sábado, 19 de julho de 2014

Na terra de Julio Verne


Com o início da campanha eleitoral, eles se multiplicam, elevam o tom de voz para aparecer na multidão, se tornam mais criativos e tagarelas. A política se transforma numa competição em que vence o campeão da megalomania. Se somarmos todas as propostas de obras mirabolantes que apareceram por aqui nos últimos dez anos, a Baixada Santista seria cenário nos livros do mestre Julio Verne. 

Julio Verne teria imaginação para tantas obras?

Na verdade, nem Verne teria a imaginação de reunir, numa mesma região, tantas fábulas que prometem a revolução econômica e social ao mesmo tempo. Do milagre da multiplicação de empregos à pós-modernidade do sistema de transporte. No discurso de ocasião, os eleitores não sabem qual gênero literário escolher. Não sabem se ficam entre a ficção científica, a fantasia mágica de Harry Potter ou a transformação de homens de gravata em super-heróis de histórias em quadrinhos.

O último capítulo delirante foi o túnel entre Santos e Guarujá. A ideia, nascida na primeira metade do século passado, deveria se manter nas páginas da História, como uma metáfora entre o mar bíblico que se abre para os peregrinos e as vinte mil léguas submarinas. Implantar o submarino Nautilus poderia amenizar as filas nas balsas?


Nautilus: solução para as filas das balsas

A saga do túnel envolveu uma dúzia de projetos diferentes, múltiplas audiências públicas, protestos de moradores que seriam desalojados, balões de ensaio com assinaturas jurídicas e até vídeos – por que não passaram nas salas de cinema, como trailers de animações em 3D? – que detalhavam todo o trabalho. Era o calvário imaginativo de mais uma obra que existe somente no papel. As ilustrações estão lá, agora começa o romance.

O capítulo da vez é a suspensão do processo licitatório. O texto não passou por erros jurídicos. Mais dinheiro no ralo para que o equívoco teoricamente seja corrigido. No meio do caminho, uma eleição. Dependendo de quem vença, o vídeo do túnel poderá enriquecer o museu de arte contemporânea, ao lado da maquete da ponte, inaugurada em 2010.

A ciranda política roda, mas a mentalidade permanece. Todos seguem a cartilha surrada de ícones como Adhemar de Barros e Paulo Maluf, na qual obras gigantes simbolizam progresso e desenvolvimento. Políticas públicas de longo prazo, com viés social e de infraestrutura, queimam como água benta nos braços dos pecadores.

Mesmo a mentalidade de grandes obras é falha. O passado recente é prova arquitetônica disso. De Peruíbe a Bertioga, a classe política coleciona trabalhos atrasados ou incompletos. Todos ganham fita, tesoura e sorrisos. De ginásios no Litoral Sul a teatros na carcaça em terras calungas. Se não se conclui quiosques da praia de Santos no prazo, o que esperar do VLT, antes metropolitano, agora ligação dentro da Ilha de São Vicente e traçado polêmico?

Nos próximos três meses, além das obras que lembram ficções apocalípticas, a dramaturgia política deverá nos premiar com o casamento entre projetos anunciados e promessas milagrosas de mudança de vida. É o enredo perfeito para o horário eleitoral gratuito, o programa humorístico de riso nervoso e graça discutível.

Como me disse um amigo escritor, a ficção jamais consegue competir com a realidade. Nem Julio Verne.

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