sábado, 26 de julho de 2014

As fotos que nos condenam

Vivemos afogados em imagens. O fenômeno não é recente, mas hoje nos indica o caminho do suicídio. Vivemos afogados em imagens produzidas por nós mesmos. A maioria delas inúteis, inclusive para quem as criou, destinadas ao esquecimento instantâneo, à indiferença pelo banal, à ausência de afetividade contínua.

Com o início da campanha eleitoral, os peões se movem na guerra da informação. E, numa guerra, a primeira vítima é a verdade. Mais do que isso, a luta é para se construir uma nova “verdade”, artificial, sorridente, cheia de promessas, sem contexto. 

Lula, Haddad e Maluf, em 2012

As fotos assinam os casamentos de ocasião eleitoral. Apoios e alianças, que rendem cargos e acesso aos contratos, são chamados de governabilidade, aquela entidade espiritual que justifica as incoerências éticas e históricas.

Mas as fotos, quando bem selecionadas, não naufragam no mar de uma rede social. Imagens podem ser emblemáticas. Fotografias podem ser o documento histórico que mancha a biografia e ressuscita o pecado político sem a presença do confessionário.

As fotos entre os políticos soam como tragicômicas. Experiente na arte de esconder, Paulo Maluf sabe que uma foto é o contrato de cobrança para participar das refeições políticas no poder. Mas ele também sabe que uma imagem pode ser negada com enxurradas de palavras desconexas. O que importa é a frequência e a violência dos argumentos. 

Alexandre Padilha e Paulo Maluf, em amor de verão

Maluf repetiu com o candidato do PT ao Governo de São Paulo, Alexandre Padilha, a famosa imagem que fez com Lula e o prefeito Fernando Haddad, em 2012. Dias depois, assim como negou que nunca mais se candidataria se Celso Pitta fosse um prefeito ruim, Maluf anunciou apoio a Paulo Skaf, concorrente de Padilha ao mesmo cargo, só que pelo PMDB. 



O ex-presidente Lula, sempre simpático para os fotógrafos e cinegrafistas, já tirou fotos com todas as espécies. Sarney, Collor, Maluf, FHC, todos sorriram – em circunstâncias diferentes – para selar uma união pela “governabilidade”. Como interesses e pessoas mudam, Lula e FHC – irmãos na luta pela democracia – hoje parecem velhinhas que implicam com a barra da saia da outra. Lula diz que não lê o que FHC escreve, mas o próprio também já pediu outrora que esquecessem o que escrevera. 

Aquele abraço, em Palmeiras dos Índios, Alagoas

Na semana passada, um episódio da corrida eleitoral na Baixada Santista reforçou a adoção das velhas estratégias de uso da imagem. O candidato a deputado estadual Junior Bozzella apareceu, em cartazes, ao lado do prefeito de Santos, Paulo Alexandre, e o candidato a deputado federal João Paulo Tavares Papa. É a surrada aposta de associar o produto à marca e fisgar o eleitor-consumidor pela desinformação.

Menos de 24 horas depois, os cartazes sumiram dos muros. O prefeito de Santos, bem treinado nas técnicas do marketing político, joga suas fichas na lei do lixo e não poderia ser associado à sujeira da campanha eleitoral. Uma imagem, na política, pode valer como mil palavras, quando surfa na ignorância dos cidadãos.

Na Era da Imagem, as fotos perderam – em sua maioria – o poder de perpetuar um cenário, uma experiência, uma história. Mas, na sabedoria popular, fotografias não mentem sobre um ditado: diga-me com quem andas que te direi quem és.

sábado, 19 de julho de 2014

Na terra de Julio Verne


Com o início da campanha eleitoral, eles se multiplicam, elevam o tom de voz para aparecer na multidão, se tornam mais criativos e tagarelas. A política se transforma numa competição em que vence o campeão da megalomania. Se somarmos todas as propostas de obras mirabolantes que apareceram por aqui nos últimos dez anos, a Baixada Santista seria cenário nos livros do mestre Julio Verne. 

Julio Verne teria imaginação para tantas obras?

Na verdade, nem Verne teria a imaginação de reunir, numa mesma região, tantas fábulas que prometem a revolução econômica e social ao mesmo tempo. Do milagre da multiplicação de empregos à pós-modernidade do sistema de transporte. No discurso de ocasião, os eleitores não sabem qual gênero literário escolher. Não sabem se ficam entre a ficção científica, a fantasia mágica de Harry Potter ou a transformação de homens de gravata em super-heróis de histórias em quadrinhos.

O último capítulo delirante foi o túnel entre Santos e Guarujá. A ideia, nascida na primeira metade do século passado, deveria se manter nas páginas da História, como uma metáfora entre o mar bíblico que se abre para os peregrinos e as vinte mil léguas submarinas. Implantar o submarino Nautilus poderia amenizar as filas nas balsas?


