segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Entre petralhas e coxinhas


Independentemente de quem será o próximo presidente da República, a campanha definiu o maior derrotado: nós, os eleitores. Antes que se vista o manto das vítimas, o gosto amargo do veneno nos aponta, na verdade, como cúmplices.

Somos coautores porque aceitamos os mesmos dois partidos disputando o poder há duas décadas. Não cobramos por renovação, nem dentro destas siglas, quanto mais na política no sentido mais amplo. Engolimos os mesmos discursos, nascidos dos mesmos lábios, apenas com trocas de cargos.

Somos cúmplices porque toleramos um nível de campanha que cheira a esgoto. Ficamos calados diante da ausência de propostas, de programas tão mal explicados quanto inconsistentes, da nulidade de um projeto de país para longo prazo. Assistimos aos debates como programas de humor ou como ringue.

Caímos na armadilha de uma campanha eleitoral marcada pelo marketing rasteiro e virulento. E reproduzimos a estratégia no cotidiano, como seres dominados que desconhecem o cárcere em que vivem. Levamos ao pé da letra a ideia de que democracia funciona pelo conflito, e não pelo diálogo.

A busca pelo eco entre os eleitores virou, para mim, quase uma obsessão. Padarias, pontos de ônibus, locais de trabalho, redes sociais (aliás, tão mal usadas que nunca entendemos as lições de Barack Obama. Talvez porque sejamos assim, truculentos).

De todos com quem conversei (ou das conversas que testemunhei), nenhum deles foi capaz de debater política e eleições sem descambar para as críticas ou ofensas ao candidato adversário. Tenho que admitir, claro, que alguns se esforçaram para colocar na pauta a agenda do candidato escolhido, mas aí faltavam argumentos diante do vazio do presidenciável.

Usamos como muleta a imprensa, instituição deformada pelos próprios interesses. Salvo exceções, mais individuais do que empresariais, testemunhamos um jornalismo panfletário, que oscilou entre a assessoria publicitária gratuita e o denuncismo sem evidências.

Coniventes, os eleitores atenderam ao chamado da superficialidade, quando não passaram das capas e das primeiras páginas. Poucos questionaram o tom hostil da cobertura, os erros de informação, a ausência de provas. Pelo contrário. A imprensa era a chave da credibilidade para um discurso anti-PT ou anti-PSDB, conforme o olhar do freguês.

Qualquer eleição é um festival de mentiras, de distorções estatísticas, de destruição de reputações e construção de heróis com pés de barro. O problema mora na ingenuidade infantil de assinar cheques em branco, movido pelo ódio de ver um ou outro perder nas urnas.

É a imaturidade de quem esquece que sempre haverá um vencedor, que, a partir de 2015, governará com um Congresso Nacional composto por 28 partidos. O novo presidente ganhará, de presente, sem ser o dono, um armazém de secos e molhados. E comprar, por lá, custará bem caro, mas a ser pago com dinheiro alheio.

Perdemos esta eleição. Os protestos de junho de 2013, que abriram o sorriso do otimismo, foram inúteis. As promessas de mudança por parte do governo foram ocas. A irritação dos opositores era jogo de cena. Em ambos os casos, fingir que se mude para manter a paralisia. Um crime imperdoável cuja sentença já saiu para os eleitores-cúmplices: pena de quatro anos, em regime fechado. A prisão? Um território de 8,5 milhões de quilômetros quadrados.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A batalha do trânsito


A decisão da Companhia de Engenharia de Tráfego de Santos em proibir o estacionamento de veículos na avenida Washington Luiz provocou reações inesperadas até para a própria empresa, acostumada com medidas impopulares. A proibição começa a vigorar no final do mês, atinge o trecho entre a praia e a avenida Francisco Glicério e valerá entre 7h e 20h, nos dias úteis.

Normalmente, as reações em torno de mudanças no trânsito não passam de conversas irritadas nos botecos, xingamentos contra agentes da companhia ou surpresas para motoristas apressados. Desta vez, os moradores e comerciantes transformaram o trânsito numa batalha política.

