A aplicação das primeiras multas para as pessoas que sujam as ruas de Santos reforçou os holofotes sobre a lei do lixo. Apesar da aprovação elevada da população e da importância de colocar o tema em pauta, a lei esconde aspectos culturais, passíveis de reflexão.
Ele não precisa de lei. Só suja o próprio quintal |
A lei se encaixa no comportamento cultural de que é preciso a mão forte e paterna do Estado para que problemas coletivos sejam amenizados ou resolvidos de vez. O pai é sempre provedor, juiz e carrasco e, desta forma, sabe o que desejamos para nós mesmos. A surra vem da mesma mão que acaricia.
Não digo que esta lei é desnecessária. Sabemos, contudo, que o país acolhe os atos jurídicos como leis que pegam e leis que não pegam. É a voz silenciosa, a reação muda de todos os envolvidos, no paradoxo de quem aceitou uma canetada de cima para baixo, excluindo-se da criação da legislação.
Implantar uma lei seria, na visão de muitos políticos, a maneira de mostrar serviço aos eleitores, ainda que não represente mudança na estrutura de fiscalização. Para os eleitores, é o conforto da transferência de responsabilidade, de quem não se vê como elemento essencial no problema.
Por outro lado, a legislação ilumina um comportamento selvagem, independentemente da conta bancária. Falta de educação não está ligada a diploma, local de moradia, classe social ou custo do carro financiado. Jogar lixo na rua significa a ausência de consciência político-cidadã, na qual o indivíduo é capaz de compreender que o espaço público é de todos e deve ser zelado pela coletividade.
A lei do lixo também expõe que certas posturas só podem ser construídas se o bolso fica mais pesado. Multas alteram ações cotidianas. Multas geram medo, fazem o sujeito pensar duas vezes. Mas daí nascem duas ideias. A primeira é que talvez o sujeito não incorpore ou entenda a necessidade de se portar de outro jeito. Apenas o faz porque teme a punição. O outro aspecto é que, sem fiscalização contínua, transgredir seja usual. Dirigir falando ao celular funciona como exemplo.
A nova legislação merece que pensemos sobre outro ângulo. Até que ponto a Prefeitura está preparada para manter um sistema de fiscalização? Por enquanto, as luzes da imprensa, o impacto político imediato e a reação das pessoas no dia a dia mantém acesa a chama que aproxima fiscalização e marketing político. Câmeras acompanham fiscais. Os primeiros infratores vestem o manto da crucificação.
A lei seca se enquadra em ambas as hipóteses. Depois de tanto alarde, entre blitz policiais e comandantes desfilando palavrório na TV, a fiscalização desapareceu. Motoristas bêbados reativaram suas máquinas de matar. Mortes e sobreviventes com sequelas povoam o noticiário todas as semanas. Tragédias que são lamentadas até nas mesinhas de bar.
Numa leitura das entrelinhas, a lei do lixo deveria servir ainda para elevar o nível de consciência ambiental. Mas um passo por vez. Com a leitura consumidora de mundo (traduzindo: “estou pagando”, para lembrar de um bordão humorístico), muitas pessoas encaram meio ambiente como aquele enfeite de decoração na mesa da sala.
Santos segue esta mentalidade. É uma cidade cada vez mais cinza, marcada pelo concreto e ferro dos espigões que se multiplicam como coelhos. A lei do lixo precisa ser enquadrada em um pacote mais extenso e profundo. Caso contrário, vai engrossar a coleção de ações ambientais isoladas, que servem de badulaques eleitorais e sequer arranharam o estilo de vida adotado pelo município nos últimos 20 anos.
Peço desculpas pelo título desta coluna. Não a você, leitor civilizado. Desculpem-me os porcos, que vivem sem aparências e com a coerência de sujar somente a própria casa.
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