sexta-feira, 24 de outubro de 2014
A batalha do trânsito
A decisão da Companhia de Engenharia de Tráfego de Santos em proibir o estacionamento de veículos na avenida Washington Luiz provocou reações inesperadas até para a própria empresa, acostumada com medidas impopulares. A proibição começa a vigorar no final do mês, atinge o trecho entre a praia e a avenida Francisco Glicério e valerá entre 7h e 20h, nos dias úteis.
Normalmente, as reações em torno de mudanças no trânsito não passam de conversas irritadas nos botecos, xingamentos contra agentes da companhia ou surpresas para motoristas apressados. Desta vez, os moradores e comerciantes transformaram o trânsito numa batalha política.
Nasceu o Movimento Canal 3, que resultou em um abaixo-assinado com três mil nomes, um protesto na Câmara Municipal e a adesão de moradores de outros bairros, temerosos por ações semelhantes por toda a cidade. O passo seguinte foi uma reunião entre representantes do movimento e da CET.
Os integrantes do Movimento Canal 3 alegam que não foram consultados e que a medida é, no mínimo, arbitrária. A avenida serve para moradores da região, cujos prédios não possuem garagens, e para clientes do comércio local.
A CET defende que a proibição de estacionamento eleva a fuidez do tráfego em 40%, pois o Canal 3 é rota de ligação entre os bairros centrais e os da orla da praia.
O embate, no entanto, esconde – logo abaixo da superfície – dois pontos que merecem reflexão. O primeiro ponto é que os governantes seguem mal acostumados com reações populares. Assustam-se com isso. E demoram para lidar com o problema. Os protestos do ano passado – guardando as óbvias proporções – indicaram a lentidão de quem defende a democracia desde que controle as regras do jogo.
A reação do Movimento Canal 3 é legítima, sem entrar no mérito das reivindicações. É legítima porque o processo democrático funciona pelo conflito de ideias, pelo diálogo contínuo entre a comunidade e os representantes dela nas esferas de poder. É uma pena que a palavra “contínuo” – usada na frase anterior – pouco seja adotada por aqui. Os Poderes Executivos e Legislativo, que vivem abraçados, costumam tomar as decisões nos corredores e plenários, sem que a maioria das pessoas sequer tenha ciência das mudanças.
O segundo ponto é a fragilidade da política pública municipal de transporte e trânsito. Os problemas de tráfego nas principais avenidas da cidade existem há mais de uma década. E as soluções, sempre que anunciadas, beiram a megalomania. Em ano de eleição, nunca se viu tanto termos como VLT, túnel e mobilidade urbana nos lábios da classe política.
Ao mesmo tempo, explodem as medidas paliativas. Mudanças de mão em dezenas de ruas e proibições de estacionamento são exemplos que confirmam como Santos se ajoelhou diante da cultura do automóvel. Enquanto o carro é símbolo de status – veículos cada vez mais parecidos com naves, por sinal -, a administração municipal permanece quase em silêncio sobre o transporte coletivo.
Quando se manifesta, prefere discutir congelamento do preço das passagens – diria uma obrigação -, internet e ar-condicionado em pequena parte da frota ou cobrança por cartão, rezando para o inverno chegar e as queixas esfriarem.
Nenhum prefeito, até o momento, teve a coragem de mudar o perfil da cidade para o transporte coletivo ou outras alternativas individuais. É de se esperar que outras doses de remédios de efeito breve sejam aplicadas. Até quando os pacientes seguirão parados, em silêncio, nos congestionamentos que se multiplicam como sintomas de um planejamento urbano doente?
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