Nasceu o Movimento Canal 3, que resultou em um abaixo-assinado com três mil nomes, um protesto na Câmara Municipal e a adesão de moradores de outros bairros, temerosos por ações semelhantes por toda a cidade. O passo seguinte foi uma reunião entre representantes do movimento e da CET.

Os integrantes do Movimento Canal 3 alegam que não foram consultados e que a medida é, no mínimo, arbitrária. A avenida serve para moradores da região, cujos prédios não possuem garagens, e para clientes do comércio local.

A CET defende que a proibição de estacionamento eleva a fuidez do tráfego em 40%, pois o Canal 3 é rota de ligação entre os bairros centrais e os da orla da praia.

O embate, no entanto, esconde – logo abaixo da superfície – dois pontos que merecem reflexão. O primeiro ponto é que os governantes seguem mal acostumados com reações populares. Assustam-se com isso. E demoram para lidar com o problema. Os protestos do ano passado – guardando as óbvias proporções – indicaram a lentidão de quem defende a democracia desde que controle as regras do jogo.

A reação do Movimento Canal 3 é legítima, sem entrar no mérito das reivindicações. É legítima porque o processo democrático funciona pelo conflito de ideias, pelo diálogo contínuo entre a comunidade e os representantes dela nas esferas de poder. É uma pena que a palavra “contínuo” – usada na frase anterior – pouco seja adotada por aqui. Os Poderes Executivos e Legislativo, que vivem abraçados, costumam tomar as decisões nos corredores e plenários, sem que a maioria das pessoas sequer tenha ciência das mudanças.

O segundo ponto é a fragilidade da política pública municipal de transporte e trânsito. Os problemas de tráfego nas principais avenidas da cidade existem há mais de uma década. E as soluções, sempre que anunciadas, beiram a megalomania. Em ano de eleição, nunca se viu tanto termos como VLT, túnel e mobilidade urbana nos lábios da classe política.

Ao mesmo tempo, explodem as medidas paliativas. Mudanças de mão em dezenas de ruas e proibições de estacionamento são exemplos que confirmam como Santos se ajoelhou diante da cultura do automóvel. Enquanto o carro é símbolo de status – veículos cada vez mais parecidos com naves, por sinal -, a administração municipal permanece quase em silêncio sobre o transporte coletivo.

Quando se manifesta, prefere discutir congelamento do preço das passagens – diria uma obrigação -, internet e ar-condicionado em pequena parte da frota ou cobrança por cartão, rezando para o inverno chegar e as queixas esfriarem.

Nenhum prefeito, até o momento, teve a coragem de mudar o perfil da cidade para o transporte coletivo ou outras alternativas individuais. É de se esperar que outras doses de remédios de efeito breve sejam aplicadas. Até quando os pacientes seguirão parados, em silêncio, nos congestionamentos que se multiplicam como sintomas de um planejamento urbano doente?

Vaidade e política

A Baixada Santista manteve o resultado histórico nas eleições do domingo passado. No Poder Executivo, repetiu – em linhas gerais – a postura pró-tucana, em rejeitar o governo Dilma e dar a liderança de votos para Geraldo Alckmin.

No Poder Legislativo, se permanecermos na leitura inicial, podemos esconder ilusões e mascarar certos equívocos que se repetiram durante a campanha. Historicamente, a região manteve a média de três deputados federais – João Paulo Tavares Papa (PSDB), Beto Mansur (PRB) e Marcelo Squassoni (do mesmo partido).

No caso de deputado estadual, a situação foi um pouco mais complicada, mas o resultado aponta causas semelhantes. A Baixada Santista emplacou três parlamentares - Caio França (PSB), Cássio Navarro (PSDB) e Paulo Côrrea Junior (PEN). A região chegou a ter cinco parlamentares em outras gestões.

