terça-feira, 16 de outubro de 2012

A política das cuecas


Maria Antonieta de Brito, salvo reviravolta, deverá se reeleger prefeita de Guarujá, no litoral de São Paulo. A campanha bateu na trave no primeiro turno, quando a candidata do PMDB ficou com 49,65% dos votos válidos. As chances cresceram com o apoio do PT e PSDB à candidatura, se ignoramos a esquizofrenia das alianças eleitorais.

Caso eleita, Antonieta será a terceira mulher prefeita nas nove cidades da Baixada Santista nestas eleições. É o mesmo número da gestão atual. Não houve mudanças dignas de nota. Antonieta e Márcia Rosa, em Cubatão, estariam no segundo mandato. Ana Preto, em Peruíbe, foi prefeita por dois anos e substituirá Milena Bargieri. Aliás, naquela cidade, os homens não disputaram o Poder Executivo. Onira, do PT, completou a lista de candidatas.

Olhando com cuidado, percebe-se que as mulheres, na prática, perderam espaço nestas eleições. As Câmaras municipais expõem a fragilidade de gênero. Nas nove casas legislativas, só cinco vereadoras eleitas. Nas duas maiores cidades da região, Santos e São Vicente, nenhuma representante. Santos, por exemplo, tem representantes femininas na Câmara desde os anos 80, de forma ininterrupta.

O esvaziamento de mulheres em cargos eletivos desnuda um problema básico de formação. Os partidos, de uma maneira geral, não se preocupam em quebrar o peso machista nas relações cotidianas da política. Mulheres até compõem as chapas nas eleições. Mas não passam disso: personagens de composição, coadjuvantes cujo destino jamais será o papel de protagonista, salvo exceções de praxe.

O PT, acostumado a quebrar esta regra, amoleceu. Não formou novos quadros de mulheres. Perdeu quase toda a linha de frente, por aposentadoria ou por troca de partido. Ficou praticamente a deputada estadual Telma de Souza e a prefeita de Cubatão, Marcia Rosa. Até o PSOL seguiu o mesmo caminho, mantendo somente Eneida Koury como exemplo que confirma a regra.

O PT canalizou quase toda a formação política feminina, de destaque, na Baixada Santista. Ao não se renovar, lideranças não nasceram e a ala feminina também foi atingida pelos estilhaços da mesmice. Descontando o falecimento de Luiza Neófit, as mulheres do PT envelheceram ou procuraram outros ares.

O último caso foi a vereadora Cassandra Maroni, que não buscou a reeleição e se manteve quase em silêncio durante a última campanha. Sueli Morgado se aposentou há quatro anos. Maria Lúcia Prandi rumou para os bastidores do próprio PT.

Mariângela Duarte, a única que deu a face durante o escândalo do mensalão, migrou para o PSB e trabalhou na campanha de Paulo Alexandre Barbosa, do PSDB. Sueli Maia deixou o PT há anos e é secretária da Educação do governo Papa. Ela estava na lista de possíveis candidatos da situação, que resultou na escolha de Sérgio Aquino.

Até Maria Antonieta, hoje no PMDB, foi filiada ao Partido dos Trabalhadores. Começou a vida política por lá, como assessora de Mariângela Duarte. Elegeu-se vereadora, em 2000, pelo PT.

E não podemos nos esquecer de Onira, representante histórica – e solitária - do PT em Peruíbe, com votação expressiva na última eleição, quase 28% dos votos válidos.

O fato é que raras são as vezes em que se cumpre a cota de 30% de mulheres na lista de candidaturas no Brasil. Na Baixada Santista, isso nunca aconteceu. Nada mais irônico em um país governado por uma mulher. Na eleição vencida por Dilma Rouseff, não se pode esquecer de Marina Silva, terceiro lugar com 20 milhões de votos. 

Sem elas, a política – afogada no pragmatismo masculino e tão previsível nesta última campanha – caminha para a morte por inanição poética.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Em terra de cego, quem tem olho é eleito

Se olharmos de longe, a Baixada Santista dá a impressão de que seus eleitores, em linhas gerais, flertaram com novidades políticas. Se enxergarmos de perto, a região nos indica que os eleitores preferiram a continuidade e que o flerte foi apenas isso: um jogo de sedução sem maiores consequências.

Em três cidades, o resultado óbvio nas reeleições de Marcia Rosa, em Cubatão; Mauro Orlandini, em Bertioga; e Paulinho, em Mongaguá. Nestes endereços, a eleição também serviu para enterrar – ainda que vivos - velhos caciques como Nei Serra, Lairton Goulart e Artur Parada Prócida, respectivamente.

