiança de muitos moradores, mais por conta dos pecados de seus adversários do que por seus próprios méritos. Assim foi na eleição. Assim foi depois da posse. Até a imprensa tem olhado para o novo prefeito com certa compaixão.
Bili possui os chamados 100 dias de governo como lastro para se proteger das críticas. Por enquanto, Tércio Garcia paga – no campo da retórica – por todos os crimes cometidos, o que me parece justo. Aliás, quando o Ministério Público vai se mover para verificar o que aconteceu na cidade?
Depois dos 100 dias, o novo prefeito terá que mostrar a real situação da administração vicentina. Quanto é a dívida? Ele especulou em R$ 800 milhões. Especulou, pois não tem certeza do rombo.
Em entrevista ao repórter Bruno Rios, do grupo A Tribuna, Bili falou em dispensar duas mil pessoas a médio prazo. Quais serão os critérios? O prefeito novamente se apoiou em estimativas, o que alimenta a desconfiança sobre o número de demissões.
Até o momento, as medidas de contenção de gastos foram vendidas como méritos. Na prática, o prefeito não fez mais do que a obrigação. Reduziu de 34 para 17 secretarias. O que isso vai significar em cortes de aspones e outros que costumam pendurar os ternos nas cadeiras? Menos secretarias não representam, necessariamente, menos gente nas entrelinhas da máquina.
O excesso de secretarias era motivo de piada até entre assessores da gestão anterior. Secretaria de Pesca? Secretaria de Assuntos Metropolitanos? Brincava-se sobre a contratação de paranormais para localizar a sede de tais pastas. Conheci assessores que desconheciam o endereço das secretarias.
O novo prefeito anunciou também o corte dos carros oficiais, tanto para ele como para os secretários municipais. Todos terão que utilizar os próprios carros e pagar o combustível. Bili estimou economia de R$ 300 mil ao mês. A decisão, obviamente, ganhou ressonância política, mas pouco interfere no caos financeiro. Na verdade, é o troco da pizza diante do tamanho do orçamento municipal.
Além disso, prefeito e secretários ganham salários compatíveis para que possam dirigir o próprio carro, pagar a gasolina e bancar suas contas de celulares, sem depender de dinheiro público. E o poder sempre assegura outros benefícios.
No caso dos celulares, os aparelhos serão desabilitados. O prefeito também calculou uma contenção de R$ 120 mil ao mês em contas. O valor, irrisório para os cofres, poderia manter equipamentos essenciais do município. Mas – cá entre nós – trata-se de uma imoralidade ver secretários queimando horas em celulares para resolver problemas (??) das mais variadas ordens.
Por trás da gritaria em conter gastos, o prefeito tenta costurar um cenário político, no qual se desvincula por completo da gestão Tércio Garcia. Honestamente, parece-me difícil em prazo curto. A relação com a dinastia França está no DNA político de Bili, que apoiou o grupo derrotado até anteontem.
Duas décadas de vereança como situação e mais três passagens por secretarias não se apagam do dia para noite. Tanto que alguns espectros do passado permanecem vivos e com poder de decisão no atual governo.
Por hora, a compreensão com quem sinaliza por mudanças drásticas no jeito vicentino de governar, ainda que restrito ao discurso da primeira semana. Até quando os moradores terão paciência? Afinal, um fato é definitivo: Bili conhece a administração de São Vicente até a medula.
terça-feira, 8 de janeiro de 2013
As vísceras do novo prefeito
Com uma semana de governo, o prefeito Paulo Alexandre Barbosa teve que vir a público explicar as contratações para o segundo e terceiro escalões da administração municipal. Parte das contratações seria de profissionais sem a formação adequada para os cargos.
Qual é a novidade? Por que a expressão de espanto? Política é marcada pela previsibilidade. Ou acreditamos que a formação da base de apoio do secretariado seria apenas por méritos?
Se quisermos conhecer um governo, temos que olhar para o segundo e terceiro escalões. É lá que as decisões são colocadas em prática. E é lá que a máquina se mexe nas suas vísceras. Secretários, por vezes, funcionam somente como pára-raios político. E protegem o que se desenha nas entranhas.
Há, de fato, um ponto novo nesta história. A criação do cargo de secretário adjunto. Um ato de coerência, já que Paulo Alexandre entrou no governo do Estado – e dali começou a pavimentar a estrada até a Prefeitura – como secretário adjunto de Educação, no gestão Gabriel Chalita.
A palavra “secretário”, além da remuneração, dá status diferente ao assessor. Ele assume na ausência do titular, tem algum poder de decisão e barganha na pasta, pode ser protegido em caso de escorregão político e colher dividendos quando representa o chefe em atos públicos, mesmo que seja em eventos de menor importância, mas atenda a currais eleitorais.
A nomeação de segundo e terceiro escalões pode ser vista como natural e juridicamente aceita, ainda que seja imoral. Tais cargos são a moeda de troca da corrida eleitoral. São a consequência direta das alianças políticas, dos apoios, das trocas de favores até a vitória nas urnas.
O segundo e terceiro escalões atendem aqueles que se mataram durante a campanha (com bons salários, óbvio) e esperam a retribuição pelos serviços prestados quando o desejo vira poder. A lei da compensação costuma dispensar competência técnica, e sim funcionar por proximidade técnica. Em alguns casos, quando menos o sujeito atrapalhar, melhor!