Nenhum dos três eleitos ao Congresso teve uma votação de assustar os analistas. Pelo contrário. Mansur e Squassoni tiveram votações tímidas, 31.301 e 31.315, respectivamente. Os dois devem a Celso Russomano, o mais votado do Estado, as cadeiras em Brasília. Mansur repetiu a estratégia da eleição anterior, quando se elegeu por conta do resultado de Paulo Maluf. Na época, Mansur era filiado ao PP.

Até João Paulo Tavares Papa correu riscos. Durante a apuração, chegou a ser o último da lista de eleitos pelo PSDB. O número de votos (117.590) não se compara com os resultados de Márcio França, o mais votado do litoral sul, em 2006 (215.388 votos) e 2010 (172.005).

Para deputado estadual, Caio França fez uma campanha mais equilibrada, fruto também da influência paterna. Ficou com 123.138 votos, sendo cerca de 60% da região e 40% de outras áreas do Estado. O quadro é muito parecido com o de Paulo Côrrea Júnior. O votação foi mais apertada (38.489), ele entrou na lista de eleitos no final da apuração, mas distribuiu os votos na mesma proporção de Caio pelo Estado.

Cássio Navarro, genro do prefeito de Praia Grande, Alberto Mourão, teve 50.093 votos. Dois terços foram em Praia Grande, 85% na Baixada Santista. Um risco alto, que aponta o maior problema dos candidatos da região.

Muitos indicaram Samuel Moreira, eleito deputado federal pelo PSDB, como o sétimo parlamentar do litoral sul. No entanto, a base dele é o Vale do Ribeira. O que importa, no entanto, é que Moreira fez campanha além dos limites do domicílio eleitoral. 60% dos votos de Registro, principal cidade do Vale, foram para ele, é verdade, mas são apenas 19 mil dos 227 mil votos.

A lição está neste aspecto. Samuel Moreira conduziu uma campanha agressiva na Baixada Santista e em outros pontos do Estado. Teve quase o dobro de votos de João Paulo Tavares Papa, do mesmo partido. Aliás, por aqui aconteceu o contrário, em várias cidades. Vereadores de vários municípios – em Santos, pelo menos três parlamentares – apareciam em fotos de campanha com candidatos de outras regiões, além de fazer propaganda no corpo a corpo.

Além disso, a Baixada Santista nunca teve tantos candidatos. Foram 115 contra 100 em 2010. 49 candidatos a deputado federal e 66 a estadual. A maioria deles serviu para tirar votos dos grandes concorrentes, reforçando apenas a legenda e fazendo vitrine para a eleição municipal em 2016.

Voltamos às lições de Samuel Moreira. No Vale do Ribeira, há relativo consenso em torno do nome dele, que canaliza votos e o torna – com clareza – o representante daquela região. Assim o fez na Assembleia Legislativa, assim aconteceu na eleição de domingo. Isso sem discutir os méritos do mandato dele; avalia-se somente o número final da votação.

A eleição também apontou o desgaste de nomes antigos da política. Beto Mansur entrou raspando pela segunda vez. Telma de Souza ficou como terceira suplente do partido. Professor Fabião será segundo suplente do PSB. Maria Lúcia Prandi não se reelegeu deputada federal, assim como Luciano Batista, estadual. Mariângela Duarte teve a pior votação da carreira.

Os partidos não se renovaram, em linhas gerais. No PT, o cenário é mais grave, porque apareciam sinais claros nas eleições municipais de 2012. Os políticos mais novos, como Caio França e Cássio Navarro, devem ser relativizados porque representam dinastias familiares, no poder há 20 anos.

O resultado final é que os candidatos da região tiveram 34% menos votos para deputado federal, comparando com 2010. São aproximadamente 225 mil votos a menos.

O índice percentual se repete para deputado estadual. São cerca de 326 mil votos em concorrentes de outras áreas de São Paulo. Pode-se considerar que Bruno Covas aparecia, em 2010, como candidato da Baixada Santista, antes de mudar de domicílio eleitoral. Mas, na prática, soa como desculpa para uma série de erros de campanha.