Praia Grande se satisfez com uma reeleição “torta”. Alberto Mourão terá seu quarto mandato em 20 anos. Os outros dois prefeitos neste período, Ricardo Yamauti e Roberto Francisco, foram vice-prefeito e chefe de gabinete de Mourão. Ambos governaram a cidade enquanto Mourão cumpria mandato na Câmara Federal.

Guarujá é a única cidade na qual haverá segundo turno. Competem as gestões atual e anterior. De um jeito ou de outro, mais uma terra sem grandes novidades, com tendência à repetição de governante da hora.

São Vicente terá prefeito novo, mas de uma turma antiga. Luis Claudio Bili passou por cinco mandatos de vereador e foi secretário três vezes ao longo das administrações Márcio França e Tércio Garcia. Governará com uma Câmara Municipal de baixa renovação nas cadeiras. É claro que metade de cidade assinou o atestado de insatisfação contra a dinastia França, representada pelo príncipe Caio, mas só os próximos quatro anos dirão até que ponto mudanças políticas serão postas em prática.

Em Peruíbe, a cidade das mulheres, Ana Preto se tornou a primeira prefeita eleita, de fato e de direito. Mas ela já governou por dois anos. E suas adversárias eram a atual prefeita Milena Bargieri e a vereadora Onira, há mais de uma década na Câmara Municipal.

Itanhaém veste a carapuça da incógnita, com a entrada do tucano Marco Aurélio. Ele venceu Marcelo Strama por 2% de diferença. Mas ainda é cedo para dizer se o novo prefeito dará rumos distintos da gestão de João Carlos Forssell.

Em Santos, a cereja do bolo. O prefeito pode ser novo, inclusive em idade, mas o grupo que o cerca transita nos corredores do poder há anos. O PSDB ganhou pela primeira vez em Santos, mas tem o vice do atual governo, além de representantes de segundo escalão e de compor a base de Papa na Câmara Municipal.

Paulo Alexandre sempre representou um dos elos de ligação entre o Governo do Estado e a Prefeitura. Ocupou três secretarias no governo estadual e venceu duas eleições para deputado estadual. Na campanha, aproveitou-se da indecisão de João Paulo Tavares Papa e tomou para si, com sutileza, a ideia de que era o candidato do prefeito. Nas duas semanas anteriores à eleição, confirmou com todas as letras – em resposta a outros candidatos – que seu partido era governo. 

Se olharmos de longe, podemos engolir os discursos de província, que adora desfilar com roupas de vanguarda. Se enxergarmos de perto, veremos que as roupas da política regional não passam de peças de segunda mão, costuradas no brechó eleitoral. Mas não sabemos se o eleitor ficou mais míope ou se fez uma cirurgia de correção. Desconfio que depende de onde ele vê, com ou sem óculos.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O tempo e o suor

Apontar as causas para a vitória de Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) em primeiro turno – e motivos para o fracasso dos demais – é tarefa que requer tempo para os analistas políticos. Vale, óbvio, para qualquer fenômeno social. É preciso prazo para conectar e pesar na balança fatores que, juntos, não garantem um resultado matemático. Sempre haverá um campo de especulação e subjetividade no olhar sobre o processo eleitoral.

Resolvi, para manter viva a coerência, pensar sobre a escolha que a maioria dos eleitores fez. Por que escolheram o tucano? Por que rejeitaram os concorrentes, alguns com mais experiência para a função? Entenda, leitor, como estradas para a reflexão, somente impressões.

A campanha de Paulo Alexandre foi eficiente. Construiu uma imagem que convenceu uma parcela do eleitorado. Um produto bem embalado, que atende às necessidades do consumidor. Campanhas, a bem da verdade (opa, uma palavra incompatível para o momento), seguem a obsessão de diagnosticar e se comunicar cirurgicamente com os desejos de alguém que mal compreende – até porque desacredita – as entrelinhas da política.

A campanha do candidato tucano preencheu os espaços ignorados ou negligenciados pelos adversários. Expôs – o que é diferente de colocar em debate – ideias dentro de um cardápio de anseios coletivos, mas coletivos apenas por coincidências de necessidades individuais.

Paulo Alexandre se encaixa no modelo que representaria o novo, embora não o veja como tal. Sem personalizar, ele simboliza um rumo de gestão que se conhece do governo do Estado e da própria Prefeitura.

A imagem também funciona pelo oposto. Os ex-prefeitos Beto Mansur e Telma de Souza carregaram nas costas o desgaste de várias eleições, de discursos requentados, do lado negativo de suas administrações, que o tempo fora do Paço Municipal inevitavelmente desenterra.

