terça-feira, 6 de novembro de 2018

Resistir é legítimo!


Marcus Vinicius Batista

Os apaziguadores podem ser sujeitos perigosos. O perigo mora na ambiguidade de suas atitudes e como elas podem usadas pelos lados do balcão (sempre mais de dois). A turma do deixa disso pode pecar pela ingenuidade, vestida de Poliana enquanto um dos lados ladra e ladra no limite da agressão.

O pacifismo, quando mal intencionado, mascara a crueldade, camufla as intenções de enfraquecer quem pensa e age diferente, vendendo e comprando a ideia de que todos os envolvidos estão de bandeira branca erguida. Na verdade, bandeira que encobre o desejo por sangue alheio daqueles que incentivam a falsa palavra de paz.

Independentemente do que carregam atrás do palco, os apaziguadores acabaram, no passado recente, por comprar um discurso distorcido de quem virou situação pelo voto, antes pelos conchavos, na política brasileira. Os mensageiros da paz engoliram a ideia que resistir significa, no automático, torcer contra, pensar que quanto pior, melhor, expelir ranhetice, não saber perder. De alguns, pode ser. De todos, é se sentar na infantilidade generalizada.

Esta postura esconde, de maneira voluntária ou não, uma série de pontos. O autoritário deseja, em todos os níveis, ser a única voz. O autoritário goza ao som das próprias notas, sem ruídos, sem interferências, sem contestações. Resistir é mostrar a ele que a voz pode ter vários timbres, diversos autores, inúmeros instrumentos. A resistência aponta para a mudança de repertório com alguma influência de todos os músicos da orquestra, e não exclusivamente do maestro.

O segundo ponto é a própria existência da democracia em si. A democracia representa o regime da maioria e um governo só cresce, só se mostra efetivo quando conversa e ouve, de fato, todos que se sentam à mesa. Resistir pode elevar o nível do debate, apontar novos ângulos, olhar novas perspectivas que não podem ser esquecidas por quem se senta à cabeceira da mesa e hoje dá as cartas.

Resistir é fazer oposição. E fazer oposição é diferente de ser do contra. O ser do contra, cedo ou tarde, se esvazia no próprio discurso oco, sem ideias oxigenadas, sem propostas que arejem o ambiente político. A resistência nasce até com o risco de ser plagiada, quando o poder não sofre da arrogância cega da tirania. O poder inteligente é capaz de aproveitar os questionamentos da oposição igualmente sagaz, nem que seja com o objetivo maquiavélico de tornar seus adversários figuras decorativas.

Resistir é sinônimo de liberdade, de livre trânsito político, de pensar na coletividade, de escapar do destino de repetir mensagens superficiais a serem ruminadas pela manada. Resistir é ser livre para escolher caminhos de proteção contra os excessos do poder constituído, exercitar a fiscalização, vigiá-lo de perto para que não confunda liberdade com ausência de limites, equívoco que resulta em violências de todas as ordens.

A resistência não tem cor de partido derrotado nem cheiro de sigla contaminada pela mosca azul que voa nos palácios dos acordos, porcentagens e dinheiro vivo guardados em todos os buracos do corpo humano e institucional. Resistir é ecumênico, inclusos os que votaram no próximo ocupante da cadeira, caso ele e sua turma decidam pela estrada das patotas, das panelinhas, dos amigos dos amigos. A resistência veste a toga não para se beneficiar, mas para indicar que governar significa mais do que projeto de poder pessoal ou de um grupo.

Resistir é política saudável. Sem contraponto, a democracia adoece, as instituições balançam as pernas, os donos do poder se embriagam sem que ninguém tenha força para fazê-los contornar alucinações e delírios de grandeza. A resistência pode ser o remédio para a soberba política, para o complexo de Deus (ou o caráter messiânico) que acomete e acometeu muitos “pais” da República brasileira.

Os apaziguadores, quando pedem que a resistência desapareça, se esquecem de um ponto vital: quem é situação hoje foi ou pode ter sido oposição ontem. Quem estará no poder amanhã compôs os quadros da oposição agora há pouco ou ontem. Resistir é parte da democracia. Sem ela, temos tirania. Sem resistência, caminhamos sem freios para o totalitarismo.

Nele, o pelotão de fuzilamento atira na verdade, no diálogo, no debate, no pensamento crítico, na contestação, não exatamente nesta ordem de corpos ao solo. A lista de cadáveres inclui os que quiseram costurar panos quentes.

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