As urnas não mentem e fornecem lições, mas somente para quem tem interesse em aprender. Talvez seja a hora de descer do pedestal da vaidade e compreender que se tornou caso de sobrevivência voltar ao banco escolar eleitoral. A nova prova já está marcada: 2016.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Conversa inútil


Marina Silva, Dilma Roussef e Aécio Neves

Os debates na TV entre os principais candidatos à Presidência da República garantem duas certezas: pérolas de humor e a necessidade de se rever, com urgência, um formato que se tornou inútil para o processo eleitoral.

Os debates políticos tornaram-se meros enfeites. São conversas em que sobram ataques pessoais, frases melancólicas e a ausência quase completa de propostas e de programas de governo. Ironicamente, não discutir além das generalizações nos poupa de peças de ficção científica, embora não nos proteja de promessas ocas.

Os debates cometeram suicídio político. Há debates em excesso na TV brasileira. Todos os canais resolveram montar o próprio ringue. Quem tem audiência e prestígio fica para o final da campanha. O SBT chegou ao cúmulo de promover um debate no horário improvável das 17h45.

Os índices de audiência comprovam a ineficácia do formato. Nenhum debate registrou mudanças substanciais de público. Aliás, as pesquisas indicam que os debates pouco alteram as intenções de voto. Pelo contrário, reforçam teses do eleitorado, tanto o engajado quanto o que caiu de paraquedas via controle remoto. As brigas entre os candidatos confirmam o amor e o ódio por eles.

Além disso, os debates viraram um rosário de restrições, por pressões das equipes de campanha. Com o formato engessado, sobrou pouco espaço para manifestações espontâneas. Dois candidatos combinam entre si para atacar um terceiro. Os cidadãos comuns, ao contrário do modelo americano, foram calados e ficaram distantes do processo.

Quem lidera também ficou mais protegido, paradoxalmente. O modelo atual dá margem para ataques, mas expõe o agressor como alguém que abriu mão de propostas em detrimento da briga de rua. Em situações nas quais o líder das pesquisas pode vencer no primeiro turno ou com folga no segundo turno, é muito mais cômodo simplesmente não aparecer na TV. Isso aconteceu, por exemplo, com Lula e com o então prefeito de Santos João Paulo Tavares Papa.

Os eleitores mais saudosistas, neste momento da corrida, se lembram dos primeiros debates, no final da década de 80. Lembram-se de concorrentes como Mário Covas, Ulisses Guimarães, Paulo Maluf, Leonel Brizola, Lula e até Fernando Collor. Sem entrar no mérito das paixões, os primeiros debates eram conduzidos por grupos de veículos de comunicação e aconteciam em quantidade menor. As regras eram mais soltas e davam maior mobilidade aos candidatos. 

Da esquerda para a direita, Paulo Maluf, Mário Covas,
Maria Gabriela (mediadora), Lula, Ronaldo Caiado e
Guilherme Afif Domingos

Os debates presidenciais começaram nos Estados Unidos, em 1960, ainda no tempo da TV preto e branco. Os candidatos eram o republicano Richard Nixon e o democrata John Kennedy. O primeiro debate foi transmitido simultaneamente no rádio e na TV, pela CBS.

O impacto foi curioso. Nixon teria vencido para quem ouviu pelo rádio. Para os telespectadores, o ganhador foi Kennedy, visto como mais bonito, carismático e de voz sedutora. Nixon suava em bicas dentro do estúdio, o que dava a impressão de nervosismo. As reações contraditórias causaram tamanho estrondo que os Estados Unidos ficaram sem debates na TV por 16 anos.

Assisto aos debates por obrigação profissional, e penso que não precisamos ignorá-los. Talvez tenha a esperança de que o circo dê lugar a uma conversa séria. Ou que a palhaçada assuma de vez o lugar no picadeiro.