O candidato do tucano soube capitalizar a popularidade do atual prefeito João Paulo Tavares Papa. Antes de se oficializar a corrida, Paulo Alexandre não fazia questão de se divorciar do governo. Pelo contrário, Alckmin e Papa davam as mãos em solenidades e, dentro da dança política, com o então secretário estadual Paulo Alexandre na mesma foto.

Papa também demorou para definir seu candidato. E Sérgio Aquino pagou o preço da indecisão. As primeiras pesquisas apontavam, por exemplo, que poucos sabiam quem era o apadrinhado do prefeito. Depois, nas rodas de conversa, a desculpa: “quando chegar o horário eleitoral, as pessoas saberão quem é o candidato dele.”

De fato, Aquino chegou a 12% dos votos válidos, mas a poeira no rosto marca o quanto estava atrás, sem fôlego para se aproximar de Paulo Alexandre. O perfil do técnico foi, além de tudo, insuficiente.

O candidato do PSDB contou ainda com as circunstâncias. O eleitor médio está exausto. Não suporta a campanha eleitoral, ignora os debates, ri nervosamente do horário eleitoral. É comum a opinião de que a eleição, resolvida em primeiro turno, significa um fardo cumprido.

Na prática, a cidade optou pela continuidade, pela figura de um gerente, mesmo que a retórica política seja somente um tempero dentro da receita que borbulha no caldeirão de partidos.

O tempo resolve? Quatro anos para sabermos qual a distância entre a imagem e o real. Por hora, impossível confiar em um gerente que não transpira embaixo de sol na feira livre.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Bili e as palavras flexíveis


Com a eleição de Luis Claudio Bili para prefeito, São Vicente se tornou o centro das atenções na política da Baixada Santista. Evito a tentação de usar a palavra surpresa para definir a vitória de alguém que está na política local desde os 21 anos. A palavra daria razão aos analistas políticos e às pesquisas eleitorais, que escorregaram feio nas previsões para a vila mais antiga do país.

Para quem observa à meia distância, o mais interessante das viradas eleitorais é que elas geram um caldeirão de impressões. O eleitor vicentino realmente escolheu o novo? A cidade rejeitou um modelo de dinastia que controlava a política há 16 anos? De que modo a nova (velha) composição da Câmara Municipal vai interferir na vida do prefeito?

Luis Claudio Bili, de saída, não representa novidade alguma no município. O novo prefeito, de 43 anos, está na política desde o século passado, dentro e fora do governo. Bili é dissidente de tempos recentes. Como vereador de cinco mandatos, integrou a base de apoio dos governos de Marcio França e Tércio Garcia. O prefeito eleito foi, inclusive, secretário por três vezes, em três pastas diferentes.

Se Bili já foi da base de apoio, por que o eleitor vicentino não confirmou a continuidade no herdeiro da dinastia França? A resposta não é conclusiva e talvez jamais a seja. Mas o recado apenas confirma uma lei da História: nenhum Império é eterno. E costura outra premissa: a arrogância, em campanhas eleitorais, mata o político pela boca da urna.

Caio França perdeu no voto, mas a maior derrota é de seu pai, o deputado federal e ex-prefeito Marcio França. Ele, aliás, compõe o pacote simbólico de fracassos nesta eleição. Um olhar que nos leva a crer – com a exceção de Alberto Mourão, em Praia Grande – que os velhos coronéis não vencem mais de goleada.

A escolha de Caio França foi um ato presunçoso. Escolher um rapaz de 20 e poucos anos, sem experiência administrativa, enfatizou o que já se sabia há tempos. Marcio França continuaria governando São Vicente à distância. Esta posição, unânime em outros momentos políticos, fortaleceu uma corrente separatista, sedenta por aumentar a parte no bolo de poder em uma cidade que abriu mão da oposição.

A campanha de Caio França montou um tabuleiro com final que julgava previsível. Apenas se esqueceu de avisar os peões. Os eleitores se moveram, em parte, para um movimento anti-França (pai ou filho, pouco importa!), no qual Luis Claudio Bili serviu como válvula de escape. A Área Continental se transformou no centro da mudança, como reação a um modelo que não a colocava entre as principais prioridades.

O próprio prefeito eleito reconheceu, em entrevista ao repórter Victor Miranda, de A Tribuna, que parte dos votos vieram por insatisfação do eleitorado, e não por convicção. O cenário se tornou bipolarizado, de teste para a popularidade de Marcio França e do grupo que gerencia São Vicente há 16 anos. Os nanicos, com outros dois candidatos, ficaram minúsculos neste caso, dilacerados pela implosão dentro de seus próprios partidos.