Neste sentido, não é de se estranhar advogados, jornalistas e outros profissionais em pastas completamente distintas de sua formação acadêmica e experiência profissional. É hora de acomodar todo mundo e selar pacto e língua dos aliados. Com todos os interesses atendidos, a Prefeitura começa a – efetivamente – sair do lugar.
Paulo Alexandre paga o preço pela vitória. Terá que encaixar gente – e alguns sanguessugas – de uma dezena de partidos, mais a turma que sobrou da gestão anterior e tinha afinidade política. Isso inclui também os acordos com o novo Legislativo, onde mantém a maioria como apoio.
A dinâmica da política partidária brasileira funciona desta maneira. Por que seria diferente com os tucanos? Embora a expressão tenha origem nas práticas petistas, todas as legendas têm sua criação de gafanhotos no fundo do quintal. O prefeito, claro, faz o papel dele, em falar sobre competência, idoneidade e ligações com a cidade. São argumentos válidos, porém esvaziados pela retórica genérica.
As nomeações vão prosseguir pelos próximos dias. O rebuliço vai diminuir e será encoberto por outros problemas ou factoides políticos. Mas o fato é que as letrinhas miúdas do Diário Oficial de Santos nunca foram tão lidas, seja por frustração de ter escolhido o homem errado, seja por um sorriso de felicidade.
sexta-feira, 4 de janeiro de 2013
Está aberta a temporada de caça aos turistas
Márcio Calafiori*
Era o início do verão, começo de noite, muita gente passeando no Gonzaga, anos 1980. Estávamos num bar, três amigos e eu. Na verdade, nem era um bar. Era um boteco, com mesas do lado de fora, no coração do Gonzaga.
Quando eu queria beber uma cerveja, sem mais delongas, costumava dar uma parada ali. Agora com o ar morno do verão e o movimento intenso no bairro, os frequentadores ocasionais eram servidos por um garçom de gravata borboleta, camisa branca e calça preta. Pedimos cerveja. E um dos amigos, argentino que morava em Santos havia três anos, quis caipirinha.
Digamos que, na época, assim como hoje, a cerveja custasse R$ 7,50; e a caipirinha de cachaça, R$ 10. Pois, quando veio a conta, cada garrafa de cerveja e cada copo de caipirinha passaram a custar, de repente, R$ 15,00 e R$ 30,00. Interpelei o garçom: “Amigo, será que você não errou na conta?” “Não, a conta está certa.” Insisti: “Mas não pode estar certa.” “Está certa, sim, mas se quiser reclame lá dentro com o dono.”
Bem, discuti e quase me atraquei com o dono do boteco. Humilhado e ofendido, fui contido e afastado pelos amigos, e um deles, o argentino, pressionado pelos seguranças, achou que em vez de apanhar o melhor a fazer era pagar a conta.
Mais tarde e longe dali, tentando entender a ladroeira, o argentino me disse: “Cobraram a mais porque o garçom achou que nós éramos turistas, eu não falo português.” Ah, é? Pois tudo isso poderia ter acabado de um jeito muito pior, tal como ocorreu com o rapaz que veio de Campinas passar o fim do ano no Guarujá e foi assassinado, esfaqueado nas costas, pelo dono de um restaurante.
Antes de morrer, ele ainda foi covardemente agredido, com a participação dos garçons. Tudo como no Velho Oeste. E por quê? Simplesmente porque reclamou que estavam querendo lhe passar a perna. Alguém poderá dizer que se trata de um ato isolado. Mas fui vítima da mesma atitude vinte e tantos anos atrás por parte de um dono de bar estabelecido num centro comercial, no coração de um bairro importante, numa cidade importante e com o mesmo propósito: faturar mais porque é verão.
Na mente de comerciantes desse naipe, Santos e adjacências estão repletos de turistas otários, dispostos a serem ludibriados. Portanto, todo o cuidado é pouco. Gente assim está disposta a matar.
A tragédia envolvendo a vida desse rapaz deixou mais uma vez evidente que a região não está preparada para receber turistas. Estes não passam de presas fáceis em cidades sem infraestrutura, com parte do seu comércio sem regras claras e decentes, sem a mínima política da cortesia e do profissionalismo, envolvendo justamente um dos segmentos mais valiosos e que mais crescem no mundo — o do turismo.
Os prefeitos que administram a região não circulam, não frequentam bares e restaurantes, não compram em lojas, não andam de táxi? Não conhecem os defeitos das suas cidades e, conhecendo-os, não acham por bem apontá-los e tentar corrigi-los ou pelo menos exigir providências de entidades como as associações comerciais e os dirigentes lojistas? Afinal, para que serve um prefeito? E as secretarias de turismo? E as entidades de classe?
Não existe um jeito de mudar a mentalidade do segmento de serviço, que é no que se ampara boa parte dos municípios aqui, atribuindo conceitos, educando ou seja lá o que for que consiga elevar o nível de atendimento, de comprometimento e de civilidade com quem nos visita e com a própria população?
O rapaz que veio de Campinas e foi assassinado pelas costas porque ousou reclamar de um ato absolutamente desonesto foi vítima de determinado tipo de mentalidade perversa que diz respeito não apenas ao Guarujá. Por assim dizer, trata-se da filosofia sórdida da região quando o assunto é a economia oriunda do verão, cujo princípio é desde sempre este: está aberta a temporada de caça aos turistas.
* Márcio Calafiori é jornalista.
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