quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Humor e preconceito



Mariana Amarante

O humor no Brasil, por muito tempo, foi dominado por homens brancos, cis e heterossexuais, assim como todos os outros aspectos da sociedade. Portanto, é possível perceber inúmeras semelhanças nas piadas, visto que a maioria tem um alvo em comum: as minorias.

As piadas estereotipadas existem há muito tempo, sempre usadas como uma forma de retratar, de forma “engraçada”, o que a sociedade pensa de fato. Piadas preconceituosas repetem um discurso agressivo, na tentativa de manter as minorias no lugar que elas lutam para sair, além de serem rasas, sem reflexão e possuírem um único objetivo: atacar os que sempre foram atacados.

Atualmente, o questionamento sobre o limite do humor está ganhando cada vez mais força, fazendo com que muitos comediantes (não todos) repensem o tipo de piada que criam e reproduzem, e o público questione o que o faz rir. Estabelecer um limite para o humor é uma tarefa complexa, pois nos força a enxergar além da nossa “bolha” e questionar o papel da piada na sociedade.

Na minha concepção, o humor exige diálogo. O comediante deve, de certa forma, estabelecer uma conexão com o seu público, possibilitando, assim, uma troca e um crescimento para ambas as partes. O humor pode ser entretenimento e fazer com que o público tenha um momento de alívio, mas também deve trazer reflexões. 

As piadas são uma ferramenta de enfrentamento da realidade, muitas vezes fazendo com que seja mais fácil refletir e encarar situações complexas. Sendo assim, acredito que piadas estereotipadas não levam a lugar nenhum, apenas reforçam os problemas sociais já existentes, ao invés de confrontá-los.

Vários humoristas dizem que o humor precisa de um alvo, e concordo com isso. Entretanto, é necessário escolher o alvo correto. Se o tema é racismo, a piada não deve ser racista, mas sim dialogar com o público de forma que o faça refletir sobre o quanto o racismo está presente na nossa sociedade atual e fazê-lo chegar a conclusão de que isso precisa mudar. 

O humor é a verdade com um nariz de palhaço, ou seja, uma piada nunca é só uma piada. Ela carrega todo um discurso, por mais que o humorista que a faça diga que não. As piadas podem ser racistas, homofóbicas, machistas etc, mas também podem ir contra todos esses discursos opressores.

Questionar o ato de fazer piadas preconceituosas não é, de forma alguma, uma censura ao comediante. Muito pelo contrário, é uma maneira de fazê-lo enxergar que o discurso dele fere a liberdade de uma parcela da população. Não pode existir “liberdade de expressão” apenas para um grupo de pessoas, é preciso existir para todos.

Se o humorista faz uma piada preconceituosa, ele precisa, no mínimo, lidar com a revolta da parcela da população que foi atacada e assumir a responsabilidade pelo que foi dito. O humor possui responsabilidade assim como qualquer outro discurso. Volto a dizer que as piadas refletem a realidade e, se existem piadas preconceituosas, é porque vivemos em uma sociedade desigual. Ao invés de repetir o discurso, o humor pode ser usado como ferramenta para mudá-lo.

Com os questionamentos, foram surgindo espaços no humor para pessoas das minorias. Hoje, temos um cenário com mais mulheres, negros e pessoas LGBTQ+ fazendo stand-up, por exemplo. Com isso, as pessoas se sentem melhor representadas e há voz para indivíduos que não são de uma parcela privilegiada da sociedade, trazendo o humor como uma forma de enfrentamento à realidade desigual em que vivemos.

As piadas podem ser usadas para argumentar contra os preconceitos existentes e fazer o público refletir sobre a situação atual do país. Não só a situação social, mas também econômica, política, entre outras. O humor pode ser muito importante para trazer mudanças se fizermos bom uso dele, e não apenas o tratarmos como algo vazio e sem propósito.


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