Nautilus: solução para as filas das balsas

A saga do túnel envolveu uma dúzia de projetos diferentes, múltiplas audiências públicas, protestos de moradores que seriam desalojados, balões de ensaio com assinaturas jurídicas e até vídeos – por que não passaram nas salas de cinema, como trailers de animações em 3D? – que detalhavam todo o trabalho. Era o calvário imaginativo de mais uma obra que existe somente no papel. As ilustrações estão lá, agora começa o romance.

O capítulo da vez é a suspensão do processo licitatório. O texto não passou por erros jurídicos. Mais dinheiro no ralo para que o equívoco teoricamente seja corrigido. No meio do caminho, uma eleição. Dependendo de quem vença, o vídeo do túnel poderá enriquecer o museu de arte contemporânea, ao lado da maquete da ponte, inaugurada em 2010.

A ciranda política roda, mas a mentalidade permanece. Todos seguem a cartilha surrada de ícones como Adhemar de Barros e Paulo Maluf, na qual obras gigantes simbolizam progresso e desenvolvimento. Políticas públicas de longo prazo, com viés social e de infraestrutura, queimam como água benta nos braços dos pecadores.

Mesmo a mentalidade de grandes obras é falha. O passado recente é prova arquitetônica disso. De Peruíbe a Bertioga, a classe política coleciona trabalhos atrasados ou incompletos. Todos ganham fita, tesoura e sorrisos. De ginásios no Litoral Sul a teatros na carcaça em terras calungas. Se não se conclui quiosques da praia de Santos no prazo, o que esperar do VLT, antes metropolitano, agora ligação dentro da Ilha de São Vicente e traçado polêmico?

Nos próximos três meses, além das obras que lembram ficções apocalípticas, a dramaturgia política deverá nos premiar com o casamento entre projetos anunciados e promessas milagrosas de mudança de vida. É o enredo perfeito para o horário eleitoral gratuito, o programa humorístico de riso nervoso e graça discutível.

Como me disse um amigo escritor, a ficção jamais consegue competir com a realidade. Nem Julio Verne.

terça-feira, 15 de julho de 2014

A lei contra os porcos


A aplicação das primeiras multas para as pessoas que sujam as ruas de Santos reforçou os holofotes sobre a lei do lixo. Apesar da aprovação elevada da população e da importância de colocar o tema em pauta, a lei esconde aspectos culturais, passíveis de reflexão. 

Ele não precisa de lei. Só suja o próprio quintal

A lei se encaixa no comportamento cultural de que é preciso a mão forte e paterna do Estado para que problemas coletivos sejam amenizados ou resolvidos de vez. O pai é sempre provedor, juiz e carrasco e, desta forma, sabe o que desejamos para nós mesmos. A surra vem da mesma mão que acaricia.

Não digo que esta lei é desnecessária. Sabemos, contudo, que o país acolhe os atos jurídicos como leis que pegam e leis que não pegam. É a voz silenciosa, a reação muda de todos os envolvidos, no paradoxo de quem aceitou uma canetada de cima para baixo, excluindo-se da criação da legislação.

Implantar uma lei seria, na visão de muitos políticos, a maneira de mostrar serviço aos eleitores, ainda que não represente mudança na estrutura de fiscalização. Para os eleitores, é o conforto da transferência de responsabilidade, de quem não se vê como elemento essencial no problema.

Por outro lado, a legislação ilumina um comportamento selvagem, independentemente da conta bancária. Falta de educação não está ligada a diploma, local de moradia, classe social ou custo do carro financiado. Jogar lixo na rua significa a ausência de consciência político-cidadã, na qual o indivíduo é capaz de compreender que o espaço público é de todos e deve ser zelado pela coletividade.

A lei do lixo também expõe que certas posturas só podem ser construídas se o bolso fica mais pesado. Multas alteram ações cotidianas. Multas geram medo, fazem o sujeito pensar duas vezes. Mas daí nascem duas ideias. A primeira é que talvez o sujeito não incorpore ou entenda a necessidade de se portar de outro jeito. Apenas o faz porque teme a punição. O outro aspecto é que, sem fiscalização contínua, transgredir seja usual. Dirigir falando ao celular funciona como exemplo.

A nova legislação merece que pensemos sobre outro ângulo. Até que ponto a Prefeitura está preparada para manter um sistema de fiscalização? Por enquanto, as luzes da imprensa, o impacto político imediato e a reação das pessoas no dia a dia mantém acesa a chama que aproxima fiscalização e marketing político. Câmeras acompanham fiscais. Os primeiros infratores vestem o manto da crucificação.

A lei seca se enquadra em ambas as hipóteses. Depois de tanto alarde, entre blitz policiais e comandantes desfilando palavrório na TV, a fiscalização desapareceu. Motoristas bêbados reativaram suas máquinas de matar. Mortes e sobreviventes com sequelas povoam o noticiário todas as semanas. Tragédias que são lamentadas até nas mesinhas de bar.

