sábado, 12 de março de 2011

Capítulos de uma aula decadente

Ao entrar na biblioteca da universidade, encontrei um ex-aluno. Recém-formado, ele é o típico sujeito pronto para exercer sua profissão sem grandes problemas. Boa formação, ético, antenado em questões sociais, preocupado em se atualizar por meio dos estudos. 

Estava contente ao saber que, por ter diploma de ensino superior, não precisaria prestar vestibular. Bastava esperar pela sobra de vagas. O rapaz pretendia fazer o curso de Direito, pois havia abandonado a sala de aula após seis meses como professor de escola pública.

A pergunta óbvia: - Por que largou?

A resposta imediata: - Desisti!!! Não dá para trabalhar à noite sob ameaças dos alunos.

Dois dias depois, uma aluna de Jornalismo veio me procurar para tirar dúvidas. Ela pretende fazer uma reportagem sobre Hiperatividade, doença da “moda” nos sistemas de ensino. Palavra da moda por duas razões.

1)  o termo foi banalizado. Muitos falam sobre a doença sem ter a menor ideia dos sintomas e do tratamento. Qualquer criança mais agitada, bagunceira ou que deseja um pouco mais de atenção pode ser classificada como hiperativa. O carimbo na testa que a tornará marginal na escola.

2) as escolas, além de não terem pessoas com formação – em muitos casos – para diagnosticar crianças com problemas de aprendizagem, não as encaminha para um profissional competente. Quando não ocorre o exercício da negação, por acordo velado entre instituição e pais para preservar da imagem da escola.

A aluna estava com dificuldades de conversar com escolas privadas sobre o tema. As equipes pedagógicas relutavam em reconhecer que poderiam ter crianças com o problema em suas classes. Quando admitiam, transferiam a culpa para os pais. No beco sem saída, tocar no assunto significa automaticamente o estigma. Desconfio que o parecer talvez fosse exercício de auto-imagem.

Escolas públicas e privadas são irmãs gêmeas diante de um espelho. Podemos localizar diferenças nos acessórios, nas roupas e, principalmente, na maquiagem, mas ambas sofrem de males semelhantes, diagnosticados por médicos diferentes e com poses idênticas de vítimas.

-  Tire esse bicho daí que o problema não é meu!

-  O diagnóstico está errado. Vou procurar uma segunda opinião.

A escola se manifesta pela rejeição ao diferente. Expulsa o sujeito que tenta lutar contra o estado de coisas. Repele quando esconde embaixo de suas carteiras, em seus armários, disfunções que poderiam servir de motor para uma reformulação estrutural.

Em ambos os casos, a escola é violenta. Enxota o professor e outros funcionários por se calar diante da violência verbal e física, interna e externa. Peca ao se calar diante de um problema de ordem médica para se fingir de instituição saudável. Omitir-se é um ato tão ou mais violento quanto assinar embaixo. Ou tomar posição com consciência do erro crasso.

O irônico da cegueira é a teimosia em fingir que enxerga. São muitos pecadores, mas poucos dispostos a se confessar ou se flagelar para “purificar” a escola. O sarcasmo, a acidez na provocação vem, por exemplo, do próprio Ministério da Educação, quando escancara na TV um filme institucional sobre o papel do professor. O tom alegre era previsível, assim como o falso simbolismo globalizante dos depoimentos em vários idiomas.

Descontando-se a falta de contexto ao se comparar lugares tão diferentes, o filme repete a velha ironia do professor como um herói, como alguém que se doa por altruísmo, por vocação em ajudar o próximo. No fundo, uma estratégia tímida para atrair pessoas dispostas a ensinar pela via escolar.

Ingênuos não são os que acreditaram no filme. Esses se encontram em estado vegetativo. Ingênuos são os que se surpreenderam quando o Ministério da Educação informou – em tom de cinismo – que faltam professores no país. O déficit de docentes tende a crescer.

Em outras palavras, professor não fica desempregado. Mas que não se meta a discutir condições de trabalho, seja com o gestor público ou com o patrão da escolinha do bairro. Até porque recebe todo mês para DAR aula!

3 comentários:

  1. Concordo.
    A figura respeitada (ou temida) do professor de antigamente foi por água abaixo.
    Cheguei a postar um comentário sobre essa figura do professor no meu Blog: (http://caheisablogger.blogspot.com/2010/10/educacao-um-ponto-de-vista-bem.html) - não é propaganda. Ok?
    Dona América, minha primeira professora, Sr. Fauzi, o Adilson que me ensinou química, a Maria do Carmo, física, e tantos outros nunca esqueci pois, sem saber foram meu heróis - enquanto os da ficção, os de alguns momentos, foram sendo esquecidos.
    Professor e policial militar deveriam ser muito bem pagos, respeitados e garantidos em suas posições. Só assim evitaríamos que os "não-sei-o-que-fazer-na-vida ingressassem nessas profissões.
    Heroínas como Hilary Swank, em Escritores da Liberdade, ou heróis como Matthew Perry em A História de Ron Clark ficam só nos filmes mesmo. na vida real...

    Cahe is a Blogger

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  2. Caro Cahe, a maioria dos filmes hollywoodianos enaltece a figura do professor como herói. Na verdade, é apenas mais um profissional, com suas próprias contradições. Reconheço a redundância do argumento, mas os flmes pouco ajudam a reverter a imagem da profissão. Prefiro filmes como o francês "Entre os muros da escola". Grande abraço!!

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  3. Realmente, uma escola é muito mais do que o professor, o aluno e a direção!! O imenso guarda chuva abriga problemas e distorções de todos os tipos e rótulos e atualmente falta de educação "de casa" é confundida com hiperatividade ou mesmo nem é considerada!! Ora bolas se não se sabe distinguir hierarquia, como poderá aprender ou apreender "lições"? São crianças criadas absolutas em suas falta de limites, que viram adultos ainda mais sem limites até mesmo de um básico convívio social!!!

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