O eleitor pode ser paradoxal quando encara a campanha municipal – efetivamente - como duas votações. A escolha de vereadores envolve critérios mais individualizados, menos abstratos e amplos sobre a cidade. Em São Vicente, a Câmara Municipal teve pouca renovação.

A única questão é que os papéis dos vereadores se inverteram. Antes, não havia opositores ao Governo no Poder Legislativo. A partir de 2013, a maioria dos vereadores será de oposição. Apesar da aparente dificuldade para Bili, maioria é um termo relativo, pois já teve gente que mudou de lado na festa da vitória.

Como Luis Claudio Bili na Prefeitura, São Vicente provou que tem um modo particular de fazer política, capaz de derrubar analistas e pesquisas. Lá, situação e oposição são palavras bastante flexíveis.
 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O debate morreu


Às vésperas do dia 7 de outubro, o eleitor assinou o atestado de óbito dos debates na TV. A causa da morte, segundo o documento, foi falência múltipla de órgãos, provocada – principalmente – por inanição retórica, uma variação maligna da síndrome das palavras vazias.

A sabedoria popular nos ensina que a diferença entre veneno e cura é a dosagem do remédio. No caso dos debates, uma autópsia deveria investigar a possibilidade de overdose. Em outras palavras, espalhar-se por várias emissoras de TV pode ser um dos fatores que mataram, lentamente, o formato.

Os debates deixaram de ser um momento de expectativa dentro do processo eleitoral. Caíram na vala da banalização. Os candidatos se enfrentam mais de meia dúzia de vezes em frente às câmeras. Repetem os argumentos, desgastam as promessas, ressuscitam o passado tantas vezes que a denúncia anda como morto-vivo, sem provocar cócegas no adversário.

Até os mais engajados se cansaram do volume de conversa fiada. É comum nas rodas de conversa: “Viu um, viu todos!” O debate também deixou de ser atraente em termos de audiência. Não altera o estado de coisas. Padece da inércia para o Ibope.

O debate político-eleitoral se manteve vigoroso desde o início dos anos 60, quando foi realizado pela primeira vez, na TV americana. Na ocasião, a CBS transmitiu o encontro entre o democrata John Kennedy e o republicano Richard Nixon. O impacto foi tão forte, com leituras contrárias sobre vencedor, que as emissoras abandonaram a ideia por uma década.

No Brasil, debates entraram para a história como fatores decisivos para uma eleição. A jornalista Marília Gabriela, no final dos anos 80, tentando controlar os presidenciáveis. A famosa edição do debate entre Collor e Lula, feita pelo jornal Nacional, em 1989. A pergunta de Boris Casoy para Fernando Henrique: “Você acredita em Deus?” A falta de convicção de FHC teria abalado à candidatura para prefeito de São Paulo.

Candidatos na dianteira desprezam os debates, cientes de que pouco ou nada perderão nas pesquisas de opinião. O próprio Lula tomou tal atitude. João Paulo Tavares Papa adotou a versão caiçara de ausência e ganhou sem arranhões, em 2008. Nesta campanha, Alberto Mourão, em Praia Grande, também toma chá de sumiço a cada debate que se desenha na TV.

A última pesquisa divulgada por este jornal reforça que o modelo havia entrado em coma. Menos de 10% dos entrevistados acompanham a campanha eleitoral via debates na TV. Mais do que o dobro disseram acompanhar pelo horário eleitoral gratuito, a noiva negociada a dotes pelos candidatos.

Mas é preciso tomar cuidado! O eleitor é um bicho arisco, como o caipira que finge concordar com os arrotos de presunção do primo da cidade. O eleitor, no geral, se cansou do palavrório e assiste ao horário eleitoral como se fosse um programa de televendas: cai no canal sem querer, vê uma ou outra oferta, mesmo sem dinheiro, e segue a peregrinação por controle remoto. Os debates, que simbolizariam a liberdade democrática, estão presos na própria armadilha. A preocupação em se organizar, em evitar que candidatos falem o que quiser sem controle, deu margem para o excesso de regras.

As emissoras, em muitas situações, se submeteram às amarras dos candidatos, cujos nós são atados pelos assessores e pensadores de marketing. A sobrevivência da burocracia, por meio de regulamentos rígidos, assassinou toda e qualquer chance de se ver alguma espontaneidade política. Os debates, infelizmente, deixaram de ser o antídoto para o tédio de campanhas cada vez mais plásticas e ocas de discursos múltiplos. Tornaram-se tão previsíveis quanto um corpo que acaba de falecer.