Numa leitura das entrelinhas, a lei do lixo deveria servir ainda para elevar o nível de consciência ambiental. Mas um passo por vez. Com a leitura consumidora de mundo (traduzindo: “estou pagando”, para lembrar de um bordão humorístico), muitas pessoas encaram meio ambiente como aquele enfeite de decoração na mesa da sala.

Santos segue esta mentalidade. É uma cidade cada vez mais cinza, marcada pelo concreto e ferro dos espigões que se multiplicam como coelhos. A lei do lixo precisa ser enquadrada em um pacote mais extenso e profundo. Caso contrário, vai engrossar a coleção de ações ambientais isoladas, que servem de badulaques eleitorais e sequer arranharam o estilo de vida adotado pelo município nos últimos 20 anos.

Peço desculpas pelo título desta coluna. Não a você, leitor civilizado. Desculpem-me os porcos, que vivem sem aparências e com a coerência de sujar somente a própria casa.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O fator França


A decisão do PSDB em escolher o deputado federal Marcio França como candidato a vice-governador do Estado, ao lado de Geraldo Alckmin, não é para causar espanto. Pelo contrário. França cantava em verso e prosa há seis meses, o que representou, para adversários, mais um blefe do que uma costura política. O tempo confirmou a segunda hipótese.

Marcio França, ao lado do governador Geraldo Alckmin

Depois de um ano e meio, Marcio França prova que aprendeu com a maior derrota política da carreira. O ex-prefeito de São Vicente protagonizou a surpresa da última eleição na Baixada Santista. Ele aprendeu como a soberba afoga um político em águas rasas. Assistiu, nos últimos minutos, a virada de Luiz Cláudio Bili – um ex-aliado – sobre o filho Caio França, na Prefeitura local. E a derrota veio justamente da Área Continental, endereço que a turma no poder considerava um curral sob o cabresto.

Marcio França é um político à moda antiga, excelente aluno dos velhos caciques, até que se tornou um deles. Conhece como poucos a fórmula para alianças, a dança de distribuição de cargos, as palavras e os assuntos que o eleitor costuma ouvir com atenção. Domina também a dinâmica da mesa de cartas, com blefes e exageros na propaganda.

Entre 2012 e 2013, França ficou sete meses fora dos holofotes – quase sem falar com a imprensa. O cenário atual indica que, após digerir o nocaute, ele trabalhou atrás das cortinas, com paciência, conforme reza a cartilha da política tradicional. Fingiu-se de morto enquanto lia com clareza o cenário no horizonte.

Ele estreitou as relações com Eduardo Campos, sem se descuidar do namoro com Geraldo Alckmin. Neste sentido, pôde valorizar – ainda que em demasia – seu papel no casamento entre Campos e Marina Silva. Vendeu um peixe maior dentro de casa e contou com o óbvio: poucos vão até o rio para conferir a história do pescador. Na política e na guerra, propaganda é a chave da sobrevivência.

Desde que Marcio França começou a se destacar na política regional, logo no início da gestão como prefeito, fala-se que o sonho dele é ser governador do Estado. Em 2012, os mais apressados diziam que França se escondeu numa secretaria estadual irrelevante, a de Turismo, argumento reforçado com a derrota em São Vicente. O sonho dele estaria sepultado, em definitivo.

A política ensina que sempre há uma segunda oportunidade, desde que o sujeito compreenda que cargo e poder não são sinônimos. Relacionamentos são bem mais importantes do que plaquinhas na mesa, assessores e carros oficiais.

Para Marcio França, a vida na secretaria serviu para garanti-lo no círculo político de Alckmin, personalidade mais discreta do que ele, mas com doutorado no teatro das sombras, onde o palco somente sela os pactos das coxias.

Ao se candidatar à vice-governador, Marcio França adota relativo risco. Uma derrota – em princípio, improvável – o deixaria sem mandato, o que poderia atrasá-lo na caminhada. A vitória daria a ele tempo (e poder) para se preparar para a eleição seguinte, quando poderia se ver perto do sonho de infância política.

Por outro lado, a proximidade com Eduardo Campos é a segunda canoa onde colocou os pés, o plano para uma surpresa em São Paulo. Perder em âmbito federal é previsível, mas o número de votos é a garantia para reatar o namoro em Brasília, o que arrastaria França de volta para os braços do poder. Um peixe pequeno – é verdade -, mas no aquário com melhor alimentação.

Ver o filho perder a eleição em São Vicente abriu, de fato, os olhos do pai. França compreendeu a real dimensão da cidade e seu provincianismo político. Até o momento, na campanha eleitoral, ele deu o passo para subir a escada, com a vantagem maquiavélica de não jogar as fichas numa só roleta e sem abandonar o quintal de casa.